quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O AZUL CELESTE DO ENIGMA DA NOITE EMUDECIDO

"Vê como tudo agora emudeceu,
que tributo de estrelas a noite impôs ao céu
em horas como esta eu me ergo e converso
com os séculos a história do universo.
Mas de que me vale ter casa, parentes, vida?
Sou a terra que estremece? Ou a multidão que avança?
Ó solidão minha, ó limites da criatura!
Meu nome está em mim? No passado ou no futuro?
Ninguém responde. E o fogo avança para meu pequeno enigma.
Arranjo cheio de "eu sei, eu sei",
de promessa de fidelidade e de apoio mútuo
numa união cerrada e quase má;
uma e simples, nenhum movimento a simbolizava,
era o mistério aceito:
eu gostaria de ser aquele pequeno inseto de olhos luminosos
que a mulher descobriu à noite no gramado
para quem o escuro é o melhor dos mundos.
Na verdade, porém ela não sabia o que lhe sucedia
e seu único modo de sabê-lo era vivendo-o.
Nos telhados os pardais secos.
Não sei se é porque o céu é azul celeste
e a terra, amante, me estende as mãos ardentes
nas calçadas pisadas de minha alma
passadas de loucos estalam calcâneo de frases ásperas.
"Eu vos amo, pessoas", era frase impossível.
A humanidade lhe era como morte eterna
que no entanto não tivesse o alívio de enfim morrer.
Onde forcas esganam cidades
e em nós de nuvens coagulam
pescoço de torres oblíquas e nada,
nada morria na tarde enxuta, nada apodrecia.
E às seis horas da tarde fazia meio-dia.
Dor? Nenhuma. Nenhum sinal de lágrima e nenhum suor.
Sal nenhum. Só uma doçura pesada:
E o Deus? Não.
Nem mesmo a angústia.
O peito vazio, sem contração.
Não havia grito..."
(Clarice Lispector)

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