sábado, 7 de novembro de 2009

NOITE

"Nesta noite eles se despedem, ele curvado ante o tempo.
Nem a folha, o filtro do cigarro, nem a trilha sonora
e aquela tarde desperdiçada e esticada no quintal.
Nem o eletrocardiograma, a valentia de um homem, o livro tentado.
Nem o medo da morte, nem a violenta saudade,
nem o copo pela metade, nem as metades enfiadas no antitexto,
na letra inaudita.
Nem o barco no asfalto, a vela da aurora, o cão atrás dos vidros da casa.
Nem o espírito que ronda, nem o calo nos pés, nem as luvas de seda,
nem a calça de linho, nem o descaminho.
Onde anda um corpo, um torto;
onde um retrato, um trato de nunca mais tratar.
Nem noites em claro, azuis, anteparo, nenhum tendão.
Nem fora, nem dentro.
Onde anda um pé, um manco; onde talvez sonhasse,
um profundo e calado pranto.
Rente à montanha das horas um homem se curva.
Nem a cana às milhas, nem barulhos de areia,
nem tendas na estrada, vestidos longos,
nem congratulações do escritório, nem olhos no mar.
Nem a quebra dos muros, nem o dia vazio, a comunhão.
Nem ampulhetas do avesso,
nem praga de peixes, nem queimadas, serão.
Nem Deus, nem o Demo, se um dia, no extremo, houvesse união.
Nem o coro dos anjos, as sete trombetas,
a vinda da Morte, o fim da amplidão.
Nem dever-se falar palavra, nem a anistia do amor e do ódio,
anestesia, cura, febre, ópio, nem remissão.
Não há sorte, nem a morte
vai fazer sossegar meu coração..."
(Luis Gustavo Cardoso)

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