domingo, 15 de novembro de 2009

O INACABADO QUE HÁ EM MIM

"Eu me experimento inacabado.
Da obra, o rascunho. Do gesto, o que não termina.
Sou como o rio em processo de vir a ser.
A confluência de outras águas
e o encontro com filhos de outras nascentes o tornam outro.
O rio é a mistura de pequenos encontros.
Eu sou feito de águas, muitas águas.
Também recebo afluentes e com eles me transformo,
O que sai de mim cada vez que amo?
O que em mim acontece quando me deparo
com a dor que não é minha,
mas que pela força do olhar que me fita vem morar em mim?
Eu me transformo em outros? Eu vivo para saber.
O que do outro recebo leva tempo para ser decifrado.
O que sei é que a vida me afeta com seu poder de vivência.
Empurra-me para reações inusitadas,
tão cheias de sentidos ocultos.
Cultivo em mim o acúmulo de muitos mundos.
Por vezes o cansaço me faz querer parar.
Sensação de que já vivi mais do que meu coração suporta.
Os encontros são muitos; as pessoas também.
As chegadas e partidas se misturam e confundem o coração.
É nesta hora em que me pego alimentando sonhos
de cotidianos estreitos, previsíveis.
Mas quando me enxergo
na perspectiva de selar o passaporte e cancelar as saídas,
eis que me aproximo de uma tristeza infértil.
Melhor mesmo é continuar na esperança confluências futuras.
Viver para sorver os novos rios que virão.
Eu sou inacabado. Preciso continuar.
Se a mim for concedido o direito de pausas repositoras,
então já anuncio que eu continuo na vida.
A trama de minha criatividade depende deste contraste,
deste inacabado que há em mim.
Um dia sou multidão; no outro sou solidão.
Não quero ser multidão todo dia.
Num dia experimento o frescor da amizade;
no outro a febre que me faz querer ser só.
Eu sou assim. Sem culpas..."
(Fábio de Melo)

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