terça-feira, 3 de novembro de 2009

AOS QUE VÃO NASCER...

"É verdade, eu vivo em tempos negros.
Palavra inocente é tolice.
Uma testa sem rugas indica insensibilidade.
Aquele que ri apenas não recebeu ainda a terrível notícia.
Que tempos são esses, em que falar de árvores é quase um crime
Pois implica silenciar sobre tantas barbaridades?
Aquele que atravessa a rua tranquilo
Não está mais ao alcance de seus amigos necessitados?
Sim, ainda ganho meu sustento.
Mas acreditem: é puro acaso.
Nada do que faço me dá direito a comer a fartar
Por acaso fui poupado
(Se minha sorte acaba, estou perdido!)
As pessoas me dizem:
Coma e beba! Alegre-se porque tem!
Mas como posso beber e comer,
se tiro o que como ao que tem fome
E meu copo d'água falta ao que tem sede?
E no entanto eu como e bebo.
Eu bem gostaria de ser sábio
Nos velhos livros se encontra o que é sabedoria:
Manter-se afastado da luta do mundo e a vida breve
Levar sem medo e passar sem violência
Pagar o mal com o bem, não satisfazer os desejos,
Mas esquecê-los, isto é sábio.
Nada disso sei fazer:
É verdade, eu vivo em tempos negros...
Entretanto sabemos:
Também o ódio à baixeza deforma as feições.
Também a ira pela injustiça torna a voz rouca.
Ah, e nós que queríamos preparar o chão para o amor
Não pudemos nós mesmos ser amigos.
Mas vocês, quando chegar o momento
Do homem ser parceiro do homem
Pensem em nós com simpatia..."
(Bertold Brecht)

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