sexta-feira, 6 de novembro de 2009

A NOITE DISSOLVE OS HOMENS

"Fui eu que sujeitei a pastos noturnos o tempo...
Ou foi de mim que escorreu o fio tênue
com que me enredou o invento, antes na palma das mãos,
de linhas nítidas e frescas, agora amadurecida invenção sem eiras,
disforme contradição serpenteante.
Ora deixar a linha da vida é incorrer em artimanhas da idéia,
ora refundar edifícios é dar vida a constelações do intelecto;
e o jogo da vida, da dor e do amor, da poesia fácil e da poesia difícil,
tudo isso fica também enredado na teia cheia de vãos
do que construímos meticulosamente, com todo engenho.
O que se crê inconsútil tecitura das coisas pensadas muito bem pensadas,
vai-se com o cansaço e a noite: a noite dissolve os homens.
Para um querer como o nosso, como a carne quer transcendendo,
é que nas luzes da cidade podemos referir o desejo do corpo
transcendendo a alma e a idéia,
ali no escuro é onde a criatura arde como um invólucro que de si,
de súbito, toma conta, e pulsa muito além das imagens:
metapsiquê do fogo.
Além da água, o seco; do seco, o fogo ocaso.
Depois de dissolvido o ente, o ambiente, combustão ligeira do silêncio,
a noite rumina a criatura e a devolve..."
(Luis Gustavo Cardoso)

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