sábado, 7 de novembro de 2009

DAS PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO...

"Não foi sem algum esforço que cortei o caminho,
as palavras iam-se colocando na frente da vontade,
como que para ilusões de estar.
De certo, um homem mais acabrunhado,
em cujo peito os dias não se renovassem em plantas e musgos,
teria já desistido.
E o sol, como uma táboa sobre a percepção da gente,
deitando fogo até onde a vista alcança.
Sobretudo a solidão: solidão é caminhar sabendo o outro,
e não falando.
Daí que é preciso serenidade para o silêncio,
as luzes jogadas pelo sol por cima das palavras são enganaduras:
viver é tirar da saliva a vida,
molhar a palavra até que ela se enudeça, é despi-la com delicadeza,
para encontrar pulsando ali a sua vontade mundana.
E as pedras no meio do caminho,
é muito preciso ouvir delas a lição.
Foi topar com João Cabral de Melo Neto
e perguntar-lhe o que fiava, e não: desfiava.
Seu corpo rijo encostado numa pedra
caçava ouvir das entranhas dela o eco do eterno.
Disse o poeta que viver nem é tão preciso,
mas sim cortar da poesia os excessos,
e me deu uma colher sem espelhos.
Anoiteceu de um azul não total sobre nós.
Calei e fui, só.
Vai de saber que navegamos a ampulheta, é muito preciso,
me disse um louco da Rua dos Passarinhos - sem saber que dizia-,
que se arrebentem os relógios,
com vias de deitar uma mulher sobre o horizonte do sentimento.
No deserto, limiar entre o seco e o poroso, a vida e a morte,
é que encontrei a espinheira do tempo,
crescendo entorno de uma flor enterrada
no maciço chão de terra batida.
Agora eu sei, sem sabimentos,
que preciso mesmo é molhar os lábios,
cavar toda a terra envolta da flor com a colher para cultivá-la,
e recolher as pedras no meio do caminho,
para construir o castelo..."
(Luis Gustavo Cardoso)

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