sábado, 27 de fevereiro de 2010

NÃO TENTES ME SEGUIR

"E não tentes me seguir,
pois o meu destino é incerto...
Eu caminho sem rumo!
Não há lugar que me aprisione,
não há sentimento que me absorva,
não há máscara que me esconda.
Eu estou, porque ser é estático demais.
Eu faço, porque só falar não basta.
Eu vou, porque ficar já não me interessa.
E não tentes me seguir,
pois o meu caminho é incerto...
meu destino sem rumo!"
(Jel S.)

SOU UMA PESSOA MAIS VELHA...

"Constantemente criticam as pessoas mais velhas
Por não se adaptarem ao mundo moderno.
Não fomos nós que eliminamos:
A melodia da música,
O talento e a engenhosidade das criações artísticas,
A boa voz na hora de cantar,
O orgulho por nossa aparência exterior,
A cortesia ao dirigir,
O romance nas relações amorosas,
O compromisso do casal,
A responsabilidade da paternidade,
A união da família,
A aprendizagem e o gosto pela cultura,
O sentimento de patriotismo,
O rechaço à vulgaridade e a grosseria...
Não fomos nós que eliminamos:
O bom comportamento intelectual,
O refinamento de linguagem,
A dedicação à literatura,
A prudência na hora de gastar,
A ambição por querer ser alguém na vida
O respeito às mulheres e aos anciãos,
E por suposto que não fomos nós
Que eliminamosa paciência e a tolerância
De nossas relações pessoais
Nem de nossas interações com os demais.
Simplesmente tenho idade para dizer
Que há coisas que já não me agradam…
Já não gosto do engarrafamento no tráfego,
Nem das multidões, nem da música alta,
Nem de certos políticos que enganam,
Nem de tanta outra coisa que agora não me lembro.
Mas desejo seguir desfrutando a minha vida,
Respeitando aos outros
E esperando que os outros me respeitem..."
(Autor Desconhecido)

PONTO FINAL

"Hoje estranhamente me vi
como quem enxerga algo perdido e tem dó
eu estava ali diante de mim
sem a esperança comum a minha idade
alheio à cor dos sapatos e da camisa
à marca de cigarro entre os dentes
e às coisas todas insólitas do amor.
Assim, escapou-me, por descuido,
esse eu mesmo corriqueiro
como um copo de vinho escorre dos dedos
e ganha o chão arremetido ao solo,
os cacos de mim olharam-me
e eu me olhei, pobre de mim,
aos estilhaços, um ser sonhado,
um ser EU...
O ser humano sem graça, crente de tudo
-inclusive no amor – que eu era.
Profunda e intensa saudade vivi
fitando meus pedaços, pois, agora, sem mim,
comungava a presença da minha solidão
eu era apenas uma falta sem falta
o pior vazio é aquela feito apenas de vazio
senti um não-ter–o-que-sentir.
E assim vago seco, oco
achei-me parecido demais com ninguém
e confesso isso ao eu perdido,
como apelo às esperanças também perdidas,
confesso isso, que não sei, ao vento,
às paredes, aos ouvidos surdos
desse espírito desespirituoso
e confesso,
porque não confiei manter no coração
essa sensação de estar sem sensação,
de que o coração é um deficiente completo
para tratar das coisas do coração.
A razão deste poema é não ter razão para um poema,
é essa falta de enredo ou de argumento, ou de poeticidade
quantos minutos desse instante de vida perdi aqui
bajulando um poema que não quer sair?
E vós, ao olhá-lo, quanto perdeu?
tende nos olhos e na língua pena desse eu,
que talvez alguém apelide -eu–lírico-,
mas lirismo nenhum viveu.
Tudo aqui é inutilidade de verbos, versos, ventos...
Melhor, então, encerrar com o que é sem razão,
essa falta de lógica despretensiosa e prosaica,
desde o início não tinha mesmo nada a dizer
e ponto-final."
(Geovane Belo)

ANSIEDADE PELA VELHICE

"Quero ser velho!
sim, isso mesmo, ser velho de idade.
Por mais que digam que ser velho
é estar perto da morte
eu digo que ser velho
é quando a gente aprende a viver.
Quero ter rugas!
sim, quero ter rugas.
rugas que a vida esculpe na pele da gente
como uma tatuagem mostrando
que sobrevivemos incólumes ao mundo
de gente má e boa.
Quero ter vontade de viver mais e mais,
porque só quando sabemos que cedo ou tarde
desse mundo daremos adeus,
é que sentimos o grande prazer de viver.
Quero ser velho,
porque velhice é quando provamos para nós mesmos
que juventude não é estar jovem no corpo,
mas na alma..."
(S. F.)

POR ENQUANTO...

"Por enquanto a paz reina em meu corpo
Enquanto isso o ódio adormece
Calmamente, levemente
Ele me permite ser um pouco normal
Mesmo sendo completamente anormal
Cheio de dúvidas, delírios, martírios
Tenho em mim o mau do século
Tenho em mim a paz do século
O ódio que reina dia após dia
O mesmo que agora adormece
Que ontem me fez sofrer
E hoje reviver
Como uma ave perdida no deserto
Como uma quimera perdida em um livro
Como a quimera que sou..."
(Ronyere Silva)

DUAS ESTRADAS QUE SE CRUZAM

"O amor entrelaça desejos,
estreita caminhos,
constrói mistérios.
Só que, às vezes, retrai, omite,
definha a gente que ama.
O amor que é ar, também sufoca,
dispersa a vida, confunde a cabeça.
Ele, que é nosso parceiro,
torna-se nosso inimigo,
o assassino que nos esgana
com as mãos pesadas da solidão.
Os caminhos desse sentimento
são duas estradas que se cruzam:
uma leva à vida, outra, à morte."
(Geovane Belo)

SONETO DE VÉSPERA

"Quando chegares e eu te vir chorando
De tanto te esperar, que te direi?
E da angústia de amar-te, te esperando
Reencontrada, como te amarei?
Que beijo teu de lágrima terei
Para esquecer o que vivi lembrando
E que farei da antiga mágoa quando
Não puder te dizer por que chorei?
Como ocultar a sombra em mim suspensa
Pelo martírio da memória imensa
Que a distância criou - fria de vida
Imagem tua que eu compus serena
Atenta ao meu apelo e à minha pena
E que quisera nunca mais perdida..."
(Vinícius de Moraes)

ESPERANDO PELA MORTE

"Esperando pela morte
como um gato que vai pular na cama
sinto muita pena de minha mulher.
Ela vai ver este corpo rijo e branco.
Não é minha morte que me preocupa,
é minha mulher deixada sozinha
com este monte de coisa nenhuma.
No entanto eu quero que ela saiba
que dormir todas as noites a seu lado.
E mesmo as discussões mais banais
eram coisas realmente esplêndidas.
E as palavras difíceis
que sempre tive medo de dizer
podem agora ser ditas:
eu te amo."
(Charles Bukowski)

SOBRE TANTA FALTA

"Falta tanta coisa na minha janela
Como uma praia
Falta tanta coisa na memória
Como o rosto dela
Falta tanto tempo no relógio
Quanto uma semana
Sobra tanta falta de paciência
Que me desespero
Sobram tantas meias-verdades
Que guardo pra mim mesmo
Sobram tantos medos
Que nem me protejo mais
Sobra tanto espaço
Dentro do abraço
Falta tanta coisa pra dizer
Que nunca consigo
Sei lá,
Se o que me deu foi dado
Sei lá,
Se o que me deu já é meu
Sei lá,
Se o que me deu foi dado ou se é seu
Sei lá... sei lá...
Se o que me deu, quem sabe?
Vai saber,
Quem souber me salva..."
(Teatro Magico)

ORAÇÃO DA SEGURANÇA

"Afasta-me, Senhor, de todo risco
De todo amor repentino
Ajuda-me a controlar a paixão
Já que sou feito de fogo
Guarda-me de todo erro
Livra-me das emoções profundas
Faz com que eu ponha meus deveres
Acima sempre do meu desejo
Para que todos me admirem
Faz que eu seja sempre um bom homem
E que no fim dos meus dias
Eu me deite pacificamente nos teus braços
E morra sem ter vivido..."
(Rose Marie Muraro)

EU QUERO OLHAR DE FRENTE

“Tem pratos sujos que não quebram nunca.
Não desaparecem da nossa cozinha.
Despedaçam o nosso estômago vazio.
Nos levam a beber da água suja...
Turva de sentimentos ruins, mas nossos.
Vida ruim, mas nossa.
Dor ruim, mas nossa.
E eu não abro mão.
Eu nunca vou abrir mão
da minha própria dor.
Eu quero olhar de frente
pra essa amargura de vida,
tanto quanto quero ser feliz...”
(Nelson Peres)

UM ROSTO É UM TEATRO

"Um rosto é um teatro
onde atuam múltiplos atores.
Uma vida também.
Cada um enfrenta
descontinuidades pessoais
na sua caminhada contínua.
Os outros moram em nós;
nós moramos nos outros...
Cada um contém
a multiplicidade e inúmeras
Potencialidades mesmo permanecendo
um indivíduo sujeito único..."
(Edgar Morin)

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

INFINITO SEM HORA

"Minha felicidade é sem idade
singular
sigo lá no fundo dos seus olhinhos
o meu olhar
consigo vê-la sorrindo
e só isso basta pra viver
vão-se os segundos
vão-se os receios.
o meu sonho nada nesses olhinhos de mar
repousa leve nos seus seios...
em mim nada mais existe,
em mim nada mais é triste.
Nesse infinito sem hora
quero que tudo passe e me leve
Eu me perco na sua boca que me olha
eu me perco nos seus olhos que me beijam
coisa louca que me cura
é essa loucura de amar e não ter medo."
(Geovane Belo)

POESIA DO MEU DESTINO

"Olhou-me nos olhos e disse:
- Vai! o futuro a ti pertence
Toma as rédeas de tua vida
Faça dela sempre um auge
O sol te regerá
E sob o sol você brilhará.
A vida é feita de mistérios
Labirintos e charadas
Que caminho seguir?
Esse ou aquele?
Aquele ou esse?
Tão jovem, tão menina
Fui andando sem olhar pra trás
Encontrei-me, encontrei-te
Sinceramente, não sei
Seguindo eu vou
Seguindo estou.
Sem saber o que significava
Degluti, engoli
Fiz disso meu lema."
(Nazaré Braga )

POEMA DE UM AMIGO SECRETO

"Novamente a ti inscrevo mais algumas palavras.
A ti, agora, que és a tentativa de um ser boêmio,
meu sacerdote aprendiz,
a ti traduzo essas incompreendidas sentenças.
Se queres jovial ser, até o dia de teu perecer,
sê digno a ti mesmo, somente à tua verdade,
não à dos outros.
Refiro-me à jovialidade da alma, não a do corpo.
Se queres velho ser de alma,
aceita os preceitos dos outros como se fossm teus,
e te assassina, aniquila a tua potência,
como se tu pedisses um favor aos céus.
Nem os céus podem entender a tua alma,
porque estás além e aquém dos rituais dos deuses
e de suas frivulidades.
Queira pertencer a ti mesmo
para seres o que és -em essência-.
Não te limites a te imitar somente, dia a dia,
sendo assim cópia idêntica de teu espelho.
Sê camaleão de ti mesmo,
para que tua sombra não seja assistida
nem tu a copies.
Os outros, quando tentarem copiá-la,
ela já será luz,
e tu já estarás a caminhos remotos.
Novamente a ti inscrevo mais algumas palavras..."
(Fábio Rocha)

DESPEDAÇO

"Caminho pelos espaços vãos
perdi a sorte, perdi a calma, a hora
perdi o bonde, perdi isso...
um corte na testa, outro na alma
isso atesta o coração contrito
isso atesta que a vida é um saco.
Estou um caco
em atrito com o mundo
estou escasso,
obcecado com tudo
e ainda ressacado e aflito
e com os nervos e a paz
desarticulados
não sou capaz de sustentar
a vida na sua casca.
O corpo não é mais feito de aço
o dia despencou,
as contas venceram
a carteira de cigarro amarrotou,
estou duro, sem a metafísica
e sem mulher.
-O pior é estar sem mulher-
qualquer sensação
aparente sustentável humana
me despedaça
o vazio enfarta.
Me tomaram a carteira
o relógio
caí, pisei no cadarço
estou sozinho demais
para caber na minha solidão,
as roupas amarrotadas no chão
no chão também meus pedaços.
A vida surrupiou o tecido dos sonhos
e devastou um coração que era vento
vasto.
Eu me perdôo pelo que
não fui e não fiz
por fazer o que não faço.
Porque, em verdade,
eu nunca fui o que sou
eu nunca fico,
eu sempre passo..."
(Geovane Belo)

NÃO QUERO ROSAS

"Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?

Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir.

Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?..."

(Fernando Pessoa)

APOSTANDO CORRIDA...

"Os homens vivem apostando corrida, Maria.
Nos escritórios, nos negócios,
na política, nacional e internacional,
nos clubes, nos bares, nas artes, na literatura,
até amigos, até irmãos, até marido e mulher,
até namorados, todos vivem apostando corrida.
São competições tão confusas,
tão cheias de truques, tão desnecessárias,
tão fingindo que não é, tão ridículas muitas vezes,
por caminhos tão escondidos,
que, quando os corredores chegam exaustos a um ponto,
costumam perguntar: -A corrida terminou! mas quem ganhou?-
É bobice, Maria da Graça, disputar uma corrida
se a gente não conseguirá saber quem venceu.
Para o bolso: se tiveres de ir a algum lugar,
não te preocupe a vaidade fatigante
de ser a primeira a chegar.
Se chegares sempre aonde queres, ganhaste."
(Paulo Mendes Campos)

MESMO QUE O "TUDO" NÃO ME MUDE...

"Uma melodia silenciosa
agarra o meu corpo e tu não vês,
faz-me voar e pensar
no que crês e não crês.
Abre-me os olhos para ver imagens
de um mundo ao contrário,
como tudo deveria ser,
o outro lado do cenário.
Obriga-me a assistir cego
a um espectáculo no palco,
o oposto da minha vida que não é
só shows e momentos altos.
Não sou ninguém nestas alturas,
nasci no nada
um espelho que não reflete,
uma matéria mal estudada.
Rimas estruturadas seguem
o flow do meu suspiro,
uma força consciente cresce
sempre que eu inspiro.
Na escuridão vem-me a luz,
idéias vão surgindo
reflito no que fui, no que sou
e no que quero ser.
Já fui longe demais,
dificil regressar,
o tempo não volta atrás.
Sou eu mesmo,
faça coisas boas ou coisas más.
Sofredor e conhecedor da felicidade
que tu não me dás.
No coração dos teus sentidos
vou bebendo sóbrio
o nome por mim escolhido,
um mistério para mim próprio.
Sempre humilde,
morando ao lado da fama.
Eu não descanso,
estou sempre a chamar por ti
quando os sentidos adormecem,
apareces e aí...
Sou como uma sombra,
podes pisar q'eu não me altero.
Sigo, não se passa nada,
quando o sol desaparece começo do zero.
Um dia assim hoje,
outro diferente amanhã,
amante da vida louca
mas mente consciente e sã.
Sou adepto da ignorância,
assisto mas não sou fã,
a felicidade eu quero,
mas nao sei onde ela está...
Domino-me a mim mesmo,
pesquiso fundo a virtude
eu mudo tudo mesmo
que "o tudo" não me mude..."
(Conceição Castro)

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

MEU MAIOR MEDO...

"Meu maior medo é viver sozinho
e não ter fé para receber um mundo diferente
e não ter paz para se despedir.
Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho
e me esforçar em me manter ocupado
para não provocar compaixão dos garçons.
Meu maior medo é ajudar as pessoas
porque não sei me ajudar.
Meu maior medo
é desperdiçar espaço em uma cama de casal,
sem acordar durante a chuva mais revolta,
sem adormecer diante da chuva mais branda.
Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê
enquanto tomo banho.
Meu maior medo é conversar
com o rádio em engarrafamento.
Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho
depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho.
Meu maior medo é a segunda-feira
e me calar para não parecer estranho e anti-social.
Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par
e voltar mais solteiro do que antes.
Meu maior medo é não conseguir
acabar uma cerveja sozinho.
Meu maior medo é a indecisão
ao escolher um presente para mim.
Meu maior medo é a expectativa de dar certo na família,
que não me deixa ao menos dar errado.
Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra
e faltar uma companhia para concordar comigo.
Meu maior medo é que a metade do rosto
que apanho com a mão seja convencida
a partir com a metade do rosto que não alcanço.
Meu maior medo é escrever para não pensar..."
(Fabrício Carpinejar)

NÃO QUERIA SENTIR...

"Não queria sentir o que sinto...
porque não ando a sentir nada...
porque pareço anestesiado...
porque quase nada me da prazer...
porque me começo a conformar com este vazio...
porque começo a duvidar se faz sentido
continuar à procura do que busco...
porque sei que se encontar vou estragar tudo...
porque gostava de ser ermita...
gostava de não me corroer por dentro...
porque já nem corroer-me por dentro me doi..."
(Pedro Antunes)

O AMOR COMEU...

"O amor comeu meu nome,
minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade,
minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita.
O amor veio e comeu todos os papéis
onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas,
meus lenços, minhas camisas.
O amor comeu metros e metros de gravatas.
O amor comeu a medida de meus ternos,
o número de meus sapatos,
o tamanho de meus chapéus.
O amor comeu minha altura, meu peso,
a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu meus remédios,
minhas receitas médicas, minhas dietas.
Comeu minhas aspirinas,
minhas ondas-curtas, meus raios-X.
Comeu meus testes mentais,
meus exames de urina.
O amor comeu na estante
todos os meus livros de poesia.
Comeu em meus livros de prosa
as citações em verso.
Comeu no dicionário as palavras
que poderiam se juntar em versos.
Faminto,
o amor devorou os utensílios de meu uso:
pente, navalha, escovas,
tesouras de unhas, canivete.
Faminto ainda,
o amor devorou o uso de meus utensílios:
meus banhos frios,
a ópera cantada no banheiro,
o aquecedor de água de fogo morto
mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas.
Comeu o pão de propósito escondido.
Bebeu as lágrimas dos olhos
que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
O amor voltou para comer os papéis onde
irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
O amor roeu minha infância,
de dedos sujos de tinta,
cabelo caindo nos olhos,
botinas nunca engraxadas.
O amor roeu o menino esquivo,
sempre nos cantos, e que riscava os livros,
mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Roeu as conversas,
junto à bomba de gasolina do largo,
com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos,
sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
O amor comeu meu Estado e minha cidade.
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré.
Comeu os mangues crespos e de folhas duras,
comeu o verde ácido das plantas de cana
cobrindo os morros regulares,
cortados pelas barreiras vermelhas,
pelo trenzinho preto, pelas chaminés.
Comeu o cheiro de cana cortada
e o cheiro de maresia.
Comeu até essas coisas de que eu desesperava
por não saber falar delas em verso.
O amor comeu até os dias
ainda não anunciados nas folhinhas.
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio,
os anos que as linhas de minha mão asseguravam.
Comeu o futuro grande atleta,
o futuro grande poeta.
Comeu as futuras viagens em volta da terra,
as futuras estantes em volta da sala.
O amor comeu minha paz e minha guerra.
Meu dia e minha noite.
Meu inverno e meu verão.
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça,
meu medo da morte..."
(João Cabral de Melo Neto)

EU QUERIA SER BELO E LARGO COMO O VENTO

"Eu é que passo e não o tempo.
Sem pele e sem tato
Tento tocar tua pele
com meu tato intenso.
Tento sem voz e sem pressa
Levar ao teu ouvido
meu som de silêncio
puro e atento.
Tento sem cheiro e sem corpo
Lamber tua carne
impregnar meu cheiro lento
do teu perfume
que exala a doçura e o alento.
Tento sem pernas e sem pressa
Passar por ti
E te fazer me notar sem me ter
sou o estado sem pessoa
que está contigo
imenso
Eu queria passar,
a qualquer hora,
Pelas brechas do teu rosto
que é triste,
e imerso em ti,
ir sem rumo ao teu infinito
caminhar nos descaminhos
dos teus pés.
Infiltrar-me, encarcerar-me
Nos anseios que invento
Com a minha língua seca
delinear tuas formas
Porque eu não sou mais eu,
Sou tu.
Vem, tu,
desenhar em mim o teu feitio,
Eu queria ser feito no teu cabelo
Largo e belo feito o vento..."
(Geovane Belo)

DO MEIO-DIA À ETERNIDADE

"Eu percorro por estas ruas tão vazias,
olhando-me através desses transeuntes,
predizendo-me entre essa paisagem,
com meu olhar do meio dia à eternidade.
Vazio nestes instantes que divago,
percebo-me como ave necessária,
seja por entre as árvores plumárias,
dilúvio cotidiano pela estrada.
O mar apoderava o desespero,
floresta dos rebanhos brios difíceis,
então as águas eram superfície!
As corridas das ondas entre ventos,
estuário dessa alma tão longínqua,
do jovem rio estava ali nas fontes."
(Eric Ponty)

PASSO A PASSO

"Os passos são andaimes interiores
Com que construo a habitação da espera.
Chovem horas em volta até que um dia
Alguém descobre infiltrações no tempo.
Tudo está só. Tudo são passos sós;
Eles que vivem soterrando as asas.
Por isso os dias doem por entre as rosas
Que afasto em busca de uma dor sem flores.
Depois -pobre depois – nome de um nome;
Coisa que é coisa porque as coisas partem
Envelhecendo a infância do futuro-...
Os passos são fraturas no meu voo;
Oprimidos retalhos do infinito;
Portos viajando no porão de um barco."
(Homero Frei)

UM PAR

"As linhas da minha face
formam a sua
os nossos olhos fechados
são linhas idênticas
formando o mesmo traço escuro
em lados opostos
na mesma página
nós nos cruzamos
e a única coisa
que me separa de você
é essa idéia de você
não se ver em mim.."
(Geovane Belo)

CHUVA NO MOLHADO

"Gosto da chuva no telhado...
As goteiras me fazem pensar
nos pontos finais que deixei
de colocar na minha história.
Gosto da chuva no molhado...
Os canteiros me dão lembrar
dos jardineiros que ficaram
com sementes na memória.
Gosto de causas sem efeito...
De maus sonhos sem motivo
de morrer sem ser preciso
por ter fama sem proveito.
Gosto das coisas como são...
Da vida como um desterro
da sombra indo ao enterro
da sombra morta no chão..."
(Afonso Estebanez)

DEMASIADO TARDE

"Há coisas bem piores
do que ser sozinho.
mas às vezes levamos décadas
para percebê-lo.
E ainda mais vezes
é demasiado tarde.
E não há nada pior
do que demasiado tarde..."
(Charles Bukowsky)

TUDO PODIA SER MEU...

"Acredito que nada do que é importante
se perde verdadeiramente.
Apenas nos iludimos,
julgando ser donos das coisas,
dos instantes e dos outros.
Comigo caminham todos os mortos que amei,
todos os amigos que se afastaram,
todos os dias felizes que se apagaram.
Não perdi nada,
apenas a ilusão de que
tudo podia ser meu para sempre."
(Miguel Sousa Tavares)

DA SOLIDÃO

"Inquieta chuva,
inquieta me dispersa,
esquecida a tradição
e o cansado som.
Dentro e fora de mim
tudo é deserto
como se as ervas
fossem arrancadas
ou se esgotasse a dor
por que se chora.
Na grande solidão me basta,
e a contemplo
para o sonho interior
que me resolve!
Tão fácil é esperar,
que já nem sinto
o que vem a dormir
ou a morrer
na mesma angústia
que o silêncio envolve."
(Maria Alberta Menéres)

PONTO DE PARTIDA

"Retomo, pois,
ao ponto de partida
como um presente,
o ponto de chegada.
Entre um começo e outro
não há nada
Excepto o nada
da vida vivida.
Desgaste,
corrosão do que de novo
em velho se mudou
antes de o ser..."
(Vergílio Ferreira)

EU

"O conceito de mim é escasso
disfarço minha cara
nesse contorno embaçado
desconexo e frio
que de longe
nada se parece com a verdade
do que realmente sou por dentro
não há eu em mim por dentro
e digo isso pelo que há fora:
uma insegurança incomum nos olhos
e esta boca sem discurso
sem rumor de beijos…
um caos de tonalidades
sem estilo de beleza nem terror
é isso mesmo
estou sério
e eu me pareço ainda mais comigo
quando estou sério
porque não sou sério
apenas eu me vejo melhor
naquilo que não sou
meu conceito me define mais
nesta indefinição de me achar assim
outro…
talvez uma visão obscura de ser eu
esquisita sensação
E aí eu fico me olhando
na tentativa de compreender melhor
esse eu que eu sou
sem nenhuma noção..."
(Geovane Belo)

DESPEDIDA

"A razão por que a despedida nos dói tanto
é que nossas almas estão ligadas.
Talvez sempre tenham sido e sempre serão.
Talvez nós tenhamos vivido mil vidas
antes desta e em cada uma delas
nós nos encontramos.
E talvez a cada vez tenhamos sido forçados
a nos separar pelos mesmos motivos.
Isso significa que este adeus
é ao mesmo tempo
um adeus pelos últimos dez mil anos
e um prelúdio do que virá."
(Nicholas Sparks)

NÃO EXISTO

"Não existo.
Começo a conhecer-me.
Não existo.
Sou o intervalo
entre o que desejo ser
e os outros me fizeram,
ou metade desse intervalo,
porque também há vida...
Sou isso, enfim ...
Apague a luz, feche a porta
e deixe de ter barulhos
de chinelos no corredor.
Fique eu no quarto só
com o grande sossego de mim mesmo.
É um universo barato."
(Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)

ROTINA

"A idéia é a rotina do papel.
O céu é a rotina do edifício.
O inicio é a rotina do final.
A escolha é a rotina do gosto.
A rotina do espelho é o oposto.
A rotina do perfume é a lembrança.
O pé é a rotina da dança.
A rotina da garganta é o rock.
A rotina da mão é o toque.
Julieta é a rotina do queijo.
A rotina da boca é o desejo.
O vento é a rotina do assobio.
A rotina da pele é o arrepio.
A rotina do caminho é a direção.
A rotina do destino é a certeza.
Toda rotina tem sua beleza."
(Arnaldo Antunes)

AS SOMBRAS CORREM

"As sombras correm soltas pela noite
à cata de suas formas apagadas,
tecendo solidões que são abismos,
sinais que são multiplicadas máscaras
de uma face movida pela luz
que desata do feixe o movimento
e se dispersa em fugas para atar-se
à unidade que flui do próprio tempo.
Os cabelos transformam-se em ramagens,
as árvores caminham.
As florestas combatem.
Exercita a quadratura
do circulo o artesão moldando a pedra,
polindo arestas, desenhando a fórmula
da sombra em sua ordenação geométrica
como um todo partido que se reúne
pelo esforço que move o vento, a terra.
As águas correm negras,
desatadas das formas,
com seus silvos de serpentes
nervosas sobre o leito das estradas,
luzindo a cor sinistra das correntes."
(Foed Castro Chamma)

CARTAS DE AMOR

"Se me recordasse das cartas de amor que escrevi,
e não tive a coragem de selar,
não voltariam a escapar pela janela do quarto,
ao primeiro verso, como foi meu fado…
Mas estavas longe,
e tudo não passou de um sonho adiado.
Lembro-me das cartas que mandei para o endereço errado:
Escrevia-as em letra miudinha, beijava-as e selava-as…
Mentiram-me nas cartas!
Era tarde e com as gotículas das lágrimas perdidas,
no endereço errado, afoguei-me no desamor.
Numa eternidade…
Foi por isso que desisti de escrever cartas de amor.
Se voltasse a escrever cartas de amor,
teria de cuidar o endereço…
As cartas de amor
não podem ter por destino a posta-restante…
Sabes?!
Com o tempo, as ruas confundem os beijos perdidos
e tarde descobriram o caminho para ti.
Se me recordasse das cartas de amor que escrevi,
e não tive coragem de as selar,
não voltarias a escapar ao meu primeiro verso
pela janela do quarto…
Dar-te-ia todas as cartas, todos os poemas,
todas as palavras de amor.
E se hoje não consigo escrever cartas de amor,
tendo amor, recorro a ti
para perfumar os poemas que reparto contigo,
nos espaços cheios,
onde habitam as palavras do coração.
Não! Não voltarei a escrever cartas de amor…"
(Rogério Martins Simões)

A ÚNICA MAGIA QUE EXISTE

"Chorar por tudo que se perdeu,
por tudo que apenas ameaçou
e não chegou a ser,
pelo que perdi de mim,
pelo ontem morto,
pelo hoje sujo,
pelo amanhã que não existe,
pelo muito que amei e não me amaram,
pelo que tentei ser correto
e não foram comigo.
Meu coração sangra com uma dor
que não consigo comunicar a ninguém,
recuso todos os toques
e ignoro todas tentativas de aproximação.
Tenho vergonha de gritar
que esta dor é só minha,
de pedir que me deixem em paz
e só com ela,
como um cão com seu osso.
A única magia que existe
é estarmos vivos
e não entendermos nada disso.
A única magia que existe
é a nossa incompreensão."
(Caio Fernando Abreu)

ASILO DAS ALMAS

"Minha alma adormece no leito das horas
e sucumbe o amor no sonho da espera.
Com os olhos cerrados e os desejos grisalhos
procuro-me no labirinto do meu ser estático.
Estou aprisionado no asilo das almas,
idoso roto dentro de mim,
O medo me corta a face
e o tecido da intimidade.
Minha alma alcança o teto do que sou
e insiste em romper a cobertura da casa
para se revestir do azul do céu,
Mas meus dedos não alcançam o fio da liberdade.
Debato-me nas paredes caiadas do quarto
na tentativa de atravessar com os punhos
o concreto das enfermidades.
Há incômodo na carne
E um cheiro putrefato no íntimo
Isso porque ainda resisto no corpo
Enquanto faleço no cerne das coisas.
Fatigado, profundamente debilitado,
despencam as ânsias de libertação.
Minha alma assim rasteja no chão da vida
com a boca murcha e o coração seco,
prova o gosto salobro
de todas as esperanças perdidas,
o amargo do tempo na língua da realidade.
Minha alma que sugava o ar dos dias
para alimentar o pulmão das utopias,
clama a morte,
intercessora dos corações doentes e débeis.
Que a morte desabe e rompa o terreno do corpo,
separando as atmosferas da terra e do firmamento.
Que eu não mais padeça a amargura da minha idade
que o meu velho espírito nublado
rejuvenesça no mistério do nada,
que se quebre o tempo da demora
e nasça o tempo sem tempo,
o homem etéreo,
o tecido sem matéria do eterno."
(Geovane Belo)

ESTA TARDE...

"O que houve com esta tarde?
Há pouco ritmo no relógio do pulso
Há pouca gente nas ruas do mundo
Há pouquíssimas lembranças
na memória deste instante.
Lentos, os passos se precipitam…
Rudes, os pensamentos escoam
como a chuva ligeira no asfalto…
Esta tarde tem a cara de um poema
que pairou rapidamente a superfície da mente
E se depositou no vão do esquecimento
Esta tarde cheira diferente,
ama diferente, pulsa diferente
Esta tarde é um longo ensaio de desencontros
A vida adormece na frente da tevê
e há lamúrias e ausências sem identidade.
Esta tarde viúva não sente saudade,
Não sente pesar, não reflete, não titubeia…
Esta tarde é qualquer coisa
que não compreendemos!
Qualquer enigma e melancolia,
qualquer metáfora esquecida,
arrasta-se num espaço melódico
de carências não identificáveis
Esta tarde é o intervalo
entre a falta de amor
e a falta de vida..."
(Geovane Belo)

PUDORES ÍNTIMOS

"O sol ainda não viera.
E sem lua nem sol
ela estava sozinha no banheiro.
.Esta revelação a fez baquear um pouco.
Meio tonta com a solidão
e a brancura do momento.
Trôpega, buscou apoio na extremidade da pia,
que respondeu fria e asséptica
ao pedido de ajuda.
Olhou para a porta,
e se então tivesse saído teria escapado.
Mas ficou.
Ferindo a si mesma
e por si mesma sendo ferida.
Com o pretexto de lavar as mãos,
molhou os pulsos, sem admitir a tontura
– que às vezes tinha esses pudores íntimos"
(Caio Fernando Abreu)

ME DÊ UM ABRAÇO

"Me dê um abraço que me tire dessa aflição,
não quero ser mais um, como tantos,
encarcerado, abandonado, com frio,
sózinho na prisão da solidão...

Me dê um abraço que dissolva
toda exaustão do meu coração,
sempre em busca da Luz,
do Amor, da Verdade e da Paz!

Me dê um abraço que mande embora
para sempre a saudade que fere meu peito
e não me deixa respirar direito.
No calor desse abraço, Felicidade!

Nesse abraço forte, carinho e aconchego,
que afasta a sombra da Morte em Vida,
que destrói o medo de nunca encontrar
real guarida, um verdadeiro ninho!"

(Zenn Bell)

É PRECISO RECOLHER-SE...

"Às vezes é preciso recolher-se.
O coração não quer obedecer,
mas alguma vez aquieta;
a ansiedade tem pés ligeiros,
mas alguma vez resolve sentar-se
à beira dessas águas.
Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir.
É um começo de sabedoria, e dói.
Dói controlar o pensamento,
dói abafar o sentimento,
além de ser doloroso parece pobre,
triste e sem sentido.
Amar era tão infinitamente melhor;
curtir quem hoje se ausenta
era tão imensamente mais rico.
Não queremos escutar essa lição da vida,
amadurecer parece algo sombrio,
definitivo e assustador.
Mas às vezes aquietar-se
e esperar que o amor do outro
nos descubra nesta praia isolada
é só o que nos resta.
Entramos no casulo fabricado
com tanta dificuldade,
e ficamos quase sem sonhar.
Quem nos vê nos julga alheados,
quem já não nos escuta pensa
que emudecemos para sempre,
e a gente mesmo às vezes desconfia
de que nunca mais será capaz de nada claro,
alegre, feliz.
Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda
há de saber que se nossa essência
é ambigüidade e mutação,
este silencio é tanto uma máscara quanto foram,
quem sabe, um dia os seus acenos."
(Lya Luft)

O PRIMEIRO A SORRIR

"Não estou falando de um mundo cor-de-rosa
ou de pessoas perfeitas,
sempre prontas para nos acolher, amar,
caminhar ao nosso lado.
Não falo disso, mas da tristeza nos olhos
de quem vira as costas e a gente não vê.
A beleza por dentro de um peito encouraçado
que a gente não sente.
A solidão de quem afasta um amor
e se deita em camas tão frias.
É do instante quando os olhos se perdem no nada
e nenhuma mentira é capaz de enganar si mesmo.
É desse instante solitário,
desse instante sem abraço, que eu digo.
Todo mundo vai virar as costas
ou dizer que merece coisa melhor
ou debochar das mentiras que eles contaram...
mas a gente pode sempre voltar
e acolher com amor, ser os primeiros a começar.
Afinal, se a hostilidade do mundo
despertar a nossa,
quem vai ser o primeiro a sorrir?"
(Rita Apoena)

QUANDO ESCREVO...

Quando escrevo
não sou homem nem mulher...
Sou Alma!
E a Alma pode ser
tudo quanto quizer!
Quando escrevo
não estou na Terra, no Céu,
ou no Inferno.
Estou no Além, no Eterno!
Quando escrevo
não existe Passado,
Presente ou Futuro
é a Vida que insiste em mostrar
a Verdade por toda a Eternidade!
Quando escrevo
não sou ocidental nem oriental,
dissolvem-se todas as fronteiras
desmoronam-se os grandes muros de aço.
Ilusões estas que nos corações amorosos
não encontram espaço!
Quando escrevo
não sou somente menina ou menino
à caminho do aprendizado da Vida;
ou Peregrina que busca
de peito aberto do caminho certo,
e que escuta a voz do vento
a lhe dizer que é dentro...
Quando escrevo
estou mais perto de ser apenas
um coração extasiado dentro do peito
do beduíno sonhador
mirando as estrelas à noite
na imensidão do deserto!
Quando escrevo não sou
apenas jovem, menina, menino,
anciã ou ancião,
pessoa branca negra ou mestiça,
sou vulcão expelindo lavas
das profundezas do coração
contra toda forma de injustiça!
Quando escrevo
vôo e vou além do claro e do escuro,
desvendam-se mistérios,
descortinam-se véus,
abrem-se outros Céus
que dão passagem a minha Alma...
Quando abre-se essa Porta
tudo o mais menos importa!
Então não mais sou, nem estou,
apenas fluo!
Em Paz!"
(Zenn Bell)

NÃO SEI QUANTAS ALMAS TENHO

"Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : -Fui eu?-
Deus sabe, porque o escreveu."
(Fernando Pessoa)

ESPANTO

"Sou muito mais
-mas muito- do que o assombro
que a si mesmo se percebe.
Sou mais-do-que-eu.
Em verdade.
E sei disso. Não se espante.
Espantoso é o caminho
que a mim me trouxe.
Passo despetalado que não é flor.
Fulgor que não é sol.
Calor que não é fogo.
Olhar que é gesto atravessado
pelo giro: o visto-e-o-vendo
O vendo-e-o-visto.
Não se espante do olho
Espantoso é o trajeto."
(Marcelo Novaes)

CONVERSA

"Eu queria falar contigo
que tem a saudade na cara lavada.
Tem o pé descalço na infância,
mas não tem a fome das unhas.
Eu queria falar contigo
sobre a adolescência
sobre a mão no bolso de vergonha
sobre a velhice de amar.
E também queria falar
sobre o lado torto do travesseiro
e sobre a importância que dou
ao café e ao jornal.
Queria falar contigo que se importa
com a nuvem estufada de chuva
mas não esquece a capa.
Queria falar contigo
que tem a boca vermelha
mas oferece os ombros.
Queria falar que estou aqui e lá
Queria falar que já sei do meu lugar
Queria falar contigo
que não se importa em escutar..."
(Adriana Karnal)

DESENGANO

"Tanto o pó de outro dia destruíra
o último sossego novamente
este cheiro de vida embora andasse
a tarde sobre tudo sem sossego
engano, escasso vento
o pó levando ainda de outro dia.
Do abrigo do dia novamente
lançados sobre a áspera cratera
dos enganos lavrada do sossego
no uso dos enganos tão ciente
ar doce do amor que leva o pó
do abrigo do dia sobre tudo
frágil disperso fora com o vento
lançados do engano do sossego.
Somente já de vida mantivera
não da gruta da tarde
as vãs lembranças
o pó do dia
as nuvens os enganos
desabridos da tarde enfim de vida
as crateras apenas despejadas
assim o pó ardia novamente
surdo cansado espesso pó da terra.
Não trazia lembranças
sem sossego abrigava de outro dia
da tarde sossegada a escassa vida.
De destroços canção somente a vida
não reduz do sossego destruído
de outro dia a lembrança
ao pó que a traz..."
(Gastão Cruz)

O RETORNO DO REAL

"No meio de frases destruídas,
de cortes de sentido e de falsas
imagens do mundo organizadas
por agressão e por delírio,
como vou saber se a diferença
não há de ser um pacto novo,
um regresso às histórias
e às árduas gramáticas da preservação.
Depois dos efeitos de recusa,
se dissermos não, a que diremos não?
Que cânones são hoje dominantes
contra que tem de refazer-se
a triunfante inovação?
Voltar junto dos outros,
voltar ao coração, voltar à ordem
das mágoas por uma linguagem
limpa, um equilíbrio do que se diz
ao que se sente, um ímpeto
ao ritmo da língua e dizer
a catástrofe pela articulada
afirmação das palavras comuns,
o abismo pela sujeição às formas
diretas do murmúrio, o terror
pela construída sintaxe sem compêndios.
Voltar ao real, a esse desencanto
que deixou de cantar,
vê-lo na figura sem espelho,
na perspectiva quase de ninguém,
de um corpo pronto a dizer
até as manchas a exata superfície
por que vai onde se perde.
Em perigo..."
(Joaquim Manuel Magalhães)

CANÇÃO DA MINHA TERNURA

"Rondaste o meu castelo solitário
como um rio de vozes e de gestos;
baixei as minhas pontes fatigadas
e conheci teus lumes, teus agrados
teus olhos de ouro negro que confundem;
andei na tua voz como num rio
de fogo e mel e raros peixes belos,
cheguei na tua ilha e atrás da porta
me deste o banquete dos ardores teus.
Mas às vezes sou quem volta
a erguer as pontes e cavar o fosso
e agora em sua torre, ternamente,
sem mágoa se debruça nas varandas
vendo-te ao longe , barco nessas águas,
querendo ainda estar se regressares
-porque seria pena naufragarmos
se poderias ter, sem tantas dores,
viagens e chegadas nos amores meus."
(Lya Luft)

O MUNDO QUE EU ACREDITAVA EXISTIR...

"Quando eu saí de uma importante depressão,
eu disse a mim mesma
que o mundo no qual eu acreditava
deveria existir em algum lugar do planeta.
Nem se fosse apenas dentro de mim...
Mesmo se ele não existisse em canto algum,
se eu, pelo menos, pudesse construi-lo em mim,
como um templo das coisas mais bonitas
em que eu acredito, o mundo seria sim bonito e doce,
o mundo seria cheio de amor,
e eu nunca mais ficaria doente.
E, nesse mundo, ninguém precisa trocar amor
por coisa alguma porque ele brota sozinho
entre os dedos da mão e se alimenta do respirar,
do contemplar o céu, do fechar os olhos na ventania
e abrir os braços antes da chuva.
Nesse mundo, as pessoas nunca se abandonam.
Elas nunca vão embora
porque a gente não foi um bom menino.
Ou porque a gente ficou com os braços tão fraquinhos
que não consegue mais abraçar e estar perto.
Mesmo quando o outro vai embora,
a gente não vai.
A gente fica e faz um jardim,
qualquer coisa para ocupar o tempo,
um banco de almofadas coloridas,
e pede aos passarinhos não sujarem ali
porque aquele é o banco do nosso amor,
do nosso grande amigo.
Para que ele saiba que, em qualquer tempo,
em qualquer lugar, daqui a não sei quantos anos,
ele pode simplesmente voltar, sem mais explicações,
para olhar o céu de mãos dadas..."
(Rita Apoena)

PERFORMANCE

"Decidi, então, entrar no jogo,
sem perceber que nele já estava.
Meio reserva, assim, meio de lado.
Mal sabia o que significava
e como me sentiria.
Você também desconhecia
as possibilidades aqui, junto a mim.
Instalamo-nos numa espécie
de aventura proibida.
Você nunca saberia a maneira exata
com que minhas mãos seguram
o que se passa entre nós.
Nem eu com as suas.
Isso me causa uma certa vertigem.
Nada sério.
Apenas estimula os sentidos,
evita que entorpeçam e caiam.
É quando o pensamento cai
que o nosso corpo também cai.
Eu voltava para casa ao entardecer,
vinha do trabalho,
pensei em como minha sanidade
depende das minhas mãos
e em como estas dependem
de uma vontade que não encontro em mim,
mas em você, em todo o seu corpo,
cada músculo, cada osso,
cada poro, cada pêlo, cada gesto
e movimento que faz.
Essa foi a vertigem.
Foi o que senti na hora
e me levou diretamente ao chão.
Nada sério. É só a minha vida.
Nada sério. E a sua, também.
É bom saber.
Mas se ocorrer
disso ser descoberto por alguém
no momento exato em que pensamos?
Nessas horas,
teremos que aprender por nós mesmos
a ser outra coisa, outro alguém,
ao menos temporaria-mente.
E não cair. Aprender a fingir.
Diários, poemas, ensaios, emails,
receitas de cozinha, cartas-bomba
ou cartas de suicida,
contratos, livros-caixa.
Exagerado demais?
Quando se escreve coisas assim
não se sabe quem se é,
para quem se diz, nem o que se diz.
E o motivo já se perdeu.
Talvez nunca tenha existido realmente.
O próprio formato de dizer
demanda isso hoje em dia.
Pois é.
Já falei da mania dos dedos?
Enquanto ouço falarem
ou enquanto o pensamento voa?
É assim. Um sapateado,
metade visível em minhas mãos,
na ponta dos dedos, metade invisível,
pois eles bailam sobre algo
que lhes escapa,
mas que está ali inteiro: você.
Secretariam um outro e a mim mesmo.
É tudo o que fazem. Acho que sempre.
O mundo se concentra todo nisso.
E viver assim é um ato em falso.
Gesto aéreo.
Nessas horas corro de novo o risco de cair.
Uma premonição.
E começo a andar tão firme,
tão certo, tão decidido.
Sou então um barco de certezas
flutuando na incerteza que você;
meu corpo esse bloco;
um vazio espesso cortando;
o espaço-muro à frente,
direção mar e a favor do que não sei.
Mas, ai, toda certeza é terrível.
E se limita ao tempo que passa
irremediavelmente.
A morte é um fato.
Assim como aqui sou em falso.
Elaborando uma memória que nos pertence
–a mim e a você.
Nada fica desse em falso
além dos malabarismos.
Penso que tudo pode se esvair,
pelo ralo, desaparecer mesmo.
Por isso, se eu disser algo
que se assemelhe a um código secreto,
a uma cifra hermética,
não será por desejo de obscuridade.
Mas por simplesmente pensar
em guardar uma margem de segurança
que eu próprio desconheço.
E é bom que assim seja.
Para seu bem. Para nosso bem.
Tento assim resumir o sentimento
de emergir no cristal líquido
onde a palavra nada entre nós dois..."
(Sandro Ornellas)

SONHOS DE MENINA

"A flor com que a menina sonha
está no sonho? ou na fronha?
Sonho: risonho.
O vento sozinho no seu carrinho.
De que tamanho seria o rebanho?
A vizinha apanha a sombrinha
de teia de aranha...
Na lua há um ninho de passarinho.
A lua com que a menina sonha
é o linho do sonho
ou a lua da fronha?"
(Cecília Meireles)

MAIS-QUE-PERFEITO

"Quantas vezes eu quis
que a palavra fosse um choque terno
entre teus lábios e os meus
maiores inferiores
quem dera úmidos dos teus.
Quantas vezes eletrólise
dançar ainda faz bem
ainda um pouco de nós miúdos
um pouco e mais outro nó.
Quantas quantas vezes ter
é questão de delicadeza de pêlos
uma vez próximos, os teus nos meus
nunca foram tão perfeitos.
Mas, mais que fios e poros tinindo,
não me deixam dormir os membros,
os recomeços;
mais que suores, ganidos,
não me deixam dormir os lilases
perfurando as estações.
Nada é nunca tão vazio
se um pouco de voz,
um pouco de guerra,
fecham a tarde numa cidade
tão antiga assim."
(Állex Leilla)

MEU JEITO SECRETO DE CALAR...

"Se te pareço ausente,
não creias:
hora a hora minha dor
agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo
revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos
mais promessas.
Não acredites
nesse breve sono;
não dês valor maior
ao meu silêncio;
e se leres recados
numa folha branca,
Não creias também:
é preciso encostar teus lábios
nos meus lábios para ouvir.
Nem acredites se pensas
que te falo: palavras
são meu jeito mais secreto de calar..."
(Lya Luft)

UM ARCO-ÍRIS...

"Todo dia,
a menina corria o quintal,
procurando um arco-íris.
Corria olhando para o alto,
tropeçava e caía.
Toda vez que se machucava,
vinha chorando uma cor.
Um dia, chorou o anil
até esvaziá-lo dos olhos.
Depois, chorou laranja,
chorou vermelho e azul.
Chorou verde. Violeta.
Amarelo e até transparente!
Chorou todas as cores que tinha,
todas as cores de dentro.
Então, abriu os olhos
e nem o arco-íris, ela viu.
Não viu flores e borboletas.
Não viu árvores e passarinhos.
Pensando que era ainda noite,
deitou-se na cama e dormiu.
Pensando que era tudo escuro,
nem levantar-se ela quis!
Ficou dormindo cinzenta,
por dias e noites sem fim...
Foi quando um sonho, tão colorido,
derramou-se dentro dela!
Tingiu o travesseiro e a fronha,
o lençol e o pijaminha.
Tingiu a meia e o quarto.
Tingiu as casas e os ninhos!
A menina abriu a janela
e viu que hoje não tinha arco-íris.
Mas tinha o desenho das nuvens.
Tinha as flores e um passarinho..."
(Rita Apoena)

CAMINHO DE VOLTA AO MAR...

"O meu amor ignora a fome
e os maltratos do mundo.
Com meu coração alheio
circulei o mar.
Você chegou da terra do frio,
com suas noites de choro e suicídio alheios.
Em carne viva e cada vez mais passível
de disseminação de vírus,
estou a te adorar.
Acabar de vez com a velha história
da sereiazinha e do príncipe
que agora virou pescador.
Pequena, vago à tua procura.
Estás sempre entre outros homens,
e é na boca deles, não na minha,
que mergulhas a língua que quero pra mim.
Amaldiçôo meu amor inacabado e torto,
quero que o mundo solte mais pestes
e mais bombas
e quero da sacada aplaudir e olhar.
Com meu coração inteiro
caminho de volta ao mar..."
(Állex Leilla)

É URGENTE O AMOR

"É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.
É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.
É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.
Cai o silêncio nos ombros
e a luzimpura, até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer..."
(Eugénio de Andrade)

CANÇÃO DE BARCO E DE OLVIDO

"Não quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.

Ai esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?

Que eu vou passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...

No mesmo instante olvidando
Tudo o de que te lembrares."

(Mário Quintana)

EU QUERO O COLÍRIO...

"Apesar de todos os medos,
escolho a ousadia.
Apesar dos ferros,
construo a dura liberdade.
Prefiro a loucura à realidade,
e um par de asas tortas
aos limites da comprovação e da segurança.
Eu sou assim.
Pelo menos assim quero fazer:
a que explode o ponto e arqueia a linha,
e traça o contorno que ela mesma há de romper.
A máscara do Arlequim não serve apenas
para o proteger quando espreita a vida,
mas concede-lhe o espaço de a reinventar.
Desculpem, mas preciso lhes dizer:
EU quero o delírio..."
(Lya Luft)

TODO AMOR QUE RESTA...

"Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim,
e passa sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.
Esse fantasma que chega e me abraça
-asas cobrindo a ferida do flanco-
é todo o amor que resta
entre ti e mim, e está comigo..."
(Lya Luft)

PARA ENTREGAR A ELE...

"Eu não tenho cabelos vermelhos
e o meu vestido não é amarelo.
Eu sou só uma menina invisível,
deitada na grama invisível
que a moça que não sabia desenhar,
não desenhou.
Aquele é o menino que eu não lhe falei.
Ele sempre está preso num único instante;
o instante em que o moço que sabia desenhar,
o desenhou.
O balão que subia as nuvens,
com várias crianças chamando,
teve de desviar o caminho,
pois não fazia parte desse desenho.
O avião que trazia uma faixa,
com linda declaração de amor,
teve de mudar a rota,
pois neste céu azul é que não foi desenhado.
O pombo-correio
que veio voando de fora da imagem,
bateu o bico na borda e caiu.
Por isso, o menino está sempre só.
Se as crianças do balão não conseguiram.
Se o avião também não conseguiu.
Se nem o pombo-correio teve sucesso,
como é que eu, uma menina invisível,
feita de palavras, poderia chegar até ele?
Foi o que passei dias e dias pensando.
Então, numa de minhas viagens,
ouvi dizer que uma imagem valia mais
do que mil palavras.
Não tive dúvidas.
Abri a oficina invisível,
acendi as luzes transparentes
e comecei a construir
este imenso abraço de palavras.
De mil e duas palavras.
Para, um dia, entregar a ele..."
(Rita Apoena)

COBRAS E LAGARTOS

"Nunca mais vai beber minhas lágrimas
Não vai, não.
Me fazer de gato e sapato
Não vai mesmo não.
Se eu choro, me lanho, me arranho
Não é de saudade -suponho que não...-
É uma dor que emudece aqui dentro
o meu coração...
Se eu lembro de tuas palavras
Me vem suor
E o sangue me sobe
A cabeça esquenta
E eu fico pior
Me devolva os meus travesseiros
E perco o meu sono,
Que coisa ruim...
Eu só sei que a imagem dele
Pregada na insônia
Não desgruda de mim."
(Hermínio Bello de Carvalho)

VOCÊ VAI ME ABANDONAR...

"Você vai me abandonar
e eu nada posso fazer para impedir.
Você é meu único laço, cordão umbilical,
ponte entre o aqui de dentro e o lá de fora.
Te vejo perdendo-se todos os dias
entre essas coisas vivas onde não estou.
Tenho medo de, dia após dia, cada vez mais
não estar no que você vê.
E tanto tempo terá passado,
depois, que tudo se tornará cotidiano
e a minha ausência
não terá nenhuma importância.
Serei apenas memória, alívio,
enquanto agora sou uma planta carnívora
exigindo a cada dia uma gota de sangue seu
para manter-se viva.
Você rasga devagar o seu pulso
com as unhas para que eu possa beber.
Mas um dia será demasiado esforço,
excessiva dor, e você esquecerá
como se esquece um compromisso
sem muita importância.
Uma fruta mordida
apodrecendo em silêncio no quarto..."
(Caio Fernando Abreu)

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

PALAVRAS TRISTES

A tristeza parece dominar as pontas dos dedos,
movimentando-as em caracteres que desconheço.
As palavras tristes viajam desde a alma,
numa libertação de um nó sem respirar.
A tristeza inspira os dedos numa movimentação
contínua de êxtase.
As palavras tristes caem em páginas brancas,
preenchendo um vazio no qual deveria correr sangue.
No qual deveria pulsar sangue.
Em vez de sangue vivo, correm palavras tristes.
É a inspiração de uma tristeza melancólica
que movimenta os dedos.
Porque esse estado de alma
nos faz viajar interiormente
e reflectir sobre a essência.
A alegria, faz-nos viver.
A tristeza, faz-nos escrever.
Olho as pontas dos dedos.
Estarão também elas tristes?
Pergunto à tristeza:
porque trazes tanta inspiração?"
(Pedro Pan Pina)

IGUAIS

"No dia em que ele se declarou
a cidade inteira silenciou.
Todos queriam ouvir a resposta
Águias com seus vôos razantes,
urubus a espreita
de um pobre instante
Rezando pelo não nas suas costas
E ele cantava o seu amor
Com a sua garganta branca.
E ele jurava o seu amor
Com sua garganta Santa
No dia em que o outro decidiu
enfrentar o mundo por aquele amor
Sentiu o peso sobre seus ombros
Pai, mãe, filho, irmãos,
amigos e um casamento antigo.
Julgamentos e seus escombros
Mas eles se amavam tanto
Que já não cabia engano
Mas eles se desejavam tanto
Mesmo o futuro uma tela em branco
Nunca foi tarde demais
O medo, a verdade desfaz
Águias, urubus, julgamentos,
fobias, força bruta.
Tudo é pouco demais
Código civil, onde se viu,
nêgo que enrustiu
não separa os iguais...."
(Jefferson Abreu)

QUERO UMA CARTOLA DE MÁGICO

"Quero uma cartola de mágico,
mas que funcione bem,
para enfiar nela meu coração delirante
e retirar uma engrenagem melhor...
Quero esconder na manga, na bolsa,
nessa cartola encantada,
minha alma falida, a asa quebrada,
tanta contradição.
Prefiro um objeto mais útil:
calculadora de emoção,
maquininha de esquecer,
relógio de sonho preso num lugar.
Umas peças de metal enfiadas no peito:
só o essencial, para que a cara
não desabe de todo no chão."
(Lya Luft)

FALSOS PUDORES

"Não me perturbe com falsos pudores.
Prefiro o galanteio barato
que vem junto com o ar blasé
de quem se habitua a um vício.
Não me culpo mais pelas incertezas.
Hoje acordei cedo e fiz um chá.
Depois inventei um conto sem palavras,
todo bordado na minha imaginação.
Apaga o cigarro? Não fumo mais...
Tô ficando chato com a maturidade.
Confundo nomes, esqueço chaves.
Me engano fácil com algumas delicadezas.
Só algumas..."
(Jefferson Abreu)

DÁDIVA

"O olhar do moço me puxou pra dentro,
me engoliu.
E eu, sem resistência, me deixei levar.
Virei menina dos olhos.
Bailarina de retina.
Atriz de palco iluminado
com piso de cor castanho.
Mais cedo ou mais tarde,
quando ele chorar,
vou me afogar em prantos, eu sei.
Mas tem nada não,
porque mar melhor
para morrer não há de haver.
Quem sabe dou sorte
e as lágrimas do moço, comovidas,
Vão levar o que sobrar de mim
junto com elas.
Aí, feito criança,
Vou escorregar no rosto do moço,
Entrar pelos lábios do moço e,
Então, me misturar na saliva do moço.
Depois disso, é subir um pouco,
Chegar ao céu da boca do moço
E rezar, rezar e rezar...
Agradecida por morte tão doce."
(Gói)

UM FANTASMA VEM DO PASSADO

"Um fantasma vem do passado
atormentar o presente.
Está sempre à espreita,
pronto para nos assombrar,
a qualquer momento.
Um fantasma do passado
tráz com ele pesadelos
que nos atormentam,
não nos permitindo sonhar o futuro.
O medo. O medo dos fantasmas.
Fugimos deles.
Tentamos ignorar, fugir e fingir.
o medo de desenterrar um pesadelo
é o medo de viver a mesma dor duas vezes.
Mas é preciso fazê-lo.
Desenterrá-lo.
Deixa-lo vir à superficie e encará-lo.
Hoje não lhe vou virar as costas.
Não vou fugir e fingir que não me atormentou.
Hoje digo-lhe tudo o que está escondido
no fundo dos pensamentos da minha alma.
Hoje, encaro o fantasma do passado.
Digo-lhe que já não o temo.
Os fantasmas do passado
apenas nos podem atormentar
se nós tivermos medo e lhes permitirmos.
Apago esse fantasma com borrachas mágicas
e sei que não irá voltar a atormentar-me."
(Pedro Pan Pina)

TÉDIO EM LÁ MAIOR

"Ensaio um poema nobre
na curva das horas vagas
as nuvens desvendam o escuro
da noite que não se acaba.
Atenta, reverto o ócio
transformando em poesia
a brusca poeira densa
que rege a monotonia.
A morte é a estrela guia
namora e quer enlaçar
o dorso do ser humano
que foge a perambular.
A vida e os seus mistérios
refletem cada momento
nas linhas do meu poema
feito pra passar o tempo."
(Goimar Dantas)

CONVITE

"Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou mistério.
A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério..."
(Lia Luft)

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

"Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.
Mas tu apareceste
com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...
E o homem taciturno ficou imóvel,
sem compreender nada,
numa alegria atônita...
A súbita, a dolorosa alegria
de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos."
(Mario Quintana)

NUNCA FUI COMO TODOS...

"Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
não vivo sozinha porque gosto
e sim porque aprendi a ser só..."
(Florbela Espanca)

VERDADE

"A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.
Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia..."
(Carlos Drummond de Andrade)

NUNCA ESTIVEMOS SÓS...

"Solidão por tão só ser na cama neve
sinto a dor no corpo que é teu
olho a imagem que o espelho reflete
sem a conhecer
derramo o sal das lágrimas
na fotografia preta e branca
manchada de vermelho sangue
solidão por tão só te querer
ali entre quatro paredes
sem nada ver, ouvir, sentir
só tu
o todo que é teu
solidão por tão só esperar
que um dia venhas para me abraçar
num rasgo indelével de luz
que me abra o coração
para que te pinte o corpo
na vermelha cor da carne
para que ali fiques
tão sós como sós nunca estivemos..."
(Daniel Gorjão)

O ECOAR DE UM SONHO

"Os teus olhos de luz
invadiram os meus sonhos de trevas
e o calor do teu abraço
aconchegou o meu corpo gélido
de saudade do teu encontro.
Mas este momento fugaz de vida
desfez-se quando o primeiro raio de sol
bateu na minha janela.
Ao acordar senti novamente o vazio,
ouvi o som ecoar
nas paredes da minha solidão.
Quis viver nos meus sonhos
para me sentir pulsar
no conforto dos teus braços
e no suspiro terno do teu olhar
antes de num beijo
me deixar morrer de contentamento..."
(Papiro)

O FOGO QUE DERRETE O VÉU

"Atenta para as sutilezas
que não se dão em palavras.
Compreende o que não se deixa
capturar pelo entendimento.
Dentro do coração empedernido do homem
arde o fogo que derrete o véu de cima abaixo.
Desfeito o véu,
o coração descobre as histórias do Hidra
e todo o saber que vem de nós.
A antiga história de amor
entre a alma e o coração
regressa sempre em vestes renovadas.
Ao recitares "sol"
contempla o sol.
Sempre que recitares "não sou",
contempla a fonte do que és..."
(Rumi)

SONHO CRISTALINO

"Quando fecho os olhos
Sinto o silêncio da tua alma no meu corpo
E a brisa fresca da noite gela-me os sentidos
Perco a noção da vida, esqueço-me de viver.
A madrugada leva-me longe,
Longe do mundo e da saudade,
Dos gritos frios da monotonia.
Quanta calma, quanta paz
Abraça o meu cansaço
E despe de mim as roupas da nostalgia
Lá longe não sei aonde,
aonde tudo é cristalino
Como as águas que nascem no horizonte.
Os desejos são eternos e as vontades mendigas
São como a luz de quem não vê
E os olhos que tudo invejam
Quando fecho os olhos, não durmo,
Viajo para lá da eternidade..."
(Conceição Bernardino)

ENTRASTE...

"Entraste na casa do meu corpo,
desarrumaste as salas todas
e já não sei quem sou,
onde estou.
O amor sabe.
O amor é um pássaro cego
que nunca se perde no seu voo..."
(Casimiro de Brito)

QUERO LAVAR-ME

Quero lavar-me.
Quero despejar água pura dentro de mim
e senti-la a percorrer-me o interior.
Que a água limpida
passe por todas as células do meu corpo,
levando com ela toda a sujidade acumulada
de um passado mal resolvido.
Quero sentir essa água fresca
em cada póro da minha alma,
limpando cada mágoa recaldada.
Quero lavar-me.
Quero lavar a minha alma de cada trauma
não esquecido em memórias que me perseguem.
Quero limpar-me. Quero purificar-me.
Quero ver toda a podridão,
todos esses meus erros a desfazerem-se
em água até se desvanecerem.
Quero lavar-me e sentir-me leve.
Quero uma leveza pura, limpida, cristalina.
Quero lavar-me.
Quero sentir a minha alma lavada,
leve, renascida..."
(Pedro Pan Pina)

O AMOR QUANDO SE REVELA...

"O amor, quando se revela,
não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p’ra ela,
mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente.
Cala: parece esquecer.

Ah, mas se ela adivinhasse,
se pudesse ouvir o olhar,
e se um olhar lhe bastasse
pra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
quem quer dizer quanto sente
fica sem alma nem fala,
fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
o que não lhe ouso contar,
já não terei que falar-lhe
porque lhe estou a falar…"

(Fernando Pessoa)

SOZINHA...

"solidão que tanto temem
que tanto ignoram o bem que faz.
Sozinha não minto, não finjo
não causo nenhum escarcéu.
Sozinha não maltrato, não disfarço
não há pesquisa que me sonde.
Sozinha não retruco, não provoco
não deixo ninguém sem resposta.
Sozinha não julgo nem condeno
não trato ninguém como réu.
Sozinha não grito, não rogo praga
não renego meu deleite.
Sozinha não trapaceio, não peco
não falto nem chego atrasada.
Sozinha não sumo, não volto
não tenho presença notada.
Sozinha eu sou quem eu posso.
Sozinha eu faço o que quero.
Sozinha não há céu que me rejeite..."
(Martha Medeiros)

ONDE TE POSSO ENCONTRAR?

Fecho os olhos e imagino-a de todas cores.
Além de multicolor,
possui uma brilhante transparência
capaz de entrar pela tua pele,
penetrar a tua carne em direção ao teu coração.
Uma vez ali alojada, discretamente apaga
e limpa todos esses pedaços de dor.
Absorve a mágoa. Absorve o medo.
limpa todas as más memórias.
Viaja por todo o teu coração,
certificando-se de que cada artéria
ficou limpa de toda a negatividade.
Cada veia, cada célula,
cada plaqueta deverá ser limpa de toda a dor.
Uma vez o teu coração limpo e renovado,
a esponja despede-se.
Pego nessa esponja cheia de dor e lavo-a no mar,
renovando-a a ela também,
levando para longe toda a dor.
Onde te posso encontrar,
esponja mágica?"
(Pedro Pan Pina)

BREVE

"É só o tempo de acordar
suspenso nas cores de um paraíso
que embriaga esta nossa corrida.
É só o instante de sentir
o perfume da flor escondida
que as mãos não saberão colher.
É só o momento de querer
abraçar outro eu que está só
algures à espera de um sorrir.
É só o tempo de ser breve,
beber num sopro este existir
e morrer sem outro acordar."
(Miguel do Carmo)

O AMOR É UMA COMPANHIA

"Já não sei andar só pelos caminhos,
Porque já não posso andar só.
Um pensamento visível
faz-me andar mais depressa
E ver menos, e ao mesmo tempo
gostar bem de ir vendo tudo.
Mesmo a ausência dela
é uma coisa que está comigo.
E eu gosto tanto dela
que não sei como a desejar.
Se a não vejo, imagino-a
e sou forte como as árvores altas.
Mas se a vejo, tremo,
não sei o que é feito
do que sinto na ausência dela.
Todo eu sou qualquer força
que me abandona.
Toda a realidade olha para mim
como um girassol
com a cara dela no meio..."
(Fernando Pessoa/Alberto Caeiro)

ESTUDO DE NU

"Essa linha que nasce nos teus ombros,
Que se prolonga em braço, depois mão,
Esses círculos tangentes, geminados,
Cujo centro em cones se resolve,
Agudamente erguidos para os lábios
Que dos teus se desprenderam, ansiosos.
Essas duas parábolas que te apertam
No quebrar onduloso da cintura,
As calipígias ciclóides sobrepostas
Ao risco das colunas invertidas:
Tépidas coxas de linhas envolventes,
Contornada espiral que não se extingue.
Essa curva quase nada que desenha
No teu ventre um arco repousado,
Esse triângulo de treva cintilante,
Caminho e selo da porta do teu corpo,
Onde o estudo de nu que vou fazendo
Se transforma no quadro terminado..."
(José Saramago)

NASCIMENTO ÚLTIMO

"Como se não tivesse substância
e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha
e dormir na sombra.
E germinar no sono,
germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite, lentamente,
sob uma chuva densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo
num sorriso de nada.
No encontro e no abandono,
na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento,
na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui,
o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam
o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser,
os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios
a morte perder-se-ia..."
(António Ramos Rosa)

UMA IMAGEM NO ESPELHO

Existe essa imagem que vejo no espelho,
que talvez seja eu,
que talvez exista e seja real.
Talvez seja o verdadeiro Eu.
Fecho os olhos
e a imagem que vejo na minha mente
é a imagem que tenho de mim.
Uma imagem pequena, frágil.
É uma imagem muito parecida
com a imagem que acredito
que os outros têm de mim.
Mas esse eu, não é o eu que quero projetar.
Quero um Eu forte,
que os outros vejam uma imagem grande.
No entanto existe um quinto eu,
a imagem que os outros têm de mim.
Essa, desconheço-a, apesar de achar
que se assemelha à pequena imagem
que tenho de mim mesmo.
Existo eu, a imagem que tenho de mim mesmo,
a imagem que os outros têm de mim,
a imagem que acho que os outros têm de mim,
e a imagem que gostaria de projetar.
E essa imagem que vejo no espelho,
esse Eu real, quem é?"
(Pedro Pan Pina)

IMPREVISTO CORRIGIDO

"Se minto? Quantas vezes!
Mas em palavras.
Não nos meus olhos castanhos,
Nestas linhas atávicas da mão…
Se minto?... Minto, pois!
Mas nas orais palavras que vos digo,
Não nas que estão a sós comigo,
E em que enfim deixo de ser dois.
Não nas que entrego a músicas, miragens,
Alegorias, fábulas, mentiras,
Cadências, símbolos, imagens,
Ecos da minha e mil milhões de liras.
Se minto?... Minto!
É regra de viver.
Mas não quando, poeta, me desnudo,
E a mim me visto de inocência e a tudo.
Venha quem saiba ver!"
(José Régio)

VERSOS QUASE TRISTES

"Trago no sangue o mistério
daquele resto de estrada
que não andei...
E era talvez ali
que eu ia ser feliz:
ali
que viriam as fadas pra contar-me
os contos lindos das princesas
e de palácios e de florestas
que ficaram por contar;
ali que havia de abrir-se
o tal jardim
com flores que nunca morrem
ou, se morrem, há-de ser
na pujança da frescura
por medo de envelhecer...
Mas não passei além da curva...
O meu alento
já dobrou o joelho, desistiu.
E eu sei tão bem
que há glória que me chama
e que tudo que digo aqui, ou faço,
é só arremedar, adivinhar,
o que, pra lá da curva que não passo,
havia de fazer ou de dizer!
E eu sei tão bem
que sem tomar nas mãos a glória apetecida
me não contento!...
- Por que é que tu és só pressentimento,
minha vida?"
(Sebastião da Gama)

A MINHA SOLIDÃO

"A minha solidão não é uma invenção
para enfeitar noites estreladas…
Mas este querer arrancar
a própria sombra do chão
e ir com ela pelas ruas de mãos dadas.
Mas este sufocar entre coisas mortas
e pedras de frio
onde nem sequer há portas para o calafrio.
Mas este rir-me de repente
no poço das noites amarelas…
-única chama consciente
com boca nas estrelas.
Mas este eterno Só-Um
-mesmo quando me queima a pele o teu suor-
sem carne em comum com o mundo em redor.
Mas este haver entre mim e a vida
sempre uma sombra que me impede
de gozar na boca ressequida
o sabor da própria sede.
Mas este sonho indeciso
de querer salvar o mundo
-e descobrir afinal que não piso
o mesmo chão do pobre e do vagabundo-.
Mas este saber que tudo me repele
no vento vestido de areia…
e até, quando a toco, a própria pele
me parece alheia…
Não. A minha solidão
Não é uma invenção
Para enfeitar o céu estrelado…
Mas este deitar-me de súbito
a chorar no chão
e agarrar a terra para sentir
um corpo vivo a meu lado..."
(José Gomes Ferreira)

NUNCA É DEMAIS RESPONDER SIM

"Nunca parti deste cais
e tenho o mundo na mão!
Para mim nunca é demais
responder sim
cinquenta vezes a cada não.
Por cada barco que me negou
cinquenta partem por mim
e o mar é plano e o céu azul
sempre que vou!
Mundo pequeno para quem ficou..."
(Manuel Lopes)

O SILÊNCIO

"Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,
e o sono,
a mais incerta barca, inda demora,
quando azuis irrompem os teus olhos
e procuram nos meus navegação segura,
é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,
pelo silêncio fascinadas..."
(Eugénio de Andrade)

ESTE CORAÇÃO PARTIDO

"As raizes da confiança que depositaste em mim,
foram quebradas como um pilar partido ao meio.
Destruí os alicerces dessa construção.
Cortei a árvore e as raízes que nos uniam.
Quero dizer-te que não fui eu que o fiz.
Quero dizer-te que não, mas o meu corpo estava lá,
deitado nessa cama, que não era a nossa.
Eu sei, que eu não estava lá,
mas vejo o meu corpo nessas memórias
que torturam o teu coração.
Hoje, vejo que a minha alma não tinha a força
para pegar nesse machado que partiu
a tua confiança em mim, mas o meu corpo traiu-te.
Não existem razões para o ter feito,
e por mais razões que existam,
e por mais razões que te dê,
continuam a não existir razões
que justifiquem esse corpo ali deitado.
Traí-te. Hoje condeno o meu corpo,
que tu condenaste a dormir sozinho,
e castigo-o ao carregar dentro dele
este coração partido
com a confiança que ele partiu..."
(Pedro Pan Pina)

DOÇURA DO SILÊNCIO

"O céu escureceu e a chuva veio rápida
Fez pessoas correrem pisando poças d’água
Com passos desencontrados...
Hipnotizou sob as marquises toda gente
E os olhares se tornaram distantes
Perdidos em quietudes e coisas do coração.
Do lado de dentro de uma das janelas
Uma moça olhava o embaçado do vidro
Com a ponta do dedo e riscos de inundação.
Inventou a imagem de um namorado
Desejou que ele permanecesse
Ficou imóvel como esperasse um beijo
Para não acordar a doçura do silêncio..."
(Antonio Miranda Fernandes)

A TUA IMAGEM

"Tenho a tua imagem gravada
no mais fundo do meu coração:
Olhos internos, fibras e nervos te vêem...
Corre no meu sangue como um rio
E eu deixo-me levar na corrente do teu ser.
Bebo a tua seiva e ergo-me
como a coluna do templo
Em que és Rainha e minha,
No mais sagrado altar
em que te posso abrigar.
Guardam-me a alma os teus olhos
Que me seguem a cada silêncio
e em cada gesto.
Queria abraçar-te o ventre
e adormecer suavemente a teus pés...
Como o pedinte à porta de uma igreja
ou o nómada no deserto
A minha sede de ti é eterna,
ó mãe do céu
E da terra em que nasci!"
(Rosa Leonor Pedro)

O INTERIOR DO INVISÍVEL

"Esquece o mundo e comanda o mundo.
Sê a lâmpada, o barco salva-vidas,
a escada.
Sai de tua casa e, como o pastor,
ajuda a curar a alma do teu próximo.
Entra no fogo espiritual
e deixa-te calcinar.
Sê o pão bem assado,
sê o senhor da mesa.
Vem, sacia teus irmãos.
Tu, que tens sido a fonte da dor,
sê agora o deleite.
Viveste como uma casa sem alicerces.
Sê agora o Um que perscruta
o interior do invisível.
Silêncio.
E depois, mais silêncio.
Não uses a boca para falar.
A boca é para provar dessa doçura..."
(Rumi)

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

AS RECORDAÇÕES QUE TENHO DE TI

"Se essa parte do meu lobo cerebral
tem desenhada a tua imagem,
quero cortá-la.
Faz-me um orifício no crânio,
entra dentro do meu cérebro
e retira-me essas memórias.
Não quero saber de efeitos secundários,
posso até ficar sem efeitos,
mas retira-me esse lobo límbico
que me tortura diariamente.
Eu, sozinho, com a minha mão,
não chego lá.
Não te consigo retirar de mim.
Abre-me a caixa craniana,
encontra a tua memória,
corta-a e retira-a.
Podes até retirar
todos os pedaços à sua volta.
Podes até retirar
todos os lobos cerebrais.
Tenho a certeza que viver
dentro de uma caixa craniana vazia,
não me tortura tanto
como as recordações que tenho de ti..."
(Pedro Pan Pina)

UMA VIAGEM LIBERTADORA

"Ele deita-se calmamente sobre a água fria.
Vejo o seu corpo desaparecer.
Fecha os olhos pesados
e mergulha num mar de memórias quentes
que refletem toda a sua vida.
O seu corpo despido de roupa
e de medos adormece dentro do mar.
E sem saber nadar inicia aqui
a viagem libertadora da vida.
Antes de fechar os olhos,
olhou para as suas pegadas gravadas na areia
enquanto engolia esses pequenos comprimidos
numa mão cheia de adeus.
Ele deita-se calmante sobre essa água
agora sem qualquer temperatura
já que o seu corpo se liberta de si mesmo
para poder sentir seja o que for.
Foi assim que imaginou essa viagem libertadora
até ao fundo do mar.
É assim que um dia
se irá calmamente despedir..."
(Pedro Pan Pina)

OLHA AQUI...

"Olha aqui,
eu quero que você saiba.
Antes disso, olha aqui.
Viu que tem uma lagoa dentro desses olhos?
Saiba que eles são para você nadar.
Eu tenho a mais séria das instruções
quando eu digo: -pule com raiva neles.
À noite, o sol queima por aqui.
Arde, mas queimar é preciso.
Fique bem sujo, venha se limpar aqui.
Olha, você nunca vê
o que está bem na frente do seu nariz.
Você nem gasta a compreensão.
Sabe de uma coisa?
Eu já acertei tudo para você.
Olha aqui...
Só veja, você vai gostar, não desvie.
Algo me diz que viver
é bem mais que esquecer..."
(Lívia Vasconcelos)

MARES CASTANHOS

"Eu e meus olhos
Inclusive os que estão nos outros
Eles são meus,
mas eu nunca sou deles.
Eu e minha boca
Inclusive a sua
Algumas vezes a minha é sua,
outras, a sua é minha.
Geralmente termina tudo assim,
no céu delas, no mar deles.
A boca, alguns já me levaram
Mas os olhos, eles são sempre meus,
não se atreva..."
(Lívia Vasconcelos)

UMA ORAÇÃO...

"Que meu medo de te amar,
meu grande amor,
aterre em um cacho da minha malícia
e escorregue até se espalhar
e ir cair quase morto
dentro de uma panela de barro.
Caro Deus,
Não sabia que amar e desamar
fossem apenas atalhos
de todos os dias..."
(Maritza Garcia)

EU QUERO QUE A SOLIDÃO ME ESQUEÇA...

"Nunca fui de ter inveja,
mas de uns tempos pra cá tenho tido.
As mãos dadas dos amantes
tem me tirado o sono.
Ontem, desejei com toda força
ser a moça do supermercado.
Aquela que fala do namorado com tanta ternura.
Mesmo das brigas ando tendo inveja.
Meu vizinho gritando com a mulher,
na casa cheia de crianças,
sempre querendo, querendo.
Me disseram que solidão é sina e é pra sempre.
Confesso que gosto do espaço que é ser sozinho.
Essa extensão, largura, páramo,
planura, planície, região.
No entanto, a soma das horas
acorda sempre a lembrança do hálito quente do outro.
A voz, o viço.
Hoje andei como louca,
quis gritar com a solidão,
expulsar de mim essa nossa senhora ciumenta.
Madona sedenta de versos.
Mas tive medo.
Medo de que ao sair levasse a imensidão onde me deito.
Ausência de espelhos que dissolve a falta,
a fraqueza, a preguiça.
E me faz vento, pedra, desembocadura,
abotoadura e silêncio.
Tive medo de perder o estado de verso e vácuo,
onde tudo é grave e único.
E me mantive quieta e muda.
E mais do que nunca tive inveja.
Invejei quem tem vida reta,
quem não é poeta nem pensa essas coisas.
Quem simplesmente ama e é amado.
E lê jornal domingo.
Come pudim de leite e doce de abóbora.
A mulher que engravida porque gosta de criança.
Pra mim tudo encerra
a gravidade prolixa das palavras:
madrugada, mãe, ônibus, olhos,
desabrocham em camadas de sentido,
e ressoam como gongos
ou sinos de igreja em meus ouvidos.
Escorro entre palavras,
como quem navega um barco sem remo.
Um fluxo de líquidos.
Um côncavo silêncio.
Clarice diz, que sua função é cuidar do mundo.
E eu, que não sou Clarice nem nada,
fui mal forjada,
não tenho bons modos nem berço.
Que escrevo num tempo onde tudo já foi falado,
cantado, escrito.
O que o silêncio pode me dizer
que já não tenha sido dito?
Eu, cuja única função é lavar palavra suja,
nesse fim de século sem certeza?
Eu quero que a solidão me esqueça..."
(Viviane Mosé)

ALGO MAIOR QUE EU SOU...

"Toda poesia é uma despedida.
Você disse adeus
e deixou em mim um vazio descomunal.
Desde então,
encobri minha dor com um manto azul:
um amor e uma mágoa.
Eu lavei meu rosto com palavras tristes
quando acenou-me tchau.
De vez em quando,
todos os olhos se voltam
contra meus passos distraídos.
No fundo, a espera que eu seja
algo maior que eu sou..."
(Caio Fernando Abreu)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A AMIZADE E O AMOR

"Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...
O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.
O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.
No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.
O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida
companheira.
Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.
Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração..."
(William Shakespeare)

EU ETIQUETA

"Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens, letras falantes,
Gritos visuais, ordens de uso,
Abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência, indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar, ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
-Qualquer principalmente.-
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou -vê lá- anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares, festas, praias, pérgulas, piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente."
(Carlos Drummond de Andrade)

NA NOITE TERRÍVEL

"Na noite terrível,
substância natural
De todas as noites,
Na noite de insônia,
substância natural
De todas as minhas noites.
Relembro,
Velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz
E o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo
Como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado
-Esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres
Pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser
Que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados
pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui,
O que eu não fiz,
o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo
Que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo
Que deveria ter sido
Isso é que é morto
Para além de todos os Deuses,
Isso e foi afinal o melhor de mim
É que nem os deuses fazem viver...
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda
Em vez de para a direita;
Se em certo momento tivesse dito sim
Em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa tivesse dito as frases
que só agora, no meio-sono, elaboro...
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje,
E talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente
Levado a ser outro também.
Mas não virei para o lado
Irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar,
E só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim,
E só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer
Nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi,
Nem será para trás, me dói.
O que falhei deveras
Não tem esperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser que para outro mundo
Eu possa levar o que sonhei,
Mas poderei levar para outro mundo
O que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver,
É que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre,
Para todo o tempo, para todos os universos,
Nesta noite em que não durmo,
E o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar,
Com a esperança que não tenho,
É invisível p'ra mim..."
(Fernando Pessoa)

SONETO DO AMOR PROIBIDO

"Em que parte da casa
Nosso amor se perdeu?
Ficou no canto do quarto
Ou no jardim que era teu?

Em que parte da vida
A intimidade acabou?
Está na gaveta escondida
Ou cansada partiu e nos deixou?

Se perdeu pelo tempo...
Ou quis ficar para trás?
Estará de frio tremendo
Ou apenas atracada pelo cais?

Em que parte da música
Parou de cantar?
Será que dela se cansou?
Ou simplesmente parou de escutar?

As chamas daquele amor febril
Hoje já não ardem mais
As labaredas deste amor senil
Se apagaram e ficaram para trás.

Dúvidas povoam meus pensamentos
As incertezas zombam de mim
Do amor que era um jardim suspenso
Restou só lembranças perfumadas de jasmim."

(Serena)

CANÇÃO DO AMOR SERENO...

"Vem sem receio: eu te recebo
Como um dom dos deuses do deserto
Que decretaram minha trégua , e permitiram
Que o mel de teus olhos me invadisse.
Quero que o meu amor te faça livre,
Que meus dedos não te prendam
Mas contornem teu raro perfil
Como lábios tocam um anel sagrado.
Quero que o meu amor te seja enfeite
E conforto, porto de partida para a fundação
Do teu reino, em que a sombra
Seja abrigo e ilha.
Quero que o meu amor te seja leve
Como se dançasse numa praia uma menina."
(Lya Luft)

RESPIRANDO A VIDA

"Respiro as boas novas de um Dia
Que me vem com cheiro de paz e recomeço.
Consagro meu melhor sentimento
Com esperança brilhando no olhar
Acreditando que nuvens escuras
Se dissiparão, mostrando a soberania
de um sol pleno em alegria.
Respiro a vontade de viver
Com a leveza de um ser mais sereno,
Consciente do poder de um gesto amigo,
Um sorriso e um desejo de felicidade
Absoluta dentro do coração..."
(Cida Luz)

A IMPORTÂNCIA DA VIDA

"Deus costuma usar a solidão
para nos ensinar sobre a convivência.
Às vezes, usa a raiva
para que possamos compreender
o infinito valor da paz.
Outras vezes usa o tédio,
quando quer nos mostrar a importância
da aventura e do abandono.
Deus costuma usar o silêncio
para nos ensinar
sobre a responsabilidade do que dizemos.
Às vezes usa o cansaço,
para que possamos compreender
o valor do despertar.
Outras vezes usa a doença,
quando quer nos mostrar
a importância da saúde.
Deus costuma usar o fogo,
para nos ensinara andar sobre a água.
Às vezes, usa a terra,
para que possamos
compreender o valor do ar.
Outras vezes usa a morte,
quando quer nos mostrar
a importância da vida..."
(Fernando Pessoa)

HOJE

"A vida é o dever
que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando, pelo caminho,
a casca dourada e inútil das horas.
Desta forma, eu digo:
Não deixe de fazer algo que gosta
devido à falta de tempo;
a única falta que terá, será desse tempo
que infelizmente não voltará jamais..."
(Mário Quintana)

O CAMINHO

"Ninguém pode construir em teu lugar
as pontes que precisarás passar,
para atravessar o rio da vida
-ninguém, exceto tu, só tu.
Existem, por certo,
atalhos sem números, e pontes,
e semi-deuses que se oferecerão
para levar-te além do rio;
mas isso te custaria a tua própria pessoa;
tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho
por onde só tu podes passar.
Onde leva?
Não perguntes, segue-o..."
(Nietzsche)

SOU COMO A ÁGUA

"Sou como a água.
Nenhuma barreira poderá represar-me
e impedir que me torne um oceano.
Se barrarem minha passagem
colocando grandes pedras no meu leito
converter-me-ei em torrente,
em cachoeira, e saltarei impetuosa.
Se me fecharem todas as saídas,
eu me infiltrarei no subsolo.
Permanecerei oculta por algum tempo
mas não tardarei a reaparecer.
Em breve estarei jorrando
através de fontes cristalinas
para saciar a sede dos transeuntes.
Se me impedirem também
de penetrar no subsolo,
eu me transformarei em vapor,
formarei nuvens e cobrirei o céu.
E, chegando a hora, atrairei furacão,
provocarei relâmpagos,
desabarei torrencialmente,
inundarei e romperei quaisquer diques
e serei finalmente um grande oceano..."
(Patricia Faria)

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

EU APENAS AMO VOCÊ...

"O que você sempre escondeu de mim
Hoje aparece em cada palavra sua que escuto
O carinho que antes era tão amigo
Hoje se transforma em todo o amor que preciso
Tantas vezes te olhei e nunca te contei
Que tudo o que eu realmente queria estava em você
Não sei se é vergonha de dizer
Só sei que hoje você é todo o meu querer
Não preciso saber se amanhã vai ser chuvoso
Só preciso e quero saber se você está bem
E eu não me importo de dirigir por horas
só para ficar ao seu lado
Porque isto é tudo o que mais quero
Não tenho paciência para esperar o tempo passar
Por isso que digo que o amor com o tempo aparece
Porque tudo isso que sinto é amor
E é com o amor que mais me identifico
Não quero negar que estou louco para poder te abraçar
Muito menos dizer que não queria ver você
Pois tudo o que penso esta saindo junto ao meu dizer
Eu apenas amo você..."
(Juan Carlos)

TUDO O QUE TENHO...

"As vezes, eu penso em você
Em como você pode conseguir
As vezes, eu sangro por você
Por não saber sobre o que conversar
Eu vou cair
O que você pretende fazer
Depois de te encontrar novamente?
Tudo o que tenho
São frases engasgadas
Rabiscos em uma foto rasgada
Um coração ligeiramente rasurado
Como podemos fazer isto tudo
Isto tudo conosco
Como dois estranhos...
Que dividem o mesmo coração.
Agora o fim está tão próximo de acontecer
E você é tudo o que tenho...
Eu vou cair novamente..."
(Juan Carlos)

UM DIA DE CADA VEZ...

"São bocados de lembranças atadas ao tempo
Que parecem não ter forma, ambiente, se quer cor.
Ensurdeço nesta ânsia de atrasar o tal momento
Desejo uterino de ouvir o pulsar, sentir o calor.
Nossos opostos acumulados eram emoção e razão
Feitas da mesma matéria éramos causa e efeito.
Hoje meu olhar vaga, nada assimila com exatidão.
É meu coração pulsando, agora fora do peito.
E fica uma sensação de busca interminável
Parece esquina errada, assunto mal acabado.
Hoje, metade de mim domina a dor implacável.
E a outra metade abraça um ser fragmentado.
Munida de força e fé, acredito com altivez.
Sustentando esta saudade, um dia de cada vez..."
(Glória Salles)

NÃO SE ENGANE

"Não se iluda com meus carinhos
pois, eles são habituais,
nem com minha fala mansa e sorriso
que são meus predicados naturais.
Não espere tudo com facilidade
posso proporcionar momentos felizes,
mas, talvez nunca a felicidade.
Das minhas mãos obterás carícias
em meu corpo encontrarás o calor
da minha boca muitos beijos ardentes
talvez, nenhuma perspectiva de amor.
Porém, de uma coisa pode ter certeza:
Falsidade em mim jamais encontrarás
embora nunca diga que eu te amo
mentiras...
de minha boca não ouvirás..."
(Valter Montani)

UM AMOR VERDADEIRO

"É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes e como arranjas
os cabelos e como a tua boca sorri,
ágil como a água da fonte
sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde vem
nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita de luz e pão e sombra,
eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi,
que o leiam aqui e retrocedam hoje
porque é cedo para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor,
uma folha que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caí­do das nossas alturas invencí­veis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro..."
(Pablo Neruda)