quarta-feira, 4 de novembro de 2009

AUSÊNCIA

"Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar
senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe
o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar
uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face
na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram
os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz serenizada..."
(Vinícius de Moraes)

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