sexta-feira, 6 de novembro de 2009

PRÓLOGO NO JARDIM

"Estou para escrever uma história,
ouço os discos de freio do meu coração.
A rainha rasgou a folha do tempo,
naquela folha verde onde fiz quatro buracos,
para intenção de máscara.
Onde ontem cortei meu braço tem mais navalhas.
Espero-te no trono e na esquina,
onde as armadilhas estão postas pela solidão.
As trampas da minha escrita escravizaram-me,
sou todo cão olhando pelo vidro.
A tinta se foi,
vou manchando de saliva os ponteiros da história,
eu te recrio noite após noite, manhãs inteiras
roubadas pelo cometa, que observo passar, sem você na janela.
Sou todo orvalho.
Em tuas rendas molhadas aparição minhas sobrancelhas exatas.
Estou para escrever um livro, calado, aberto,
um livro que não é de abrir, é de fechar.
Quereres.
Queria botar meu pensamento no Tietê
e derramar na tua rua todos os sonhos estranhos, distantes,
cheirando a cigarro e alguma coisa mais que não consigo identificar.
A literatura escondeu-se, virou fumaça.
Fecho os olhos e ponho no mundo o ouvido, caçando palavras,
gritos, chamados, sussurros.
Digitalizei aquelas fotos, e transmudei-as em espelho:
espelho aberto para destinos fechados.
Destino?
Essa maldita política e os ternos ambulantes.
Era um sufoco pegar as conduções.
Mas amar é explodir depois do sufoco,
transbordar marés inteiras praia adentro.
A escrita tem uma dificuldade espiralada,
é bem capaz da gente ter de traçar as rotas do mundo
para poder escrever. Inventar enciclopédias inteiras,
botar espelhos
entre as fileiras cheias de livros inaudíveis, inescutáveis.
Amo amar verbo com café e cigarro e coisas que não suporto.
Os símbolos muito fortes e a Elis Regina,
embora eu deva confessar.
Avalovara do interior de quem quer o mar
e te descobriu em terras distantes,
que eu te descobri do lençol e do medo,
para fecundar em teu ventre um mistério profundo,
e para ser invadido pelo que não posso auscutar,
nem médico nenhum pode.
Algumas melodias vêm da terra, como Prenda Minha.
Este meu coração que toca trompete,
e estes dedos que embaraçam o violão.
Te posso ver, ouvir? Há quanto tempo.
Creio loucura. O amor anda na literatura.
Ontem mesmo. Escrevia aquela carta difícil,
sentindo o estorvo da escrita, a impossibilidade.
Embora escrevendo possa estender o tapete das imagens.
Que palácio, que torre, com que armas assaltar
o que não possuímos de fato, e que nos possui, o amor?"
(Luis Gustavo Cardoso)

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