quinta-feira, 27 de maio de 2010

EU NÃO QUERO SER MAIS EU MESMO

"Eu sinto uma beleza quase insuportável e indescritível.
Como um ar estrelado, como a forma informe,
como o não-ser existindo,
como a respiração esplêndida de um animal.
Enquanto eu viver terei de vez em quando
a quase-não-sensação do que não se pode nomear.
Entre oculto e quase revelado.
É também um desespero faiscante
e a dor se confunde com a beleza
e se mistura com a alegria apocalíptica.
Gostaria de viver exclusivamente
da meditação tola e fecunda
na contemplação da morte e de Deus.
Gostaria de dedicar-me a beijar crianças.
Transportar-me eu vos suplico,
eu não quero ser mais eu mesmo.
Eu sou vós.
Sinto necessidade de arriscar minha vida.
Só assim vale a pena viver..."
(Clarice Lispector)

terça-feira, 25 de maio de 2010

GOTAS DE CHUMBO

"Gotas de chumbo engolem o brilho dos sóis
Soterrados atrás das nuvens
Enquanto caem sobre as ruas das cidades
O vento dispersa o odor das línguas bolorentas
Bueiros observam os pedestres
Sangrando seus calcanhares
Em recriadas horas mortas
As nuvens do céu cospem chumbo e fel
Sobre o espetáculo das sedentas almas banguelas
Trabalhando em seus edifícios
De dúzias de andares vazios
E paredes sufocadas por gritos contidos
A maré suicida transita entre as almas
À espera do próximo prato cheio de nada
Cuidadosamente posto sobre a mesa
Vestida em elegante toalha de prata..."
(Flávio Umaguma)

À UM AMIGO QUERIDO...

"Não se esqueça de trancar a porta e aguar as plantas,
de dar comida ao gato e desligar as luzes quando for sair.
Não se esqueça de pagar o aluguel e comprar detergente,
da prova de sexta-feira e da consulta na quinta.
Não esqueça o fogão ligado ou as meias dentro dos sapatos,
ou mesmo os sapatos fora do armário.
Mas, sobretudo, meu amigo, não se esqueça do azul.
Ainda que esteja distante e um tanto enegrecido,
não se esqueça do azul. E nem se esqueça da coragem;
por que você vai precisar dela algum dia,
mais do que essas calças brancas ou esses óculos,
mais do que essas festas longas e essas alegrias curtas.
Não se esqueça do seu motivo, meu amigo.
E traga consigo, quando de sua visita, um livro bom,
um caso sem fim, e um sorriso.
Mas não esqueça os pés dentro do mundo
nem os dedos nas feridas
–pra que se esquecer de que tudo se cura?
Não se esqueça do tempo, nem que para isso
seja preciso esconder o relógio na escrivaninha
e chegar atrasado um ou dois dias.
E se der um passo, não se esqueça do outro,
e se for cair, não se esqueça de se levantar,
e se for para ficar só, não se esqueça de chorar.
Não esqueça uma lágrima sequer, nem esqueça um suspiro,
por que um dia,
quando se lembrar de tudo que passou, meu amigo,
você vai sorrir..."
(Zero)

AQUI DENTRO

"Para o frio nada melhor
que o silêncio nos braços da noite
um pouco de nada me basta.
A música colcheias em minha cabeça
me eleva a um não-lugar sem palavras.
Na xícara de chá de hortelã
minhas mãos se aquecem
encosto-a no peito
um gole me esquenta por dentro.
Me aconchego na solidão
onde descanso a minha história
que em pausa pousou em paz..."
(Ingrid)

É PRA ENTENDER...

"Mais simples seria se eu enfim falasse
ou soubesse como agir com as pessoas em geral,
e se eu não me empolgasse e fosse mais retraída,
ao invés de contar a todos menos a quem interessa.
Acho que pouco importa novos romances no dia de hoje,
vai ver pouco importa a felicidade a muitos.
Triste época!
Meu mais doce interior revela o quanto busco pelo amor
insana-mente querendo mais e mais felicidade,
e as vezes também taxada de louca,
vai ver eu entendo o que muitos poetas queriam dizer
com suas ultimas palavras...
Ou talvez eu não saberei o que é realmente amor,
e descobrir paixões a cada noite.
Tem sido uma delicia !
Eu ainda tenho muito a andar, tenho muito a conhecer.
Vivendo como um coração boêmio sem rumo certo
a quem recorrer na hora de tristeza,
preciso mesmo me encontrar e descobrir por onde
eu tenho que passar pra chegar em fim no meu destino,
qual almejo muita felicidade,
eu sei que biblicamente não há mais salvação,
mais Deus ainda vai dar a chance
pra quem precisar de um sorriso pra acordar .
Eu estou do lado da vida, do amor.
o outro lado não me interessa..."
(Ana Marcela)

TOMA ESSE CORAÇÃO DEMAIS...

"O coração está pleno de sua imagem
-deixe eu saber como você está-
Uma cordilheira com tantos mistérios
Chama-me,porém em muitos instantes
só quer me deixar ver tantas dores
A menininha do vestido azul
está descalça para acompanhar-te
Dê-me as chances para você mesmo
sentir tanto amor meu.
Quem dera eu ter tanta força assim
para ser tão explícito
Talvez com tanta misericórdia
você veja todos eus
Olhe para mim e chore,por favor!
Estou descalça só para te machucar...
não há querer algum, é só para a percepção
É tão sensível como os pés de sangue...
Está vendo como é tão boba,
me dê um pouco de alma segura
e toma esse coração demais.
Vai ter o gosto de tanto querer saber
e ter e respirar-te e amor e viver-te..."
(Dana Campos)

A GENTE DISFARÇA AS INDIFERENÇAS

"A gente disfarça as indiferenças
a sua beleza não sustenta
finais de semana prolongados.
Se perde na tarde de sábado
enquanto esperamos o sol
cair de nossas cabeças...
Discutindo sonhos
e a revolução industrial
sem saber se é melhor
pra mim ou pra nós dois.
Inventar um riso novo
e uma mentira satisfatória
sobre seu futuro promissor
na escola de artes do centro..."
(V. Abreu)

BEIJO DE POETA

"Que não desmanche a palavra
que se esconde na minha boca
mas a ela acrescente vida
esse ritmo de canção
que conheça linguagens
minha conversa, meu tom
e divida comigo o movimento
metafórico ou meteórico
do som das coisas não ditas
do corpo dos sonhos
da cor da palavra escrita
da linha cortada
da língua que, por ser completa,
pelos lábios toca a alma..."
(Fran Rodrigues)

O SUICIDA

"Não ficará na noite uma estrela.
Não ficará a noite.
Morrerei e comigo a suma
Do intolerável universo.
Apagarei as pirâmides, as medalhas,
Os continentes e as caras.
Apagarei a acumulação do passado.
Farei pó a história, pó o pó.
Estou olhando o último poente.
Ouço o último pássaro.
Lego o nada a ninguém..."
(Antonio Cicero)

PASSAGEM DAS HORAS (fragmento 3)

"Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo,
seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma idéia abstrata,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
São-me simpáticos os homens superiores
porque são superiores,
E são-me simpáticos os homens inferiores
porque são superiores também,
Porque ser inferior é diferente de ser superior,
E por isso é uma superioridade a certos momentos de visão.
Simpatizo com alguns homens pelas suas qualidades de caráter,
E simpatizo com outros pela sua falta dessas qualidades,
E com outros ainda simpatizo por simpatizar com eles,
E há momentos absolutamente orgânicos
em que esses são todos os homens.
Sim, como sou rei absoluto na minha simpatia,
Basta que ela exista para que tenha razão de ser..."
(Álvaro de Campos/Fernando Pessoa)

INTERVALO

"É a pessoa sem nome com quem você conversa
desinteressado no ponto de ônibus.
O salgadinho ruim com o qual te empanturram
antes de servirem o bolo.
É o olhar das crianças dentro de casa
enquanto rezam pra chuva passar.
Um passatempo durante a viagem de volta pra casa.
Você na história de alguém.
Alguém na sua história.
Intervalo é a coisa disforme e sem sabor
que existe durante uma espera..."
(Fran Rodrigues)

ELOGIO DA DISTÂNCIA

"Na fonte dos teus olhos
vivem os fios dos pescadores
do lago da loucura.
Na fonte dos teus olhos
o mar cumpre a sua promessa.
Aqui, coração
que andou entre os homens,
arranco do corpo as vestes
e o brilho de uma jura:
Mais negro no negro, estou mais nu.
Só quando sou falso sou fiel.
Sou tu quando sou eu.
Na fonte dos teus olhos
ando à deriva sonhando o rapto.
Um fio apanhou um fio:
separamo-nos enlaçados.
Na fonte dos teus olhos
um enforcado estrangula o baraço."
(Paul Celan)

DEBAIXO DO CRÂNIO

"Isso que não pára, pulsa
e dispara, isso sou eu?
Mas como? É só
a massa cinzenta de dentro.
Ela me observa,
eu a observo.
Um surpreende o outro.
Nem sempre meu cérebro faz
o que eu quero. Mal-entendidos,
conflitos não faltam.
Quando cai a noite,
eu tento, simplesmente,
desligá-lo. Em vão.
Ele segue a trabalhar, a produzir,
invenções de própria lavra,
e delas nada sei,
por elas mal respondo.
Volta e meia, sem consulta-lo,
eu também faço das minhas.
E só muito tarde paramos
de espreitar um ao outro
e deixamos estar.
Então se faz, por fim, a paz."
(Hans Magnus Enzensberger)

MAIS PALAVRAS SOLTAS...

"Permaneço entre aspas pra me proteger.
É que eu sei que quando a canção
não mais sustentar esse meu desejo de verbo,
vou chover desritmada em correnteza de palavra e sentido.
E sinto que lhe faltariam letras ou cores
pra que me pudesses ler.
Minha lira é estridente aos teus ouvidos.
Por certo que seria exagero.
Digo, repito, grito, mas sem palavra minha.
Digo, repito, grito -protegida, mas exposta
-com meu gesto irrefletido de seguir-te com os olhos,
de curvar-me e consentir, de cantar tuas ausências,
de sorrir atenções pequenas e caber em qualquer fresta.
Insisto silenciosa e paciente,
enquanto solfejo a melodia dos contidos.
Já nem espero que escutes minha música-demasia.
Maltrapilha e por mim mesma calada,
não espero quase nada.
Talvez uma despedida..."
(Fran Rodrigues)

PASSAGEM DAS HORAS (fragmentos 2)

"Não sei se a vida é pouco ou demais para mim.
Não sei se sinto de mais ou de menos, não sei
Se me falta escrúpulo espiritual,
ponto-de-apoio na inteligência,
Consangüinidade com o mistério das coisas, choque
Aos contatos, sangue sob golpes, estremeção aos ruídos,
Ou se há outra significação para isto mais cômoda e feliz.
Seja o que for, era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão,
de sair Para fora de todas as casas,
de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa
mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
Cruzo os braços sobre a mesa, ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar, mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim? Que há de ser de mim?
Não sei sentir, não sei ser humano, conviver
De dentro da alma triste com os homens meus irmãos na terra.
Não sei ser útil mesmo sentindo,
ser prático, ser quotidiano, nítido,
Ter um lugar na vida, ter um destino entre os homens,
Ter uma obra, uma força, uma vontade, uma horta,
Unia razão para descansar, uma necessidade de me distrair,
Uma coisa vinda diretamente da natureza para mim..."
(Álvaro de Campos/Fernando Pessoa)

ENCONTRAR ALGUÉM...

"E quando finalmente você encontra alguém
a quem sente poder derramar sua alma,
você pára, em choque, sem palavras
-estão tão enferrujadas, tão feias,
tão sem sentido e frágeis,
por terem sido guardadas no escuro, pequenas,
sufocadas dentro de você por tanto tempo..."
(Sylvia Plath)

E SE DEIXARÁ FERIR POR APEGOS...

"E se deixará ferir por toda sorte de apegos
que lhe arranhem os olhos e façam diluir-se em medos.
Em qualquer dessas palavras que se beijam,
em qualquer riso bonito e distante,
construído de nuvem e beija-flor.
Deixará que os sapatos ditem um rumo esquecido,
um abraço inseguro ou um instante que adie
a certeza pungente de que ninguém se importa.
Deixará os bolsos vazios,
para que nada pese mais que a consciência do mundo.
Deixará o sentimento.
E, por fim, que as verdades escapem, tolas,
que as dores se agitem e saltem por veias
e vozes ou poros ou ponte.
Que se revele a inconsistência das decisões,
a incoerência dos que se deixam enganar.
Deixará..."
(Fran Rodrigues)

PASSAGEM DAS HORAS (fragmento 1)

"Trago dentro do meu coração,
Como num cofre
Que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi
Através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto,
É pouco para o que eu quero.
Viajei por mais terras
Do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens
Do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações
Do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse,
Sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu,
Sempre foi pouco, e eu infeliz..."
(Álvaro de Campos/Fernando Pessoa)

domingo, 23 de maio de 2010

SIMPLES ASSIM...

"Quero a simplicidade de
Olhar a chuva cair sem tristeza,
Quero a alegria do teu sorriso,
Vou contar as estrelas
Como conto os dias que te espero
Fazer delas meu calendário
Ouvir na calada da noite o teu silêncio,
Improvisar as horas em que não te vejo
Correr pela praia esperando o bom tempo,
Com a música das ondas em meus ouvidos,
E o vento trazendo a memória da tua beleza
Viajar nas estradas sublimes da vida
Sem saber pra onde ir
Sem saber quem vou encontrar
Me insinuar... sem me propôr
Com a certeza de que um dia vou chegar
Lá onde meus sonhos me levam
Num infinito distante
Onde sei que voce vai estar..."
(Ana Lúcia Camargo)

sábado, 15 de maio de 2010

DÁ PRA SER ASSIM?

"Eu sou sim a pessoa que some, que surta,
que vai embora, que aparece do nada,
que fica porque quer,
que odeia a falta de oxigênio das obrigações,
que encurta uma conversa besta,
que estende um bom drama,
que diz o que ninguém espera e salva uma noite,
que estraga uma semana só pelo prazer de ser má
e tirar as correntes da cobrança do meu peito.
Que acha todo mundo meio feio, meio bobo,
meio burro, meio perdido, meio sem alma,
meio de plástico, meia bomba.
E espera impaciente ser salva
por uma metade meio interessante
que me tire finalmente essa sensação de perna manca
quando ando sozinha por aí,
maldizendo a tudo e a todos.
Eu só queria ser legal, ser boa, ser leve.
Mas dá realmente pra ser assim?"
(Tati Bernardi)

NÃO ME VENHA COM MEIOS-TERMOS

"Eu quero da vida o que ela tem de cru e de belo.
Não estou aqui pra que gostem de mim.
Estou aqui pra aprender a gostar
de cada detalhe que tenho.
E pra seduzir somente o que me acrescenta.
Adoro a poesia e gosto de descascá-la
até a fratura exposta da palavra.
A palavra é meu inferno e minha paz.
Não sou dramática; sou intensa, transitória
e tenho uma alegria em mim que me deixa exausta,
mas não preciso prová-la a ninguém.
Eu sei sorrir com os olhos e gargalhar com o corpo todo.
Sei chorar toda encolhida abraçando as pernas.
Por isso, não me venha com meios-termos,
com mais ou menos ou qualquer coisa.
Venha a mim com corpo, alma, vísceras,
tripas e falta de ar..."
(Martha Medeiros)

AS COISAS ME COMOVEM...

"Eu me sinto às vezes tão frágil,
queria me debruçar em alguém,
em alguma coisa. Alguma segurança.
Invento estorinhas para mim mesmo,
o tempo todo, me conformo, me dou força.
Mas a sensação de estar sozinho não me larga.
Algumas paranóias, mas nada de grave.
O que incomoda é esta fragilidade,
essa aceitação,
esse contentar-se com quase nada.
Estou todo sensível,
as coisas me comovem..."
(Lih Neta)

OLHA-ME DE NOVO

"Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo.
Porque esta noite Olhei-me a mim,
Como se tu me olhasses.
E era como se a água desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra.
Há tanto tempo espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez..."
(Hilda Hilst)

EU SEI QUE ISSO NÃO É UM SORRISO

"Eu pensava que estava livre disso.
Com toda reza e penduricalhos de proteção.
E a fé, digna de mover montanhas. Mas não.
A pessoa fica feliz se percebe que você ta triste.
Inveja é uma coisa feia
que eu não consegui entender até hoje,
mesmo depois de grande.
É que minha mãe ensinava que, ver os outros sorrindo
era sinal de que tinha coisa boa por ali.
Ela esqueceu de avisar, ou até mesmo, desconhecia,
os falsos-sorrisos-amigos.
E vira uma torcida do mal contra você. Sai de mim!
Tem cara de santa, mas não me engana. Não mais.
Ela é nova e desconhecida agora.
No sentido negativo, veja bem. Mas não me contamina.
E se não respondo quando você pergunta se está tudo bem
é que fui educadinha pra não mandar você se foder.
Mas te mando mesmo assim, internamente.
E depois de um tempo a gente descobre
que a fé reina aqui dentro.
E minha vontade das coisas darem certo
é três vezes maior que o olho inimigo.
E dizem que tudo o que é três vezes mais forte, acontece.
Eu creio, então..."
(Vanessa)

UM GRITO

"Eu preciso de férias.
De férias deste corpo cansado
desses dias amargos de fel sem sabor.
Eu preciso dormir.
Dormir e não lembrar dessa rotina macabra
que me macula e acaba sem me deixar escolher.
Eu preciso parar.
Parar de chorar, de tentar, de buscar, de me machucar.
Eu só quero curar.
Essa dor que me acompanha e, por mais que eu tente,
meus olhos no espelho não me deixam esquecer.
Eu quero uma casa, de alma lavada, com janela pro nada
e porta vedada pra tudo que me fizer perecer.
Eu queria cansar.
Mas já cansei. cansei dessa pena velada,
dessa coisa tão suja que me fere a saber.
Minhas pernas padecem, minhas mãos estremecem,
deixando o copo e a vida cair.
Mas me atendo ao cigarro.
Quero me libertar dos vícios, dos ofícios e dos malefícios
que tem me acarretado esse negócio de viver.
Quero chá quente na cama.
Com urso de pelúcia e carícia de mãe até amanhecer.
Essas rimas baratas, tão vulgares e insensatas,
só me deixam assim: com a certeza que eu me perdi.
E me perdi dentro de mim. E esse negócio que dói...
Isso aqui é um desabafo, cheio do meu cansaço
e da minha angústia por mudar.
Esse anseio por aquele amanhã prometido
pelos olhos metidos que juraram me ninar.
E a solução, eu garanto, é essa.
Um abraço apertado, um sorriso bem largo,
um doce melado e esperança no olhar.
Eu peço..."
(Autor Desconhecido)

PARA O TEMPO PARAR PARA SEMPRE...

"Sinto muito. Sou inteira id.
Nasci passado e não sei
se é corpo ou alma esse envelhecimento.
Essas tantas rugas de tão poucos amores
como o craquelado de chão sertanejo,
até o abismo interior ou o abaixo da terra,
esses infernos.
Meu imenso ego transborda invisível o físico.
Para falar dos outros, falo de mim e até calada.
Você jamais me conhecerá inteira porque quando minto,
há verdades e elas são minhas e apenas,
porque minha prisão é viver o que quer que seja
e a libertação é a escrita.
Quando eu não suportar mais
essas tantas reinvenções de mim mesma
pela negação do eu único e profundo
e tão só e pelo ódio ao previsível e rotineiro,
queimarei meus restos
para as moscas não pousarem nesse sagrado,
para os insetos não devorarem o que nunca houve.
E tocarei um fado, o mais triste,
para o tempo parar para sempre..."
(Lubi)

DOS BENEFÍCIOS DO TEMPO

"Gosto do arranhar dos dedos no dedilhar do violão.
Gosto do porquê da junção que forma maré.
Gosto de me ver refletida nos olhos teus.
Gosto de ler sorrisos. E de desviar lágrimas.
Gosto do sol das seis, bem alaranjado.
Gosto da lua cheia, acordando meus arrepios.
E da lua que sorri, pra mim.
Gosto de procurar a minha estrela, escolhida a dedo.
Gosto do carinho do vento. Das cócegas na alma.
E das borboletas no estômago.
Gosto do desabrochar. Do próximo instante. E do acaso.
Gosto do que ficou. Do que é. E do que virá.
Gosto do que começa com fé. De pequenas coragens.
E do verbo seguir.
Gosto da dança de dentro. Do ritmo das horas.
E do gingado do tempo.
Gosto do cheiro da lembrança. Do gosto do agora.
E do som do amanhã.
Gosto de sonhos amanhecendo e urgências dormindo.
Gosto de recuperar sorrisos e descobrir ângulos.
Gosto de voar por cima.
Gosto do que mora nas pequenas coisas.
Gosto do que é cheio de sentido..."
(Renata Carneiro)

NAQUELE MESMO BANCO

"Todos os dias ele sentava no mesmo banco,
pensando que o acontecia ali era verão.
a certeza habitava cada centimetro de coração.
o que ele não sabia, era que o olho dele
seguia sempre para a mesma direção.
e que ali, era sempre outono.
mas um dia, naquele mesmo banco,
seus olhos piscaram diferente.
e ele olhou em outra direção.
e descobriu que depois de cada outono,
sim, o que acontecia era verão..."
(Renata Carneiro)

A PRÓXIMA CASA DO JOGO

"Sempre fui de rompantes.
De me apaixonar e pegar um avião,
um trem, uma balsa, qualquer coisa
para ver a pessoa lá na Conchinchina.
Sem medo, sem expectativas,
só para viver momentos em tons de vermelho.
O coração acelera, o corpo aquece,
o sangue corre ligeiro.
Quero sempre descobrir o que há por trás das palavras.
Dificilmente paquero na noite, é preciso conversar,
pelo menos alguns minutos.
Um mínimo de estímulo intelectual.
Os grandes amores e amantes começaram assim comigo.
E do mesmo jeito que chegam, vão embora.
Sofro, me rasgo, me desespero.
Subo, desço, dou mil rodadas, me descontrolo,
adoeço, encho a cara. E esqueço.
Passo para a próxima casa do jogo."
(Vanessa Campos)

BOA HORA

"Anda o teu andar sem pressa
chega, boa hora é essa
entra, puxa essa cadeira
tem a tarde inteira
quase que eu perdi o medo
deixa de guardar segredo
deita, espera amanhecer
sabe como deve ser
traz de volta a claridade
arde um sopro de saudade
senta, deixa de bobeira
a vida é tão ligeira
a promessa que eu fiz foi diferente
pois na volta parece que é mais perto
não há jeito melhor que jeito certo
quem quer sombra é melhor jogar semente
quando for dar um passo olhe pra frente
saiba bem do caminho da largada
e não vá se perder com tanta estrada
não se pode esquecer do objetivo
não há laço maior que o afetivo
nem amparo melhor que a madrugada."
(Alessandra Leão)

PARA SEMPRE

"Eu gostava e acordar em cada dia
e ter a minha mãe ao meu lado.
E o meu pai. E a minha avó.
E todas as pessoas de que eu gosto.
Mas alguns já se foram embora.
Para sempre. E isso deixa-me confuso.
Porque para sempre é muito tempo.
Eu consigo perceber o que é uma hora.
Percebo dez minutos. Percebo dez segundos
que é uma medida de tempo
que uma pessoa começa a dizer e já passou.
E percebo um dia ou uma semana.
Mas para sempre é tão difícil de perceber…
Um dia, o meu pai foi-se embora para sempre.
E eu esqueci-me de lhe dizer uma coisa.
Nem sei bem que coisa era.
Só sei que esta coisa que eu queria dizer
ficou-me entalada na garganta para sempre."
(José Fanha)

PRESENTE

"Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.
Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu."

(Ary dos Santos)

EU NÃO SOU UMA ESTRELA

"Somos aquilo que ninguém vê. O que corre por dentro,
nos recônditos profundos de nossa alma, talvez,
nem a gente mesmo consiga ter acesso.
Tenho atravessado todos os dias da minha vida me repetindo.
Os mesmos erros. Os mesmos vícios. As mesmas inseguranças.
A mesma fraqueza de sempre.
E alguns poucos acertos no que concerne à trivialidades.
Metaforicamente, poderia dizer que não sou uma estrela,
não sou nem mesmo uma partícula de uma estrela.
Talvez, eu seja uma ínfima, a menor parte de uma partícula
qualquer que vagueia perdida pelo espaço.
Não, não trata-se de um lamento.
Não são lamúrias que escrevo aqui. Confesso-me apenas.
Dia após dia, visito esse mundo paralelo,
essa absurda realidade virtual que permite-me desnudar
o que nem eu mesma conheço, e encontro-me comigo mesma.
As palavras de hoje querem sair apressadas,
acontecimentos fizeram-me enxergar um pouco mais de mim,
e nesse encontro, descubro
que o meu desejo reside em nada querer. Em nada ser.
Ser nada nem coisa nenhuma. Não ser, não estar,
não fazer parte, absolutamente não existir.
Não tomo rumo, não me aprumo, não tomo tenência,
sou sem controle, sou perturbadora de mim mesma,
eu me canso de quem sou e nada além do "não ser" me acalma.
Eu penso que cada partícula de vida sente dor para existir.
Eu, sou uma partícula marginal. Não me acomodo.
Não tomo assento, quero pairar feito pluma para lá e para cá,
e com isso, sou errante. Sou o desajuste.
Não, eu não falo de cotidiano. Não falo da boa moça que sou
na realidade ou irrealidade do dia a dia.
Na minha exterioridade eu sou até feliz.
É o quê todos pensam, inclusive eu.
Quem me atormenta é a outra que eu sou, por dentro, trancada.
Insegura, insaciável, dona de todas as verdades,
ciumenta de toda a atenção, uma fera indomável
que só não sai fazendo maiores estragos por aí
porquê eu a trancafio à sete chaves de mil segredos.
Ela não tem por onde fugir, mas grita, blasfema,
canta canções profanas, e dia e noite desafia-me à um duelo.
Não posso soltá-la sob pena de ver meu castelo ruir.
Com isso, torno-me a insignificância. O desequilíbio,
o ser que não sabe calar suas inquietações, que não cresce,
não evolui e nada merece.
Ponto, vírgula, sem dó nem piedade.
Não, o caso não é de piedade. O caso é de condenação.
Eu mesma me julgo, me condeno, me carrego e me castigo.
Antes, porém, do derradeiro fim,
com a rebeldia típica dos culpados, dos desajustados,
dos ingratos, dos infiéis, dos Homens de pouca fé ,
brado aos céus de todas as cores:
-Por que, raios, Ó Senhor de todos os Céus,
me fizeste nascer assim, tão imperfeita?"
(Be Lins)

O MELHOR DE NÓS DOIS

"Tudo o que não germina em chão, germina em vôo.
O pedaço de mim, melhor pedaço de mim,
quando cai no solo sagrado,
e encontra o melhor pedaço de ti,
transforma nossos corações, em um coração só.
É lá que está o melhor de nós dois.
Quando se planta Amor, não há razão pra perguntas.
Somos os dois a plantar,
haveremos de colher até o improvável..."
(Be Lins)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

ESSE ESTRANHO IDIOMA

"Poderia te falar das noites não dormidas
Em que a saudade ampara-me os olhos
Talvez devesse te dizer da sombra das palavras
Essas que se abrigam atônitas em meus dedos
Encarcerando as verdades que tanto nego
Quem sabe fosse preferível confessar
As vertigens que oculto entre as paredes
Quando é apenas teu nome pronunciado
Por quem sequer te sabe em mim.
Sim, falo-te desse ritual a que cede meu corpo
Antecedendo tua chegada, ainda que apenas memória
Porque continuo a te inventar em minha solidão
Indiferente aos letreiros de néon que estampam avisos
Denunciando a distância que meus olhos vendam
Como se a ausência ofuscasse as marcas delineadas
Deixadas pela ternura de apenas me desejares.
Talvez devesse te contar da calma que forjo
Quando me acorre a lembrança da tua voz
E num sorriso casual e frio, apago os tremores
E sei-me vil, ardil e dissimulada
Imolando as carícias que ajoelhadas pedem-me por ti
Suplicando alguma clemência, quiçá piedade
Mas não me movo, apática, finjo não entender
Letárgica, consumo-me entre a dor e o desamparo
Consumada pelo silêncio que me deste como caminho
Esse estranho idioma que ensinaste meus lábios a ler..."
(Fernanda Guimarães)

RECORTES

"O espelho partiu-se e quando me vejo assim,
São só pedaços, dispersos e modificados.
Um ser recortado ante meu olhar de espanto,
Alienígena invasor mirando do outro lado.
Suas dezenas de faces de muitas bocas e olhos
Trazendo angústia aos meus sentidos.
Escorrego as mãos pela nudez de meu corpo
E encontro-me inteira, intacta, completa...
Por alguns instantes pensei ter-me quebrado
Restando apenas facetas de mim..."
(Helena Frontini)

AMORES VIRTUAIS

"Não brinque com amores virtuais
Eles são como todos os amores,
Provocam as mesmas mágoas, as mesmas dores
Daqueles que chamamos de normais.

Estes porém machucam ainda mais,
Pois nunca se dividem os cobertores,
Dos beijos não se provam os sabores,
Nem vão-se pelos ímpetos carnais.

Mesmo assim, quando este amor se acaba
Os dias perdem o brilho, a alegria.
Parece que ao redor tudo desaba.

E a solidão ao cúmulo se revela;
Chorar-se um frágil amor que só se havia,
Na fina transparência de uma tela."

(Jenário de Fátima)

SOBRE TUA FACE MUITO AMADA...

"Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados
pela canção das colheitas
Cheguemos antes que os pássaros
nos disputem os frutos,
Antes que os insetos se alimentem
das folhas entreabertas.
Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar
a alegria do solo agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.
Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar
das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar
sobre tua face muito amada..."
(Adalgisa Nery)

TUDO PARECIA IGUAL...

"Certas manhãs trazem uma luz diferente.
Um ar de primavera, um pássaro que entrou
por uma fresta do telhado,
e anda às voltas na escada,
uma voz que se ouve, num eco,
e não se sabe o que diz.
A manhã irá passar,
como todas as manhãs que nasceram,
trazendo uma luz diferente;
mas a primavera que ela anuncia
colou-se ao rosto com quem nos cruzamos;
o canto do pássaro meteu-se na cabeça,
como se ele voasse por dentro da memória;
e o eco que ouvi ganhou uma voz na tua boca,
quando te encontrei e me disseste
que havia uma luz diferente,
nesta manhã em que tudo parecia igual."
(Nuno Júdice)

O DOMINGO ERA UMA COISA PEQUENA

"O domingo era uma coisa pequena.
Uma coisa tão pequena
que cabia inteirinha nos teus olhos.
Nas tuas mãos estavam os montes
e os rios e as nuvens.
Mas as rosas,
as rosas estavam na tua boca.
Hoje os montes e os rios
e as nuvens não vêm nas tuas mãos.
-Se ao menos elas viessem
sem montes e sem nuvens e sem rios ...-
O domingo está apenas nos meus olhos
e é grande.
Os montes estão distantes e ocultam
os rios e as nuvens
e as rosas..."
(Eugénio de Andrade)

DRAMATURGIA

"Alguém joga xadrez com minha vida,
alguém me borda do avesso,
alguém maneja os cordéis.
Alguém me inventa e desinventa como quer:
talvez seja esta a minha condição.
Alguém dirige o teatro de sombras
no qual fui ré sentenciada.
Finjo entender de tudo:
ando de um lado e outro,
faço gestos com a mão,
cuspo as sementes do fruto
entalado na garganta como um grito:
Alguém aí pode me ouvir?
Ninguém reage,
ninguém tenta aplaudir:
nesse reino todos usam disfarces,
menos a solidão."
(Lya Luft)

ONDE GUARDAR O OLHAR

"A diferença se encontra no lugar
onde os olhos são guardados.
Se os olhos estão na caixa de ferramentas,
eles são apenas ferramentas
que usamos por sua função prática.
Com eles vemos objetos, sinais luminosos,
nomes de ruas e ajustamos a nossa ação.
O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário.
Mas é muito pobre. Os olhos não gozam...
Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos,
eles se transformam em órgãos de prazer:
brincam com o que vêem,
olham pelo prazer de olhar,
querem fazer amor com o mundo…"
(Rubem Alves)

CANÇÃO DO AMOR SERENO

"Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua, e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.
Quero que o meu amor te faça livre,
Que meus dedos não te prendam
Mas contornem teu raro perfil
Como lábios tocam um anel sagrado.
Quero que o meu amor te seja enfeite
E conforto, porto de partida para a fundação
Do teu reino, em que a sombra
Seja abrigo e ilha.
Quero que o meu amor te seja leve
Como se dançasse numa praia uma menina."
(Lya Luft)

RESPIRANDO A VIDA

"Respiro as boas novas de um dia
Que me vem com cheiro
De paz e recomeço.
Consagro meu melhor
Sentimento com esperança
Brilhando no olhar
Acreditando que nuvens escuras
Se dissiparão, mostrando
A soberania de um sol pleno
Em alegria.
Respiro a vontade de viver
Com a leveza de um Ser mais
Sereno, consciente do poder
De um gesto amigo, um sorriso
E um desejo de felicidade
Absoluta dentro do coração."
(Cida Luz)

EU QUIS SER TUA PAZ

"Eu quis tanto ser a tua paz,
quis tanto que você fosse o meu encontro.
Quis tanto dar, tanto receber.
Quis precisar, sem exigências.
E sem solicitações, aceitar o que me era dado.
Sem ir além, compreende?
Não queria pedir mais do que você tinha,
assim como eu não daria mais do que dispunha,
por limitação humana.
Mas o que tinha, era seu."
(Caio Fernando Abreu)

POEMA CONCRETO

"O que tu tens e queres saber
-porque te dói- não tem nome.
Só tem (mas vazio) o lugar
que abriu em tua vida
a sua própria falta.
A dor que te dói pelo avesso,
perdida nos teus escuros,
é como alguém que come
não o pão, mas a fome.
Sofres de não saber
o que tens e falta
num lugar que nem sabes,
mas que é tua vida,
quem sabe é teu amor.
O que tu tens, não tens."
(Thiago de Mello)

AS APAGADAS CINZAS DA MINHA ALMA

"Até agora eu não me conhecia.
Julgava que era Eu e eu não era
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era Eu não o sabia
E, mesmo que o soubesse, o não dissera...
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim... e não me via!
Andava a procurar-me -Pobre louca!-
E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
E esta ânsia de viver, que nada acalma,
É a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!"
(Florbela Espanca)

AVOZ ÍNTIMA DA NOSTALGIA

"Reconheço a voz íntima da nostalgia
Enquanto o pensamento percorre
Os corredores das lembranças
Em mim, a noite perdida
O grito aprisionado no olhar
O desvanecer de tanta ternura
Dissipando-se no imperecível
Diluindo-se no abstrato
No horizonte o olhar fixo
Buscando-te onde não me alcanças
Um arder de emoções
Cala-se em meus lábios
Em mim o pulsar do teu coração
E este amor despido num rito de solidão
Um princípio de lágrimas
Beija-me a face que não tocaste
Depois, o silêncio, os sonhos, a imensidão
E o debruçar dos meus olhares
No caminho onde a saudade
É somente a tua ausência..."
(Fernanda Guimarães)

HÁ DIAS MESMO ASSIM...

"Há dias em que a gente acorda
com uma estranha vontade de achar
as cousas belas
os homens bons
o mundo direito...
Nem bem damos ao Sol o bom dia escancarado
das janelas,
e percebemos já que há festa em nossos olhos
e o coração que bate, é uma canção no peito!
Que alegria há maior que essa, a de abrirmos
as janelas ao ar, ao dia, à luz,
e deixarmos que o Sol barulhento e abelhudo
se atire sobre tudo
numa infantil algazarra,
cantando nos cristais, nos vidros, nas arestas,
como uma cigarra?!
Há dias em que a gente acorda assim,
com esse otimismo e essa vontade louca
de trazer um sorriso cantando na boca,
e abrir ao ar, ao Sol
o próprio coração...
Nesses dias a gente parece criança
-tem desejos doidos de ser ave no espaço!-
e a um estranho qualquer
que cruze o nosso passo sem a menor razão,
daremos de bom grado o nosso braço
ou estenderemos a mão!
Nesses dias parece
que as árvores se enchem de novas melodias,
de odres novas e de folhas novas
e há mais frutos nos ramos,
-nesses dias parece que a tudo o que vemos
e a tudo o que não vemos nós amamos !
Acordamos com essa vontade estranha
de achar que tudo é belo,
tudo é bom, que a Vida é boa!
-de atirar para o céu as torres de um castelo
e andar o dia inteiro nesse mesmo tom
cantarolando à toa!
Nesses dias,
não sei se será assim com toda a gente
no instante em que escancaro
aos céus minha janela
penso que é nesse dia, justamente,
que eu vou estar com Ela..
-há dias mesmo assim
em que o mundo é melhor !
e em que a Vida é mais bela!"
(J.G. de Araujo Jorge)

A RAIVA DE TER VISTO

"Tambem eu saio à revelia
e procuro uma síntese nas demoras ...
cato obsessões com fria têmpera
e digo do coração: não soube
e digo da palavra: não digo
-não posso ainda acreditar na vida-
e demito o verso como quem acena
e vivo como quem despede
a raiva de ter visto."
(Ana Cristina Cesar)

SOU MAIS DE DETALHES...

"Eu escrevo teu nome nessas pedras,
que vou jogando por onde passo.
No fundo, espero que você me siga,
mas não tenho coragem de pedir.
Aí, tem gente que vem, sem nem ser chamado,
sem nem se importar
com o fato do nome escrito ali, ser outro.
As pessoas não ligam pr´essas pequenezas, sabe?
Eu ligo. Ligo pra tudo.
Sou mais de detalhes, que do todo. Sempre fui.
O fato é que fico olhando pra trás
pra ver se você tá vindo
e já tropecei umas quantas vezes.
Esses dias mais.
Isso porque não sinto teu cheiro no ar,
não ouço o teu riso passeando pelas horas.
E sinto falta. E sinto um quase-medo.
Embora, não tenha a menor idéia de quê.
Sabe quando você pressente o monstro no escuro,
mesmo sem poder vê-lo? É assim.
Não sei se você entende, não sei se alguém entende
e, realmente, não me importo.
Não me importo mais com um monte de coisas.
Dos benefícios do tempo.
Hoje, parei e sentei bem aqui
na beira desse rio que me atravessa.
Só pra te pensar bem forte
e te fazer sentir amor do lado de lá.
Sim, porque você ainda não atravessou a ponte,
bem sei. Mas, ando me sentindo fraca e cansada.
Tenho andado demais, jogado pedras demais,
esperado demais e você não me alcança.
Talvez, seja melhor mergulhar
e afogar os pensamentos.
Espero que você consiga chegar a tempo
e salvar os mais bonitos."
(Briza Mulatinho)

QUANDO VOCÊ VIER...

"Quando você vier haverá o encontro
da sua busca com a minha espera.
E o seu abraço será a moldura do meu corpo.
E a minha boca o pretexto
para o seu mais demorado beijo.
E a gente vai brincar de se desmaterializar
dentro da música, de desatar auroras.
E eu vou inventar uma madrugada eterna
pra quando você tiver que ir embora no dia seguinte.
E você vai inventar um domingo
que vai durar pra sempre
porque tenho preguiça das segundas-feiras.
E a gente vai rir dessa maldade da demora do tempo
pra fazer essa brincadeira de desencontro:
Quase nos deixou descrentes...
A gente vai rir dessa maldade porque o nosso amor
será a coisa mais bonitinha do mundo..."
(Marla de Queiroz)

LOUCAS INVENÇÕES NOTURNAS

"Dentro de mim guardo sempre teu rosto
e sei que por escolha ou fatalidade,
não importa, estamos tão enredados
que seria impossível recuar
para não ir até o fim
e o fundo disso que nunca vivi antes
e talvez tenha inventado
apenas para me distrair
nesses dias onde aparentemente nada acontece
e tenha inventado quem sabe em ti
um brinquedo semelhante ao meu
para que não passem tão desertas
as manhãs e as tardes
buscando motivos para os sustos
e as insônias
e as inúteis esperas ardentes
e loucas invenções noturnas."
(Caio Fernando de Abreu)

SEM QUERER PENSAR EM MIM...

"Hoje acordei com ares de melancolia
faz um sol lindo lá fora
e aqui dentro esta tudo nublado,
com ares de dias chuvosos
aliás, tem chovido muito por aqui, na alma.
Ando cansada de tanta busca
de não ter respostas para minhas perguntas
de me sentir tão sozinha
...deste silêncio
que às vezes grita alto
queria apenas poder parar um pouco
me sentar à sombra daquela árvore
e apenas sentir a brisa no rosto...
pousar o coração na grama verde
e apenas sentir suas batidas tranquilas
sem esta aflição na alma
ou este desassossego...
Hoje acordei assim...
sem querer saber de vc
sem querer pensar em mim..."
(Ana Paula Abreu)

O MAIOR PROBLEMA DOS DESEJOS

"Esse é o maior problema dos desejos,
eles não aceitam não como resposta.
Você só coloca um ponto final nele
se for até o fim.
Para matar um desejo
é preciso viver,
nem que depois você morra
junto com ele."
(Caio Fernando de Abreu)

ENTRE O SIM E O NÃO

"Porque entre o sim e o não é só um sopro,
entre o bom e o mau apenas um pensamento,
entre a vida e a morte
só um leve sacudir de panos
-e a poeira do tempo,
com todo o tempo que eu perdi,
tudo recobre,
tudo apaga,
tudo torna tão simples
e tão indiferente."
(Lya Luft)

EU PRECISO APRENDER A SER MENOS

"Eu preciso aprender a ser menos.
Menos dramática.
Menos intensa.
Menos exagerada.
Alguém já desejou isso na vida: ser menos?
Pois é. Estranho. Mas eu preciso.
Nesse minuto, nesse segundo,
por favor, me bloqueie o coração,
me cale o pensamento,
me dê uma droga forte para tranquilizar a alma.
Porque eu preciso. E preciso muito.
Eu preciso diminuir o ritmo, abaixar o volume,
andar na velocidade permitida,
não atropelar quem chega,
não tropeçar em mim mesma.
Eu preciso respirar.
Me aperte o pause, me deixe em stand by,
eu não dou conta do meu coração que quer muito.
Eu preciso desatar o nó.
Eu preciso sentir menos, sonhar menos,
amar menos, sofrer menos ainda.
Aonde está a placa de PARE
bem no meio da minha frase?
Confesso: eu não consigo.
Nada em mim pára, nada em mim é morno, nada é pouco,
não existe sinal vermelho
no meu caminho que se abre e me chama.
E eu vou...
Com o coração na mochila,
o lápis borrado, o sorriso e a dúvida,
a coragem e o medo, mas vou...
Não digo: -estou indo-,
não digo: -daqui a pouco-,
nada tem hora a não ser agora.
Existe aí algum remedinho para não-sentir?
Existe alguma terapia, acupuntura, pedras,
cores e aromas para me calar a alma
e deixar mudo o pensamento?
Quer saber? Existe.
Existe e eu preciso.
Preciso e não quero."
(Fernanda Mello)

ME DIGA LOGO

"Ou me quer e vem,
ou não me quer e não vem.
Mas que me diga logo
pra que eu possa desocupar o coração.
Avisei que não dou mais
nenhum sinal de vida.
E não darei.
Não é mais possível.
Não vou me alimentar de ilusões.
Prefiro reconhecer
com o máximo de tranqüilidade possível
que estou só do que ficar
a mercê de visitas adiadas,
encontros transferidos..."
(Caio Fernando de Abreu)

O VENTO ANDA FICANDO MENTIROSO

"O vento anda ficando mentiroso.
Prometeu trazer você, não trouxe.
Ficou de dizer o porquê, não disse.
Esperou que eu me distraísse,
passou depressa, rumo ao horizonte.
Já não tem importância
que cometa outra vez,
um ato de inconstância..
Aprendi a esperar...
Se ventos são capazes de levar embora,
a qualquer hora, também,
são capazes de fazer voltar..."
(Flora Figueiredo)

ENTRE A PROMESSA E O SONHO

"Há entre a promessa e o sonho,
um amanhecer azulado de lírio,
um cheiro morno de colo,
um suspiro de espera.
Há entre nossas vidas
um laço de vida nenhuma
que se ata além do apreensível.
Há entre mim e ti um tanto de espaço
que se dobra e nos junta
como se reordenasse todas as coisas.
E então eu adivinho teu sorriso
e tu intuis o meu olhar.
Eu pressinto teus lábios
e tu imaginas meu corpo.
Eu sonho teu gosto
e tu prevês minha entrega.
Há entre o delírio e o real,
um tanto de nós que já existe,
agora."
(Ticcia)

PELO DIA CERTO...

"Do que era
nem sobrou traço
resquício
lembrança
qualquer promessa
O que foi vício
tempestade arrasadora
vendaval desgovernado
perdeu-se no caminho escuro
das muitas esperas
pelo dia certo..."
(Lilian Dalledone)

NÃO SEI DIZER DA DOR...

"Não sei dizer da dor
-que em ti é bela-
Nem do pranto
-que em ti é encanto-.
Mas sei
-quando te leio-,
morrer ao pé de cada letra
meus olhos experimentam
um pouco...
Um tanto."
(Florbela Espanca)

SE POR ACASO...

"Se por acaso
a gente se cruzasse
ia ser um caso sério
você ia rir até amanhecer
eu ia ir até acontecer
de dia um improviso
de noite uma farra
a gente ia viver
com garra
eu ia tirar de ouvido
todos os sentidos
ia ser tão divertido
tocar um solo em dueto
ia ser um riso
ia ser um gozo
ia ser todo dia
a mesma folia
até deixar de ser poesia
e virar tédio
e nem o meu melhor vestido
era remédio
daí vá ficando por aí
eu vou ficando por aqui
evitando
desviando
sempre pensando
se por acaso
a gente se cruzasse..."
(Alice Ruiz)

AINDA CONSIGO CANTAR...

"Quis teu beijo no meu olho
quis meu olho no teu olho
quis beber tuas palavras mágicas
ouvir tuas histórias únicas
contar as minhas
quis subir a serra ouvindo Beatles
descer a ladeira de sapato na mão
quem sabe um dia andar de trem
rir solto de piadas sem graça
discutir problemas e filosofia
trocar os poetas mais queridos
quis caminhar muda ao teu lado
ver ondas batendo nas pedras
quis que me lambesse as cicatrizes
lamber as lágrimas da tua dor
quis tomar um porre de vinho
brigar e fazer as pazes
quis deitar contigo num lençol de seda
e ver tua mão no meu corpo
ter minha mão no teu
seda com seda
quis cantar pra ti, te ouvir cantar,
cantar junto
ouvir tuas tristezas e incertezas
te mostrar minha estrela predileta
ouvir jazz num dia de chuva
língua explorando língua
quis andar num jardim sob palmeiras
falar de crianças, de comidas, de família
de sonhos, de desejos,
verdades e fantasias
quis deitar na grama
e adivinhar o desenho das nuvens
estar lado a lado,
cada um lendo seu livro
trocar de livros,
trocar opiniões, discordar
quis comer cachorro-quente na madrugada
tomar café com pão de queijo
botar mercúrio no machucado
quis cinema domingo à tarde
feira de cacarecos, forró rasgado
coxa entre coxa
ver surgir um beijo na dança
quis que me afagasse os medos
quis afagar teus segredos
me orgulhar de teus escritos
te mostrar os meus
acordar assustada de madrugada
e te ter ao lado pra me aninhar
quis tão pouco, quis tão tudo
não deu pé
não deu samba
não deu jeito
não deu tempo
quando um não quer, o outro...
fiquei querendo...
mas tudo bem:
ainda consigo cantar..."
(Isabella Benício)

DEBAIXO DE MINHA CAMA...

"Debaixo de minha mesa
tem sempre um cão faminto
-que me alimenta a tristeza.
Debaixo de minha cama
tem sempre um fantasma vivo
-que perturba quem me ama.
Debaixo de minha pele
alguém me olha esquisito
-pensando que eu sou ele.
Debaixo de minha escrita
há sangue em lugar de tinta
-e alguém calado que grita."
(Affonso Romano de SantAnna)

ALGO QUE FICOU PARA TRÁS...

"Nunca soube o que fazer
com os espaços que ficam
depois que alguém vai embora
uma dúvida insiste
e de tanto, o meu tentar desiste
de trocar a ausência
por qualquer coisa que fira menos:
nada para repor
nada para suprir
nada que realmente comportasse
o encanto de algo
que ficou para trás..."
(Cáh Morandi)

TATEANDO NO ESCURO DOS DIAS

"E nada me convence do contrario...
das palavras ditas,
deixadas no canto
perdidas no tempo...
que não voltam mais
E nada me traz de volta
aquele sentimento não vivido
devastador!
marcador, feito ferro quente
E nada arranca do peito
a dor daquele vazio
que se aprofunda...
se alastra feito ferida
que não quer curar
...e eu, como fico?
Com o nada, com o tudo
comigo mesma por companhia
Tateando no escuro dos dias
em busca de algum ponto de luz
que me traga de volta a superfície."
(Ana Paula Abreu)

PORQUE ASSIM QUE ÉS...

"Então me vens
e me chega
e me invades
e me tomas
e me pedes
e me perdes
e te derramas sobre mim
com teus olhos sempre fugitivos
e abres a boca
para libertar novas histórias
...e outra vez me completo assim,
sem urgências,
e me concentro inteiro
nas coisas que me contas,
e assim calado,
e assim submisso,
te mastigo dentro de mim
enquanto me apunhalas
com lenta delicadeza
deixando claro em cada promessa
que jamais será cumprida,
que nada devo esperar
além dessa máscara colorida,
que me queres assim
porque assim que és..."
(Caio Fernando de Abreu)

EU ME SENTIRIA FELIZ...

"Eu me sentiria feliz se,
pelo menos uma vez
eu tivesse quieto no meu canto,
parado,e você me procurasse,
sem que eu tivesse que mover um dedo,
nem sequer esboçar um sorriso.
Eu me sentiria muito feliz,se
ao cair da tarde,
encontrasse seu coração
entrando no meu silêncio,
devassando minha solidão,
desprezando minha timidez,
sem sequer mudar nada em mim.
Eu me sentiria irremediavelmente feliz,
se eu tivesse me dado conta
de pelo menos uma,
das tantas vezes em que isso aconteceu,
não só com você,
mas com tanta gente que eu quis..."
(Roberto Shinyashiki)

DÁ-ME UM COLO...

"Dá-me um lugar
onde possa reclinar a cabeça
um colo onde possa adormecer
e te saiba por perto.
Dá-me mãos inteiras de chuva
os lírios
que a manhã me trouxe aos olhos
uma única razão para o dilúvio.
E eu dar-te-ei um verso
do tamanho de uma casa..."
(José Rui Teixeira)

ESTA COISA QUE NOS FICA...

"Linda esta coisa que nos fica,
Que finca raízes em nossa alma,
Esta coisa que é vida,
Vida da arte!
Este alento, este grande prazer,
Esta alegria, sublime e renovada,
Nos belos e eternos versos do nosso."
(Fernando Pessoa)

EU NUNCA VOU ENTENDER...

"Eu nunca vou entender.
Eu nunca vou saber porque a vida é assim.
Eu nunca vou entender porque a gente
continua voltando pra casa
querendo ser de alguém,
ainda que a gente esteja
um ao lado do outro.
Eu nunca vou entender porque você
é exatamente o que eu quero,
eu sou exatamente o que você quer,
mas as nossas exatidões
não funcionam numa conta de mais."
(Tati Bernardi)*

ESTOU DE MUDANÇA...

"Fiz as malas
estou de mudança...
pra algum lugar
Levo na bagagem os sonhos,
desejos contidos,
lembrança de alguns amores,
doces momentos e todo o sentimento
A certeza de chegar...
Encaixotei as dores,
lacrei antigos amores
e possíveis paixões
Deixo pra trás a inconstância
as incertezas
Vou sozinha...
...só me falta descobrir
em qual caixa ficou
a coragem pra partir..."
(Ana Paula de Abreu)

TRÊS LÁGRIMAS...

"Derramei três lágrimas:
a primeira escorreu pela face
e perdeu-se na boca;
a segunda morreu achatada
contra o assoalho;
a terceira caiu
na tua mão...
E foi a que mais doeu..."
(Caio Fernando Abreu)

À TONA DOS MEUS DIAS...

"Emudecida, ante a nudez da alma
que o corpo espelha,
sigo os meus olhos
na busca de cada movimento,
ou arquejo do peito
sigo o ouvido
atenta ao sussurro e ao suspiro
sigo a minha boca
em busca do sal de cada maré viva
que sobe à orla do desejo
sigo as minhas mãos
que em cada esquina do teu corpo
reencontram o tempo
que um dia foi de todos os sentidos
que de novo emergem
à tona dos meus dias..."
(Angela Santos)

SECRETA MIRANDA

"O sonho na prateleira
me olha com seu ar de boneco quebrado.
Passo diante dele muitas vezes
e sorrimos um para o outro,
cúmplices de nossos desastres cotidianos.
Mas quando o pego no colo
-como às bonecas tão antigamente-
para avaliar se tem conserto
ou se ficará para sempre como está,
sinto sem estranheza
que dentro dele ainda bate
um pequeno tambor obstinado
e marca - timidamente -
um doce ritmo nos meus passos.
(Lya Luft)

O DIA E A MANHÃ...

"O dia tem cheiro de flor recém colhida
quando chegas de mansinho
para regar meus sentidos,
tem o sabor da maçã
doce como teus beijos
que arrepiam minha pele canela."
....................................
"As manhãs tem o aroma da tua cor,
dos teus sonhos, do teu sabor,
jeito de café fresco, quentinho
de pão, aconchego e carinho
e assim vai-se o dia
que nos leva ao encontro casual
e burrifa de água perfumada e vadia
tua macieira florida e sensual..."
(Ana Paula Abreu/Regis Caserta)

LUGAR

"Ama-me como quem chega
a um lugar que não conhece,
E devagar o explora
E lentamente nele se perde,
E surpreso de prazer e espanto
Sente do lugar o encanto
E o assombro da descoberta.
Depois ama-me como quem sabe
do lugar todos os caminhos,
E neles se apressa
e neles se precipita,
E num recanto pára
E num recanto fica,
Pacificado,
Sabendo aquele o seu lugar..."
(Encandescente)

EU SABIA QUE VOCÊ NÃO VIRIA...

"Eu sabia que você não viria
E usei o tempo para me enfeitar
Preguei flores no cabelo
Dancei em frente ao espelho
Apenas pra te esperar
Rosea, linda e sorridente
Com estrelas no olhar
Me embrulhei toda pra presente
E me pus toda contente
Contar as horas pra você voltar..."
(Victtoria Rossini)

EU ESTOU AQUI...

"Deixa eu te guardar, a casa é sua
Faz em mim teu lar, me reconstrua
Queira me habitar onde eu me escondo
Faz deste lugar só seu no mundo
Eu quero ser onde você sossega a alma
Que chora e ri e encontra a calma
pra sonhar, sem dormir
Vem acender as luzes
que iluminam o meu coração
Vem ter comigo sua parte da amplidão
De minha parte eu estou aqui..."
(Chico Cezar)

VEM!

"Vem, que eu canto pra você as nossas chuva
porque entendo esse nosso pacto com o vento.
Se nossos corações palpitarem em outras curvas
e a gente se for, é porque ainda nos nutrimos
das possibilidades de outros caminhos.
-Mas, vem, que minha proposta
é de um perpétuo movimento:
deste que nos faz vivos, confusos,
certeiros, intensos, inteiros.-
Eu entendo essa roupa feita de jornadas.
Eu entendo essa alma impulsionada pela eterna busca.
Mas quando teu corpo inteiro
só precisar de um aconchego,
te faço uma cama entre os meus seios
só pra você me contar sobre o fim do tempo da espera.
-Vem! Pra nos anteciparmos todas estas primaveras.-"
(Marla de Queiroz)

NO AMOR, NÃO.

"Uns aprendem a nadar
outros a dançar, tocar piano,
fazer tricô e a esperar.
Na infância cai-se para aprender a andar.
Cai-se do cavalo e do emprego,
aprendendo a cavalgar.
Em alguns aprendizados
chega-se à perfeição.
Em alguns...
No amor, não."
(Affonso Romano de Sant’Anna)

DEVOLVE...

"Devolve toda a tranqüilidade
Toda a felicidade
Que eu te dei e que perdi
Devolve todos os sonhos loucos
Que eu construí aos poucos
E te ofereci
Devolve, eu peço, por favor
Aquele imenso amor
Que nos teus braços esqueci
Devolve, que eu te devolvo ainda
Esta saudade infinda
Que eu tenho de ti..."
(Mário Lago)

EU QUERO AS RETICÊNCIAS...

"Procuro algo além do canto:
eu quero a letra.
Procuro algo além do beijo:
eu quero a alma.
Não me bastam as mãos,
eu quero o enlace,
não me acalmam os olhares,
eu preciso das palavras,
preciso das palavras-flecha
inflamadas com amor.
É constante essa vontade de mais,
porque tudo aqui dentro é tão grande
e carece de se preencher,
ou porque tudo aqui dentro é tão pequeno
e deseja crescer mil vezes mais
-fica a dúvida enquanto não faço
ultrasom da minha alma-.
-Entenda que o silêncio
me cala apenas os lábios -
os pensamentos continuam fervilhando,
pedintes, feito crianças em recreio.
Não que eu queira o infinito,
não me ouso a tanto.
Eu só não busco medidas,
não desejo em porções, não quero o ponto.
Prefiro, num sorriso aberto
e peito tranquilo, as reticências..."
(Camilla L.)

CANÇÃO PARA UM DESENCONTRO

"Deixa-me errar alguma vez,
porque também sou isso:
incerta e dura,
e ansiosa de não te perder agora
que entrevejo um horizonte.
Deixa-me errar e me compreende
porque se faço mal é por querer-te
desta maneira tola, e tonta,
eternamente recomeçando a cada dia
como num descobrimento
dos teus territórios de carne e sonho,
dos teus desvãos de música ou vôo,
teus sótãos e porões
e dessa escadaria de tua alma.
Deixa-me errar mas não me soltes
para que eu não me perca
deste tênue fio de alegria
dos sustos do amor que se repetem
enquanto houver entre nós essa magia..."
(Lya Luft)

QUEM ROUBOU O MEU COLAR DE SONHOS?

"Quem roubou as minhas cores?
O meu colar de pérolas de sonhos?
E as vestes de ilusão que vestia?
Quem me roubou os momentos
Em que rainha eu era de um mundo só meu?
Hoje vagueio andrajosa,
As vestes em farrapos,
Descalça de caminhos.
Procurando entre lixo e cacos
O meu colar de sonhos,
As minhas vestes de ilusão,
E os momentos em que entre cores e magia
De um mundo só meu eu era rainha.
Quem roubou o meu colar de sonhos?"
(Encandescente)

TU QUE NUNCA SERÁS...

"Sábado foi caprichoso o beijo dado,
Capricho de varão, audaz e fino
Mas foi doce o capricho masculino
A este meu coração, lobinho alado.
Não é que creia, não creio,
Se inclinado sobre minhas mãos
te senti divino e me embriaguei,
Compreendo que este vinho não é para mim,
Mas jogo e roda o dado...
Eu sou a mulher que vive alerta,
Tu o tremendo varão que se desperta
E é uma torrente que se desvanece no rio
E mais se encrespa enquanto corre e poda.
Ah, resisto, mas me tens toda,
Tu, que nunca serás de todo meu..."
(Alfonsina Storni)

A DOR DA SAUDADE...

"Vai amado.
Busca por onde quiseres,
com quem quiseres,
como quiseres, o prazer.
Até mesmo,aquele prazer
que um dia alguém apelidou de amor.
E,se por acaso te cansares
e, do compromisso que um dia
nos uniu te lembrares,
se desejares, volta.
Serei a que conforta.
Não saberás da dor, da saudade,
das lágrimas sentidas
que tua ausência causou..."
(Ada Ciocci)

A CAMINHO DA FESTA...

"Vou pela rua solitário,
miserável em minha tristeza,
como um vagabundo friorento
e sem dormida...
Tinha vontade que me encontrasse,
para te dizer: afinal, sem ti,
eis o que resta da minha vida,
eis de mim tudo que resta...
E a noite segue ao meu lado,
feliz, indiferente
como uma adolescente
de vestido de baile
a caminho da festa..."
(J. G. de Araujo Jorge)

NO DESEQUILÍBRIO DAS MARÉS...

"No desequilíbrio das mares,
as proas giram sozinhas…
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.
Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto
Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.
Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.
E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim."
(Cecília Meireles)

EM FRENTE ÀS MADRUGADAS DO AMOR

"Se todo o ser
ao vento abandonamos
E sem medo, nem dó nos destruímos,
Se morremos em tudo o que sentimos
E podemos cantar,
é porque estamos nus
em sangue, embalando a própria dor
Em frente às madrugadas do amor.
Quando a manhã brilhar,
refloriremos
E a alma possuirá
esse esplendor prometido
nas formas que perdemos..."
(Sophia de Mello Breyner Andresen)

À CURVA DO MEU PEITO...

"Só tu sabes os segredos
mais íntimos de mim
e conheces os medos,
mistérios e enredos
que do princípio ao fim
me percorrem os dias..
Mas também as alegrias
que partilho contigo
todas, uma por uma,
sem que subsista o perigo
de te esconder alguma..
Só tu sabes como sou,
embora imperfeito,
alguém que se moldou
à curva do teu peito..."
(Torquato da Luz)

CADA PEDAÇO DE MIM...

"Cada pedaço de mim
sabe o inferno que é
ser sol em noites de chuva,
ser cor nos cinzas dos edifícios,
ser luz na escuridão das manhãs.
Cada todo de ti
sabe a delícia que é
ser flor nas asas do vento,
ser cristal nos olhos das fadas,
ser azul no fundo do mar.
Cada suspiro de nós
sabe a angústia que é
ser só um na multidão dos dias,
ser muito na pobreza da esquina,
ser ninguém na roda da vida.
Enquanto isso os relógios se vão,
e vêem aqueles que sabem
o que é apenas ser
na ausência do nada."
(Clarice Lispector)

SOU DE OUTRAS COISAS...

"Sou de outras coisas
pertenço ao tempo que há de vir sem ser futuro
e sou amante da profunda liberdade
sou parte inteira de uma vida vagabunda
sou evadido da tristeza e da ansiedade
Sou doutras coisas
fiz o meu barco com guitarras e com folhas
e com o vento fiz a vela que me leva
sou pescador de coisas belas, de emoções
sou a maré que sempre sobe e não sossega
Sou das pessoas que me querem e que eu amo
vivo com elas por saber quanto lhes quero
a minha casa é uma ilha é uma pedra
que me entregaram num abraço tão sincero
Sou doutras coisas
sou de pensar que a grandeza está no homem
porque é o homem o mais lindo continente
tanto me faz que a terra seja longa ou curta
tranco-me aqui por ser humano e por ser gente
Sou doutras coisas
sou de entender a dor alheia que é a minha
sou de quem parte com a mágoa de quem fica
mas também sou de querer sonhar o novo dia..."
(Fernando Tordo)

SEMPRE PRESENTE...

"Que importa se a distância estende
entre nós léguas e léguas
Que importa se existe
entre nós muitas montanhas?
O mesmo céu nos cobre
E a mesma terra liga nossos pés.
No céu e na terra
é tua carne que palpita
Em tudo eu sinto
o teu olhar se desdobrando
Na carícia violenta do teu beijo.
Que importa a distância
e que importa a montanha
Se tu és a extensão da carne
Sempre presente?"
(Carlos Drummond de Andrade)

UM CONTRATO COM DEUS

"Eu me descubro ainda mais feliz
a cada pedaço seu e de tudo o que é seu.
Às vezes você é tão bobo
e me faz sentir tão boba,
que eu tenho pena de como o mundo era bobo
antes da gente se conhecer.
Eu queria assinar um contrato com Deus:
se eu nunca mais olhar para homem nenhum no mundo,
será que ele deixa você ficar comigo pra sempre?
Eu descobri que tentar não ser ingênua
é a nossa maior ingenuidade,
eu descobri que ser inteira não me dá medo
porque ser inteira já é ser muito corajosa,
eu descobri que vale a pena ficar três horas
te olhando sentada num sofá
mesmo que o dia esteja explodindo lá fora.
E quando já não sei mais o que sentir por você,
eu respiro fundo perto da sua nuca,
e começo a querer coisas
que eu nem sabia que existiam..."
(Tati Bernardi)

ONDE A PALAVRA NÃO CABE...

"Onde a palavra não cabe
fica o cheiro doce do silêncio
que enlaça o segundo de hesitação.
Eu tento articular a frase esperada
mas olho os olhos do espelho
e suspiro.
Nunca estou farta
mas às vezes espero novos sinais
pra saber que é a hora.
E estoco pensamentos doces
na tentativa de não enlouquecer.
Eu calo, paro, espero, fico
mas não durmo nunca no caminho.
Sozinha..."
(Lilian Dalledone)

DE UM MODO OU DE OUTRO...

"Estou atrás
do que fica atrás do pensamento.
Inútil querer me classificar:
eu simplesmente escapulo.
Gênero não me pega mais.
Além do mais, a vida é curta demais
para eu ler todo o grosso dicionário
a fim de por acaso
descobrir a palavra salvadora.
Entender é sempre limitado.
As coisas não precisam mais fazer sentido.
Não quero ter a terrível limitação
de quem vive apenas
do que é possível fazer sentido.
Eu não: quero é uma verdade inventada.
Porque no fundo
a gente está querendo desabrochar
de um modo ou de outro..."
(Clarice Lispector)

QUANDO SE VIU PELA PRIMEIRA VEZ..

"E eu tenho vontade de segurar seu rosto
e ordenar que você seja esperto
e jamais me perca e seja feliz.
E que entenda que temos tudo
o que duas pessoas precisam para serem felizes:
A gente dá muitas risadas juntos.
A gente admira o outro desde o dedinho do pé
até onde cada um chegou sozinho.
A gente acha que o mundo está maluco
e sonha com sonhos jamais despertados
antes do meio-dia.
A gente tem certeza de que nenhum perfume do mundo
é melhor do que a nuca do outro no final do dia.
A gente se reconheceu de longa data
quando se viu pela primeira vez na vida..."
(Tati Bernardi)

NO FINAL DE TODO DIA...

"Escondida de mim mesma
visto as asas da libélula
e finjo que sei bailar.
Misturada a outras tantas
tintas de outras cores
cheiros de outras flores
canções que eu não sei cantar,
rodopio leve e lépida
entre um suspiro e um arquejo.
Travestida ou camuflada?
Vestida ou fantasiada?
Mentira séria ou inventada?
Eu não sei, mas não faz mal...
Melhor do que a fantasia
é poder despir-se dela
no final de todo dia..."
(Lilian Dalledone)

sábado, 8 de maio de 2010

O CAMINHO DA VIDA

"O caminho da vida pode ser
o da liberdade e da beleza,
porém nos extraviamos.
A cobiça envenou a alma dos homens...
Levantou no mundo as muralhas do ódios...
E tem-nos feito marchar a passo de ganso
para a miséria e morticínios.
Criamos a época da velocidade,
mas nos sentimos enclausurados dentro dela.
A máquina, que produz abundância,
tem-nos deixado em penúria.
Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos;
nossa inteligência, empedernidos e cruéis.
Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.
Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade.
Mais do que de inteligência,
precisamos de afeição e doçura.
Sem essas virtudes, a vida será de violência
e tudo será perdido..."
(Charles Chaplin)

TUDO EM MIM ERA TEU...

"Sinto a falta do teu toque
Sinto a falta do perfume do teu corpo
O calor que me destruia todas as resistências
O olhar com que eu te despia
Enquanto o meu sorriso malicioso
Brincava pelo rosto
Foram noites de entrega...
Entre loucuras e promessas,
só nós dois existiamos
Um dia perdi-te e perdi a razão
Sem ti sinto frio
Tornei-me amargo...
sem capacidade ou vontade de voltar a amar
Ainda te procuro no silêncio das noites
em que recuso chorar
Sinal que ainda estás presente
Tento sonhar-te e não te encontro
Desespero por manter a memória de tudo
que para mim representas-te...
De cada expressão, do sorriso, do olhar...
de tudo que aprendi contigo
Fizeste-me sentir a felicidade
e a loucura de te perder
Ainda te chamo, ainda te procuro...
Mas já não voltas..."
(João Paulo Lisboa)

O SILÊNCIO DAS MARÉS

"Com os olhos colados no silêncio
Vagueio pela memória do tempo
Sem os abrir...
Declino-me nos pensamentos faceis de digerir
Os outros meto-os no baú
Para que o tempo os mastigue
Com os olhos colados no silêncio
Deslizo pelo mar procurando que ele me ensine
A afogar o sal que me corrói a pele
Acalmando-a como acalma as suas marés
Com os olhos colados no silêncio
Toco de leve na tua face
Que continua tão presente em mim
E sinto as palavras saltitantes
Nos teus lábios em silêncio
Quanto aos meus olhos...
eles vagueiam á altura das ondas...
Sigo esse silêncio...
Até o mar me responder..."
(João Paulo Lisboa)

PENSAMENTOS QUE NÃO PENSAM NADA

"Não se trata do silêncio,
mas de qualquer coisa que não é da ordem
nem da ausência nem do “branco psíquico”,
qualquer coisa que quereria falar e não pode.
Qualquer coisa que passa entre a fala e o silêncio
e é o murmúrio do corpo que compõe
o seu sentido irradiante.
Não o seu contexto,
mas aquilo que toda a fala produz
sobre as camadas não-verbais corporais ou psíquicas,
ressonâncias sensações, afetos
e movimentos de pensamento que não pensam nada."
(Marcela Marin)

MELHOR ASSIM...

"Talvez eu não fosse este homem
se ao chegar numa esquina da vida
tivesse dobrado para o outro lado.
Não sei se o caminho que fiz
foi o melhor, o menos árduo.
Não sei que outro homem seria
se fossem outras as ruas,
outras as pessoas,
fossem outros os bares e igrejas
em que rocei meu corpo e minha alma.
Mas eu prefiro assim,
esse um e não outro.
Prefiro assim,
essas marcas
e esse andar um pouco penso.
Prefiro estas mãos ansiosas
que estalam por si mesmas,
essa miopia de infância,
esse joelho inseguro.
Eu prefiro essa história
feita de encruzilhadas
em que me encontro
a cada vez atônito
e só..."
(Ronaldo Monte)

ENTRE MARGENS

"A tua presença exalta-se.
Espero, silenciosa, quieta, que me recordes.
Não sei há quanto tempo foi,
nem como os sentimentos se ajeitaram na distância.
O silêncio foi jorrado no vazio.
O vazio percorre, ladeado pelas margens,
numa torrente que permanece sozinho.
As palavras estranharam-se,
e os gestos transposeram fronteiras inatingíveis.
Não sei por que mares navegaste
ou em que orlas te deitaste.
Apenas tenho presente os teus braços e amarros.
A ternura que emanavas
construiu-se castelo no meu coraçao.
O ardor que outrora sentia,
os afagos que outrora me libertavam são agora prisão.
Neste ser que não me dá espaço, que me dilacera...
que me corrói espero a sombra, o sol,
espero a tua vinda.
Neste escombro me reconheço,
me perco e me revejo nesse espeljo
que apenas o reflexo do teu olhar pode concretizar."
(Maria João Marques)

...E DE NOVO, SEMPRE DE NOVO

"E de novo a armadilha dos abraços.
E de novo o enredo das delícias.
O rouco da garganta, os pés descalços
a pele alucinada de carícias.
As preces, os segredos, as risadas
no altar esplendoroso das ofertas.
De novo beijo a beijo as madrugadas
de novo seio a seio as descobertas.
Alcandorada no teu corpo imenso
teço um colar de gritos e silêncios
a ecoar no som dos precipícios.
E tudo o que me dás eu te devolvo.
E fazemos de novo, sempre novo
o amor total dos deuses e dos bichos."
(Rosa Lobato Faria)

UM SOPRO DO VOSSO ESPÍRITO

"E digo-vos que a vida é de facto obscuridade
exceto onde há arrebatamento,
E todo o arrebatamento é cego
exceto onde há saber,
E todo o saber é vão
exceto onde há trabalho
e todo o trabalho é vazio
exceto onde há amor.
E o que é trabalhar com amor?
É pôr em todas as coisas que fazeis
um sopro do vosso espírito."
(Khalil Gibran)

PROEMINÊNCIAS

"Enlevo o meu corpo.
Transformo-o em água e bebo-me.
Todo ele é forma e retrato.
Pinta-se e mascara-se.
Torna-se uno e simples.
Derrete e contrai-se.
Enconde-se e amadurece.
Fronteiras de outrora são esculpidas
em tragos saborosos de aventuras.
Esqueço.
Porque esquecer faz parte.
Fujo somente com o que posso.
Não sou muito.
Mas o meu corpo é tanto.
E está sedento..."
(Maria João Marques)

É URGENTE O AMOR

"É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor,
é urgente permanecer..."
(Eugénio de Andrade)

EM TODAS AS RUAS TE ENCONTRO

"Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco..."
(Mário Cesariny)

DE TRISTEZA OU DE SAUDADE...

"Há momentos meus. comigo mesma.
Sozinha...
Entre os meus sonhos e os meus passos.
Os meus sonhos são gente, os passos são emoções.
Ando sobre ervas trepadeiras,
debaixo de nuvens azuis muito densas.
Lágrimas de felicidade, às vezes,
mancham o extremos dos meus olhos
com pontinhas vermelhas, miudinhas.
São lágrimas doces, feitas de amor,
surpresa e ternura.
Um sentimento de protecção,
de saber que somos amados,
que temos o melhor do Mundo
e que não nos podemos queixar.
Sou uma sortuda...também faço por isso.
Não me dou à vida. Não me vendo.
Estabeleço-me. E nesses momentos meus.
Comigo mesma.
Cresço firme e íntegra
com a certeza de que nada poderia ser melhor.
E como todas as noites,
rezo ao meu Anjinho da Guarda para que no dia
a seguir tudo esteja pelo menos igual...
E que não seja necessário chorar de tristeza...
ou saudade..."
(Maria João Marques)

O DESESPERO DA PIEDADE

"Meu Senhor, tende piedade dos que andam de bonde
E sonham no longo percurso com automóveis, apartamentos...
Mas tende piedade também dos que andam de automóvel
Quantos enfrentam a cidade movediça de sonâmbulos, na direção.
Tende piedade das pequenas famílias suburbanas
E em particular dos adolescentes que se embebedam de domingos
Mas tende mais piedade ainda de dois elegantes que passam
E sem saber inventam a doutrina do pão e da guilhotina
Tende muita piedade do mocinho franzino, três cruzes, poeta
Que só tem de seu as costeletas e a namorada pequenina
Mas tende mais piedade ainda do impávido forte colosso do esporte
E que se encaminha lutando, remando, nadando para a morte.
Tende imensa piedade dos músicos de cafés e de casas de chá
Que são virtuoses da própria tristeza e solidão
Mas tende piedade também dos que buscam o silêncio
E súbito se abate sobre eles uma ária da Tosca.
Não esqueçais também em vossa piedade os pobres que enriqueceram
E para quem o suicídio ainda é a mais doce solução
Mas tende realmente piedade dos ricos que empobreceram
E tornam-se heróicos e à santa pobreza dão um ar de grandeza.
Tende infinita piedade dos vendedores de passarinhos
Quem em suas alminhas claras deixam a lágrima e a incompreensão
E tende piedade também, menor embora, dos vendedores de balcão
Que amam as freguesas e saem de noite, quem sabe onde vão...
Tende piedade dos barbeiros em geral, e dos cabeleireiros
Que se efeminam por profissão mas são humildes nas suas carícias
Mas tende maior piedade ainda dos que cortam o cabelo:
Que espera, que angústia, que indigno, meu Deus!
Tende piedade dos sapateiros e caixeiros de sapataria
Quem lembram madalenas arrependidas
pedindo piedade pelos sapatos
Mas lembrai-vos também dos que se calçam de novo
Nada pior que um sapato apertado, Senhor Deus.
Tende piedade dos homens úteis como os dentistas
Que sofrem de utilidade e vivem para fazer sofrer
Mas tente mais piedade dos veterinários
e práticos de farmácia
Que muito eles gostariam de ser médicos, Senhor.
Tende piedade dos homens públicos
e em particular dos políticos
Pela sua fala fácil, olhar brilhante
e segurança dos gestos de mão
Mas tende mais piedade ainda dos seus criados,
próximos e parentes
Fazei, Senhor, com que deles não saiam políticos também.
E no longo capítulo das mulheres, Senhor,
tenha piedade das mulheres
Castigai minha alma, mas tende piedade das mulheres
Enlouquecei meu espírito, mas tende piedade das mulheres
Ulcerai minha carne, mas tende piedade das mulheres!
Tende piedade da moça feia que serve na vida
De casa, comida e roupa lavada da moça bonita
Mas tende mais piedade ainda da moça bonita
Que o homem molesta
—que o homem não presta, não presta, meu Deus!
Tende piedade das moças pequenas das ruas transversais
Que de apoio na vida só têm Santa Janela da Consolação
E sonham exaltadas nos quartos humildes
Os olhos perdidos e o seio na mão.
Tende piedade da mulher no primeiro coito
Onde se cria a primeira alegria da Criação
E onde se consuma a tragédia dos anjos
E onde a morte encontra a vida em desintegração.
Tende piedade da mulher no instante do parto
Onde ela é como a água explodindo em convulsão
Onde ela é como a terra vomitando cólera
Onde ela é como a lua parindo desilusão.
Tende piedade das mulheres chamadas desquitadas
Porque nelas se refaz misteriosamente a virgindade
Mas tende piedade também das mulheres casadas
Que se sacrificam e se simplificam a troco de nada.
Tende piedade, Senhor, das mulheres chamadas vagabundas
Que são desgraçadas e são exploradas e são infecundas
Mas que vendem barato muito instante de esquecimento
E em paga o homem mata com a navalha, com o fogo, com o veneno.
Tende piedade, Senhor, das primeiras namoradas
De corpo hermético e coração patético
Que saem à rua felizes mas que sempre entram desgraçadas
Que se crêem vestidas mas que em verdade vivem nuas.
Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres
Que ninguém mais merece tanto amor e amizade
Que ninguém mais deseja tanto poesia e sinceridade
Que ninguém mais precisa tanto alegria e serenidade.
Tende infinita piedade delas, Senhor, que são puras
Que são crianças e são trágicas e são belas
Que caminham ao sopro dos ventos e que pecam
E que têm a única emoção da vida nelas.
Tende piedade delas, Senhor, que uma me disse
Ter piedade de si mesma e da sua louca mocidade
E outra, à simples emoção do amor piedoso
Delirava e se desfazia em gozos de amor de carne.
Tende piedade delas, Senhor, que dentro delas
A vida fere mais fundo e mais fecundo
E o sexo está nelas, e o mundo está nelas
E a loucura reside nesse mundo.
Tende piedade, Senhor, das santas mulheres
Dos meninos velhos, dos homens humilhados — sede enfim
Piedoso com todos, que tudo merece piedade
E se piedade vos sobrar, Senhor, tende piedade de mim!"
(Vinicius de Moraes)

O TEMPO PASSA?

"O tempo passa?
Não passa.
No abismo do coração
Lá dentro perdura a graça
Do amor, florindo em canção
O tempo nos aproxima
Cada vez mais, nos reduz
A um só verso e uma rima
De mãos e olhos, na luz
Não há tempo consumido
Nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
De amor e tempo de amar.
O meu tempo, e o teu, amada,
Transcendem qualquer medida.
Além do amor não há nada,
Amar é o sumo da vida.
São mitos de calendário
Tanto o ontem como o agora,
E o teu aniversário
É um nascer toda hora.
E nosso amor,que brotou
Do tempo, não tem idade,
Pois só quem ama escutou."
(Carlos Drummond de Andrade)

CANÇÃO DA TUA CHEGADA

"Este fogo, esta fonte,
Esta noite de insônia:
Teus panos na cama
Teus passos na casa
Tua voz ao meu lado.
Meu bem que viaja
Num mundo tão outro
E está no meu peito
E alumia estas dores
Me povoa, me coroa
Me leva na sua escuna,
Me define, me redime
Me inventa e desinventa
Que corre comigo
Que comigo deita
Comigo viaja
Na casa no vento
No fogo da fonte
No quarto que é o mundo."
(Lya Luft)

O AMOR...

"Quando o amor acenar,
siga-o ainda que por caminhos ásperos e íngremes.
E quando suas asas o envolverem,
renda-se a ele ainda que a lâmina escondida
sob suas asas possa feri-lo.
E quando ele falar a você,
acredite no que ele diz,
ainda que sua voz possa destroçar seus sonhos,
assim como o vento norte devasta o jardim.
Pois, se o amor o coroa, ele também o crucifica.
Se o ajuda a crescer, também o diminui.
Se o faz subir às alturas e acaricia
seus ramos mais tenros que tremem ao sol,
também o faz descer às raízes
e abala a sua ligação com a terra.
Como os feixes de trigo, ele o mantém íntegro.
Debulha-o até deixá-lo nu.
Transforma-o, livrando-o de sua palha.
Tritura-o, até torná-lo branco.
Amassa-o, até deixá-lo macio;
e então submete ao fogo para que se transforme em pão
no banquete sagrado de Deus.
Todas essas coisas pode o amor fazer
para que você conheça os segredos do seu coração,
e com esse conhecimento se torne
um fragmento do coração da Vida..."
(Khalil Gibran)

NÃO ERA AMOR...

"Se não era amor, era da mesma família.
Pois sobrou,
o que sobra dos corações abandonados.
A carência. A saudade. A mágoa.
Um quase desespero,
uma espécie de avião em queda
que a gente sabe que vai se estabilizar,
só não se sabe se vai ser antes ou depois
de se chocar contra o solo.
Eu bati a 200 km por hora
e estou voltando á pé pra casa, avariado.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez.
Era uma diversão, uma paixonite,
um jogo entre adultos.
Talvez este seja o ponto.
Talvez eu não seja adulto o suficiente
para brincar tão longe do meu pátio,
do meu quarto, dos meus carrinhos.
Onde é que eu estava com a cabeça,
de acreditar em contos de fada,
de achar que a gente muda o que sente,
e que bastaria apertar um botão
que as luzes apagariam
e eu voltaria a minha vida satisfatória,
sem sequelas, sem registro de ocorrência?
Eu não amei aquela mulher.
Tenho certeza que não.
Eu amei a mim mesmo,
naquela verdade inventada.
Não era amor,
era uma sorte, era uma travessura.
Não era amor,
eram dois travesseiros.
Não era amor,
eram dois celulares desligados.
Não era amor,
era de tarde, era inverno.
Não era amor,
era sem medo.
Não era amor...
era melhor.."
(Martha Medeiros)

A ARTE DE SER FELIZ

"Acorde todas as manhãs com um sorriso.
Esta é mais uma oportunidade
que você tem para ser feliz.
Seja seu próprio motor de ignição.
O dia de hoje jamais voltará.
Não o desperdice,
pois você nasceu para ser feliz!
Enumere as boas coisas que você tem na vida.
Ao tomar consciência do seu valor,
você será capaz de ir em frente com muita força,
coragem e confiança!
Trace objetivos para cada dia.
Você conquistará seu arco-íris,
um dia de cada vez.
Seja paciente...
Não se queixe do seu trabalho,
do tédio, da rotina,
pois é o seu trabalho que o mantém alerta,
em constante desenvolvimento pessoal e profissional,
além disso o ajuda a manter a dignidade.
Acredite, seu valor está em você mesmo.
Não se deixe vencer,
não seja igual, seja diferente.
Se nos deixarmos vencer,
não haverá surpresas, nem alegrias...
Conscientize-se que a verdadeira felicidade
está dentro de você.
A felicidade não é ter ou alcançar,
mas sim dar.
Estenda sua mão.
Compartilhe. Sorria. Abrace.
A felicidade é um perfume que você
não passa nos outros sem que o cheiro
fique um pouco em suas mãos.
O importante de você ter uma atitude
positiva diante da vida,
ter o desejo de mostrar o que tem de melhor,
é que isso produz maravilhosos efeitos colaterais.
Não só cria um espaço feliz
para os que estão ao seu redor,
como também encoraja outras pessoas
a serem mais positivas.
O tempo para ser feliz é agora.
O lugar para ser feliz é aqui!"
(Roberto Shinyashiky)

O PRAZER É SILENCIOSO

"Ao contrário da idéia assente
A palavra não é criadora de um mundo;
O homem fala como o cão ladra
Para exprimir raiva, ou medo.
O prazer é silencioso,
Tal como o é o estado de felicidade..."
(Michel Houellebecq)

PEQUENAS FELICIDADES CERTAS

"Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde
e, em silêncio, ia atirando com a mão
umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual,
para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem,
para as gotas de água que caíam de seus dedos magros
e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas,
como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta. Às vezes um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela,
uns dizem que as coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas,
e outros, finalmente,
que é preciso aprender a olhar, para vê-las assim..."
(Cecília Meireles)

PUNHAL DE PRATA

"Punhal de prata já eras,
punhal de prata!
Nem foste tu que fizeste
a minha mão insensata.
Vi-te brilhar entre as pedras,
punhal de prata!
-No cabo, flores abertas,
a gume, a medida exata,
exata, a medida certa,
punhal de prata,
para atravessar-me o peito
com uma letra e uma data.
A maior pena que eu tenho,
punhal de prata,
não é de me ver morrendo,
mas de saber quem me mata.
Inscrição na areia
O meu amor não tem
importância nenhuma.
Não tem o peso nem
de uma rosa de espuma!
Desfolha-se por quem?
Para quem se perfuma?
O meu amor não tem
importância nenhuma..."
(Cecília Meireles)

DESALENTO

"Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu chorei,
Que eu morri de arrependimento
Que o meu desalento
Já não tem mais fim
Vai e diz, diz assim
Como sou infeliz
No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim
Diz que eu estive por pouco
Diz a ela
Que estou louco pra perdoar
Que seja lá como for
Por amor,por favor
É pra ela voltar
Sim, vai e diz
Diz assim
Que eu rodei, que eu bebi
Que eu caí, que eu não sei
Que eu só sei que cansei, enfim
Dos meus desencontros
Corre e diz a ela
Que eu entrego os pontos..."
(Chico Buarque/Vinícius de Morais)

SAUDADE...

"Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já...
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido..."
(Pablo Neruda)

RECORDAÇÃO

"Agora, o cheiro áspero das flores
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.
Eram assim teus cabelos;
tuas pestanas eram assim, finas e curvas.
As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,
tinham a mesma exalação de água secreta,
de talos molhados, de pólen,
de sepulcro e de ressurreição.
E as borboletas sem voz
dançavam assim veludosamente.
Restituiu-te na minha memória,
por dentro das flores!
Deixa virem teus olhos, como besouros de ônix,
tua boca de malmequer orvalhado,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha
-e incompreensíveis, incompreensíveis..."
(Cecília Meireiles)

É PRECISO NÃO ESQUECER NADA

"É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer
de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz,
o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer
é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser
como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco,
pois o resto não nos pertence..."
(Cecília Meireles)

TÔ FELIZ...

"Porque todo mundo precisa
querer se suicidar uma vez ao dia?
Todo santo dia
Queria dizer tanta coisa hoje, com muita vontade,
mas está sendo um pouco estranho até difícil.
Algumas coisas estão mudando aqui dentro,
não como eu queria que tivesse sido, mas vá lá...
Já me aceito como sou, estou aprendendo,
acho q é a idade e olha que nem é tanta assim !
É uma sensação boa, que me leva pra dentro,
uma calmaria que emociona
O tempo passou e tudo ficou como estava,
ou como deveria ser.
Ou como dava pra ser, no momento.
E consigo ouvir música novamente.
A mesma trilha sonora que um dia me atraiu
à beira de um precipício,
mas o vento nunca soprou forte o suficiente
para que eu perdesse o equilíbrio.
Embora eu não visse a hora de pular..."
(Vanessa M.)

NÃO ME FALES DO TEMPO

"Não me perguntes do tempo.
Este que me escapa por entre os dedos
que foge levando o sabor da fruta doce
que se desmancha como nuvens em sonhos.
Não me fales do tempo.
A espera dos novos dias me assusta,
me parte em pedaços, faz de mim espuma.
Esqueças do tempo.
Ele é tudo o que foge
e o que deixa de ser sendo..."
(Vanessa M.)

terça-feira, 4 de maio de 2010

A CURIOSIDADE NÃO MATA

"É tão longo e sinuoso esse caminho.
Não procuro atalho, sigo buscando completá-lo
com tudo que realmente o da beleza suficiente,
não para dizer que é mais belo que o dos outros,
mas para que aqueles olhares curiosos
sintam vontade de fazer o seu próprio caminho,
para que o cuide e faça o melhor possível!
Ah, o objetivo...
Tão simples: chegar no horizonte de um fim
e admirar todas as paisagens
que fizeram parte dessa longa estrada,
saber que não importa o quão longa ela é,
nem quantas barreiras tive que transpor,
mas que cheguei com o mesmo sorriso que começei,
talvez um pouco cansado, porém satisfeito.
Afinal, todo começo tem um fim;
o que tem no meio dessas duas pontas?
A curiosidade não mata, enriquece..."
(Murilo Girotto)

SIGO SEM MEDO

"Jamais tive medo de fazer as minhas escolhas,
jamais tive medo de errar, sei que por um tempo,
é posso dizer que por um curto tempo
poderei até quem sabe chorar...
Mas e daí eu também não tenho medo de chorar,
jamais tive...
Então sei que tudo passa tudo se cura,
até as piores feridas...
Seguirei meu caminho em busca dos meus ideais,
quebrando a minha cara, consertando os meus erros,
mas sigo em frente, sem olhar pra trás.
As lembranças virão
então fecharei os meus olhos e só irei sentir pena,
mas não por mim e sim por você.
Que não foi capaz de enxergar o óbvio.
Porque mesmo com todos os erros que cometi,
todos eles foram pra você perceber o quanto te quis,
mas você não deu valor, não esteve nem aí,
mas não ficarei aqui esperando algo incerto,
decidi que não quero mais te ver,
não quero mais saber de você,
que você seja tão feliz quanto eu serei,
mas você vai sentir falta que eu sei,
em algum momento que eu lhe vier na memória
a saudade vai bater,
mas a mim você jamais terá novamente..."
(Fernanda Chamas)

MEU ROTEIRO DE VIDA

"Sigo a vida conforme o roteiro,
sou quase normal por fora,
Pode acreditar!
Mas por dentro , sou fogo que arde !
Não quero uma vida fútil ,
um amor pequeno, um alegria curta!
Eu quero mais que isso...
Quero o que não vejo.
Quero o que não entendo.
Quero muito e quero sem fim.
Não cresci pra viver mais ou menos,
nasci com dois pares de asas,
vou aonde eu me levar.
Por isso,
não me venha com superfícies,
nada raso me satisfaz.
Eu quero é o mergulho.
Entrar de roupa e tudo
no infinito que é a vida.
E rezar – se ainda acreditar –
pra sair ainda bem melhor
do outro lado de lá..."
(Fernanda Mello)

VERSO FRATURADO

"Encontrei um verso fraturado,
caído na esquina da rua do lado,
Tinha se perdido de um coração saudoso
que passava por ali, desiludido.
Coloquei-o de pé, emendei seus pedaços,
refiz suas linhas, retoquei seus traços.
Afaguei suas dores como se fossem minhas.
Agora, novamente estruturado,
espero que ele não olhe para trás
e não misture sonhos
com amargas falências do passado;
que saiba enfeitar a estrela lá na frente
com fartos laços de rima colorida,
pois é para o futuro que caminham
todos os passos apressados desta vida..."
(Flora Figueiredo)

segunda-feira, 3 de maio de 2010

DAS VARANDAS DA NOSSA ALMA

"Nossas asas não são tão precárias
que tenhamos de voar junto ao chão
ou apenas arrastar nosso peso.
Nem somos tão covardes que não possamos
botar a cabeça fora do casulo e espiar:
quem sabe no tempo do qual fugimos
nos aguarde, querendo ser colhido,
algo chamado futuro, confiança, projeto, vida.
Ainda que a gente nem perceba,
tudo é avanço e transformação,
acúmulo de experiência,
dores do parto de nós mesmos, cada dia refeito.
Somos melhores do que imaginamos ser.
Que no espelho posto à nossa frente na hora de nascer
a gente no fim tenha projetado mais do que um vazio,
um nada, uma frustração: um rosto pleno,
talvez toda uma paisagem
vista das varandas da nossa alma..."
(Lya Luft)

domingo, 2 de maio de 2010

CASA SUSPEITA

"Talvez eu quisesse ser teu lado mais bonito
a parte da tua história mais repleta, plena
a coisa certa
de uma forma tão serena, tão doce
mas que ao mesmo tempo fosse
selvagem e obscena, violenta até.
Que o ódio está sempre contido na paixão
e se eu tenho uma paz toda que me enfeita
trago uma casa suspeita dentro do coração...
Trago um crime que cometi ou que vou cometer
e jogo contra mim, jogo contra você
vivo do perigo de te fazer enlouquecer
no eterno dilema de ser e não ser
ando na beira do que pode acontecer
e morro de medo de te perder..."
(Bruna Lombardi)

MINHA ÚLTIMA CARTA PARA VOCÊ

"Eu sempre sonhei com um grande amor
alguém pra ficar ao meu lado,
ser meu amigo e companheiro...
o tempo passou, pensei que era você
mas isso só me fez sofrer
porque tudo era apenas ilusão.
Então eu resolvi acordar para a vida
eu não sou obrigada a me sacrificar
por alguém que não me quer...
tenho que ser mais forte,
Eu sei que nunca fomos de fato namorados
e tão pouco amigos de verdade,
nossa relação se restringiu a papel e caneta
eu escrevia o que sentia e te entregava, sem medo,
porque do amor eu não posso ter medo.
Hoje parece que por falta de atitude
talvez das duas partes, posso sim
dizer a verdade e que tudo aquilo
que eu sentia antes por você
não era verdadeiro pois acabou, foi finito.
Já em você eu não sei o que se passa
só sei que você leu o que eu sentia
e não me deu crédito e isso me fez cansar sabe,
eu sempre pensei que quando a gente ama
a gente cuida do que é nosso
mas eu tentei cuidar de você e descobri
que você nunca foi meu
assim como eu nunca fui sua.
É triste admitir que a pessoa que a gente ama
não nos corresponde...
Por incrível que pareça eu quero te agradecer
por esse humilde desprezo, isso me fez crescer.
O interessante é que eu não guardo mágoa,
muito menos estou triste por isso
você me ensinou muito mais
do que os conceitos da biologia,
você me ensinou o que eu precisava aprender
mesmo sem ter mencionado uma só palavra.
É incrível mas você me libertou
daquilo que me prendia a você
é por isso que resolvi escrever essa carta
hoje pra te agradescer e dizer
que continuo gostando de você,
mas agora de uma maneira diferente
agora eu não te amo mais!"
(Pollyana da Nóbrega Mendes)