sexta-feira, 6 de novembro de 2009

PRELÚDIO

"Neste alaúde, que a saudade afina,
Apraz-me às vêzes descantar lembranças
De um tempo mais ditoso;
De um tempo em que entre sonhos de ventura
Minha alma repousava adormecida
Nos braços da esperança.
Eu amo essas lembranças,
Como o cisne ama seu lago azul,
Ou como a pomba do bosque as sombras ama.
Eu amo essas lembranças;
Deixam n'alma um quê de vago e triste,
Que mitiga da vida os amargores.
Assim de um belo dia, que esvaiu-se,
Longo tempo nas margens do ocidente
Repousa a luz saudosa.
Eu amo essas lembranças;
São grinaldas que o prazer desfolhou,
Murchas relíquias de esplêndido festim;
Tristes flores sem viço!
-Mas um resto inda conservam
Do suave aroma que outrora enfeitiçou-nos.
Quando o presente corre árido e triste,
E no céu do porvir pairam sinistras
As nuvens da incerteza,
Só no passado doce abrigo achamos
E nos apraz fitar saudosos olhos na senda decorrida;
Assim de novo um pouco se respira
Uma aura das venturas já fruídas,
Assim revive ainda
O coração que angústias já murcharam,
Bem como a flor ceifada em vasos d'água
Revive alguns instantes..."
(Bernardo Guimarães)

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