domingo, 15 de novembro de 2009

DESTE LADO DO ESPELHO

"Deste lado do espelho pouca coisa há.
Mas alguma coisa se há-de arranjar, por pouco que seja.
Um sorriso, um afago, uma luz qualquer, talvez difusa.
Deste lado do espelho as flores
dançam e o mar agita-se, levemente.
Deste lado do espelho há um abrigo,
um caminho novo por trilhar,
uma vida inteira para inventar.
Deste lado do espelho há uma verdade que não magoa,
antes ilumina, como a mão traquila
que conduz uma criança ao outro lado da vida.
Deste lado do espelho há a bonomia dos dias perdidos
e a nostalgia das noites por haver.
Há um espanto original ante a diversidade das coisas
e do que nelas e por elas se pensa,
se vive, se sente, se imagina, apenas.
Deste lado do espelho há uma travessia renovada,
um corpo agitado à procura do silêncio primordial
que apazigua o seu inexorável desassossego.
Deste lado do espelho há uma espiral de cores e de sons,
de palavras e de traços incertos,
artisticamente redimidos na firmeza do instante.
Deste lado do espelho fica aquilo que tu procuras,
mas não sabes definir.
O palpitar doce e suave do coração,
a claridade licorosa dos olhos
e a abertura amigável que o sorriso rasga,
renova e oferece.
Deste lado do espelho há crianças
que brincam nos jardins da imaginação,
mulheres que aprenderam a doar
e homens que se arrependem
da irracionalidade intempestiva dos seus medos.
Deste lado do espelho há uma brisa que te acaricia a face
como um beijo improvável numa noite fria.
Uma lua que se derrama num céu de estrelas
e a paleta ainda intacta do pintor desconhecido.
Deste lado do espelho há um sonho ancestral
que ficou por cumprir.
Uma mão aberta à ternura
que passa e se demora e aprende a ficar.
Deste lado do espelho está aquilo que somos
e nos ajudaram a esquecer em falsos trejeitos de memória.
Deste lado do espelho há fragilidades de infância
que desabrocham em peitos desencantados.
Deste lado do espelho há um caminho, um sonho, uma vida.
E a certeza do tempo reencontrado..."
(J.C.T.P.)

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