terça-feira, 3 de novembro de 2009

RESPOSTA AO APELO...

"As meias, senhor, as meias eu vou ensinar como se costuram.
Primeiro, é preciso alinhavar o tempo.
Achar a ponta mais longe e desfazer os embaraços,
partindo do fim para o começo.
Eu já estava no ônibus quando hesitei, quando desci
no primeiro ponto que a agulha desfez entre nós.
Subi as escadas em caracol, tentando cerzir a nossa fazenda
já estampada de flores tão murchas
e, por mais um instante, voltei para casa, senhor.
Olhei a casa, senhor.
Uma camisa jogada no chão, de braços abertos.
Meu apelo em cada canto do quarto. O batom, o vestido.
A meia encolhida, sem par.
A rede pendurando, solitária, um sorriso na varanda.
À espera de um outro sorriso, talvez.
Mas o sorriso, na borda da xícara, o senhor esqueceu.
A alça sem os laços do seu dedo. Minhas mãos na cintura.
Nós dois rodopiando pela sala, em voltas que a cera apagou.
E que devem ser as voltas dessa agulha,
-essa que ensina a costurar um tecido ferido, senhor.
Depois, é preciso desatar as linhas.
As linhas que o senhor me escreveu nessa carta,
e me trouxe a essa casa um mês depois.
Então era isso senhor? O leite coalhado?
As teias de aranha costurando as fendas no teto?
O saca-rolha perdido? A meia furada? A camisa sem botão...
O botão sem a casa. A casa. A casa. A casa?
O prato na parede. O jarro na parede. A estátua na parede.
O relógio tremendo no chão. O ponteiro no cinco.
O ponteiro no cinco. Uma camisa de braços rasgados.
O retrato em duas partes. Um grito alto.
As mãos no colo, em abandono.
Ouve agora o meu apelo, senhor?"
(Rita Apoena)
*Resposta ao APELO de Dalton Trevisan

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