quarta-feira, 22 de outubro de 2008

NA CONTRA-MÃO

"Não sou mulher de minutos
Daquelas que os segundos varrem
Para debaixo do tapete sujo...
Não pinto os cabelos de fogo
Nem faço tatuagem no umbigo.
Me recuso a usar corpetes e cinta-liga.
Há sementes em meu ventre
São palavras que ainda não reguei
Prefiro guardá-las em silêncio
Até que o tempo amadureça meus minutos
E a vida me contemple com seus frutos...
Não borro meus cílios na solidão da noite
Nem pinto meu rosto com a palidez das manhãs
Meu corpo é feito de marés
Onde navegam mil anseios
Veleiros sem direção
Estou sempre na contramão..."
(Monica Mantone)

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

SINTO VERGONHA DE MIM...

"Sinto vergonha de mim…
por ter sido educador de parte desse povo,
ter batalhado sempre pela justiça,
por compactuar com a honestidade,
por primar pela verdade
e por ver este povo já chamado varonil
enveredar pelo caminho da desonra.
Sinto vergonha de mim...
por ter feito parte de uma era
que lutou pela democracia,
pela liberdade de ser
e ter que entregar aos meus filhos,
simples e abominavelmente,
a derrota das virtudes pelos vícios,
a ausência da sensatez no julgamento da verdade,
a negligência com a família, célula-mater da sociedade,
a demasiada preocupação
com o “eu” feliz a qualquer custo,
buscando a tal “felicidade”em caminhos
eivados de desrespeito para com o seu próximo.
Tenho vergonha de mim...
pela passividade em ouvir,
sem despejar meu verbo,
a tantas desculpas ditadas pelo orgulho e vaidade,
a tanta falta de humildade
para reconhecer um erro cometido,
a tantos “floreios” para justificar atos criminosos,
a tanta relutância em esquecer a antiga posição
de sempre “contestar”,
voltar atrás e mudar o futuro.
Tenho vergonha de mim...
pois faço parte de um povo que não reconheço,
enveredando por caminhos que não quero percorrer…
Tenho vergonha da minha impotência,
da minha falta de garra,
das minhas desilusões e do meu cansaço.
Não tenho para onde ir
pois amo este meu chão,vibro ao ouvir meu Hino
e jamais usei a minha Bandeira
para enxugar o meu suor ou enrolar meu corpo
na pecaminosa manifestação de nacionalidade.
Ao lado da vergonha de mim,
tenho tanta pena de ti, povo brasileiro !
” De tanto ver triunfar as nulidades,
de tanto ver prosperar a desonra,
de tanto ver crescer a injustiça,
de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus,
o homem chega a desanimar da virtude,
a rir-se da honra,
a ter vergonha de ser honesto “."
(Rui Barbosa)

terça-feira, 7 de outubro de 2008

O PESO DA MINHA ALMA...

"Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso
da solidão no meio de outros..."
(Clarice Lispector)

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO

"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda...
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam -os delicados- morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação..."
(Carlos Drumond de Andrade)

PAIXÃO...

"Paixão ...
É o delírio de quem se entrega
É rebentação que carrega
É a raiz de onde brota a loucura
Paixão ...
É luz negra que ofusca e cega
É mar que se teme e se navega
É ânsia sublime de aventura
Paixão ...
É o abismo de quem se apega
É a bendita flor que o mal rega
É o reverso que tem toda jura
Paixão ...
É a surpresa que a gente não nega
É o destino de quem não sossega
É o mistério entre a espera e a procura..."
(Paulo Cesar Pinheiro)

DESPEDIDA

"Eu falei pra gente cuidar do amor
Não separar os sonhos
nem banalizar a dor...
Avisei mil vezes mil
para além das luzes caminharmos
em veredas azuis
Mas vc não me ouviu...
Eu que tive tanto sentimento
Aguento a partida em silêncio
falta-me o verbo subjuntivo
Abstraio enquanto choro.
Não importa mais...
agora a diferença faz toda diferença...
Só tenho uma palavra:
Valeu!"
(Lúcia Gönczy)

ESPERO POR TI...

"Espero por ti como quem espera a chuva
mesmo antes de cair...
Sabe quando sente o cheiro da terra?
Aquela que anuncia...
E'assim que te espero.
Espero por ti como a lua que se esvai triste
por ser apenas a sombra do sol...
Espero por ti como algo inominável...
Como quem nada espera
Assim que tu venhas aportar nas minhas asas
Meio borboleta, meio beija-flor
Espero por ti como lenda,
Como amor,
Como não sei mais o quê
Inda que tudo finde...
Espero por ti..."
(Lúcia Gonczy)

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

AUSÊNCIA...

"Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa
de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa
como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe
o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter
porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada...
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei...
tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado...
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas...
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz perenizada..."
(Martha Medeiros)