"Não te importes amor
se tivermos a alma em desalinho.
Amanhã cortaremos as sombras do quintal
sem acreditar que as sombras devam ser sombrias.
Mas é reconfortante acreditar na língua,
e na sabedoria popular
e em tudo o que nos torna cúmplices.
Não te importes se for outono.
Nunca pensaremos que as coisas declinam
porque nos amamos,
conjugaremos todas as estações com este amor,
pagaremos os impostos
-agora é mais fácil com o multibanco-,
escreverás cartas
e algumas deixarás de escrever
porque as penas do edredão são leves
e não é saudável resistir ao amor.
Não te importes se estivermos ocupados
com pequenas coisas.
És tão belo
a limpar a louça como a dizer um poema,
a arrumar os papéis
ou a desabotoar-me o vestido.
Pão nosso nos dai hoje
a torradeira amanhã bem cedo,
o forno quente, a manteiga a escorrer,
a tua mão a segurar a chávena
e todas as coisas que nos fazem sorrir
só porque nos amamos
e o sabemos por hoje
e pelo tempo que virá,
porque resistimos à burocracia
e ao cansaço,
porque aprendemos a olhar o rio
a ver como é diferente quando o dia nasce,
quando a noite cai,
quando uma chuva miúda torna a terra fértil
e cheira a estrume,
a merda de alcatrão lavado.
Não te importes amor se hoje te amo tanto.
Amanhã tens mais uma sílaba
e é com ela que te conjugo
entre os lençóis..."
(Rosa Alice Branco)
sexta-feira, 29 de janeiro de 2010
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