terça-feira, 3 de novembro de 2009

IMPACIÊNCIA DA ALMA

"E assim sou, fútil e sensível,
capaz de impulsos violentos e absorventes,
maus e bons, nobres e vis,
mas nunca de um sentimento que subsista,
nunca de uma emoção que continue,
e entre para a substância da alma.
Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa;
uma impaciência da alma consigo mesma,
como com uma criança inoportuna;
um desassossego sempre crescente e sempre igual.
Tudo me interessa e nada me prende.
Atendo a tudo sonhando sempre;
fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo,
recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos;
mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa,
e o que menos colhi da conversa foi a noção que nela se disse,
da minha parte ou da parte de com quem falei.
Assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti,
pergunto-lhe de novo aquilo a que já me respondeu;
mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas,
o semblante muscular com que ele disse o que não me lembra,
ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa
que não me recordava ter-lhe feito.
Sou dois, e ambos têm a distância
-irmãos siameses que não estão pegados..."
(Bernardo Soares)

Um comentário:

Perla disse...

Acho que minha alma é impaciente...rs. Adorei! Beijos.