quinta-feira, 5 de novembro de 2009

CANÇÕES (fragmento)

"Não é ciúme o que eu tenho.
É pena, uma pena que me rasga o coração.
Essa mulher nunca pode merecer-te;
Não vive da tua vida,
Nem cabe na ilusão da tua sensibilidade,
–Mas é bela! Tu afirmas
E eu respondo que te enganas.
A beleza –Sempre foi um motivo secundário
No corpo que nós amamos;
A beleza não existe, e quando existe não dura.
A beleza não é mais do que o desejo
Fremente que nos sacode...
–O resto, é literatura.
Conheço bem os teus nervos;
Deixaram nódoas de lume na minha carne trigueira;
– Esta carne que lembrava laivos de luz outonal,
Doirada, sem consistência, a aproximar-se do fim...
Eu já conheço o teu sexo, tu já gostaste de mim.
A frescura do teu beijo e o poder do teu abraço,
Tudo isso eu devassei...
Não é ciúme o que eu tenho;
Mas quando te vi com ela,
Sem que me vissem, chorei..."
(Antonio Botto)

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