terça-feira, 3 de novembro de 2009

DOLORES

"Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo acrecido do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política, feminismo, a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas: não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado buscar perdão pra minha carne soberba
e lá estava escrito:
-Foi pela fé que também Sara, apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência...-
Se alguém me fixasse, insisti ainda, num quadro, numa poesia...
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero.
Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso
e no entanto sustentaram os pilares do mundo,
porque mesmo viúvas dignas não recusam casamento,
antes acham sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no cabelo
e varrer a casa de manhã.
Uma tal esperança imploro a Deus..."
(Adélia Prado)

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