sexta-feira, 6 de novembro de 2009

SOBRE A MORTE E O MORRER (fragmentos)

"...Mas tenho muito medo do morrer.
O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações,
aparelhos e tubos enfiados no meu corpo,
contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer,
porque já não sou mais dono de mim mesmo;
solidão, ninguém tem coragem ou palavras para,
de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte,
medo de que a passagem seja demorada.
Bom seria se, depois de anunciada,
ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais,
em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza.
(...)
Há dores que fazem sentido, como as dores do parto:
uma vida nova está nascendo.
Mas há dores que não fazem sentido nenhum.
Seu velho pai morreu sofrendo uma dor inútil.
Qual foi o ganho humano?
Que eu saiba, apenas a consciência apaziguada do médico,
que dormiu em paz por haver feito aquilo que o costume mandava;
costume a que freqüentemente se dá o nome de ética.
Dir-me-ão que é dever dos médicos
fazer todo o possível para que a vida continue.
Eu também, da minha forma, luto pela vida...
(...)
Confesso que, na minha experiência de ser humano,
nunca me encontrei com a vida
sob a forma de batidas de coração ou ondas cerebrais.
A vida humana não se define biologicamente.
Permanecemos humanos enquanto existe em nós
a esperança da beleza e da alegria.
Morta a possibilidade de sentir alegria ou gozar a beleza,
o corpo se transforma numa casca de cigarra vazia..."
(Rubem Alves)

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