sábado, 26 de setembro de 2009

ACABOU O SONHO...

"É, acabou.
Acabaram as tardes aos bancos na praça ,
a poesia vindo meio sem graça num sinal no rosto leitoso,
acabou essa segurança que a gente acha que tem
mas nunca nos pertenceu...
Acabou a maneira como eu me via refletido no espelho
-lindo, lindo, lindo da sua forma de ser.
É difícil expor assim aos quatro ventos indefinidos
que sem o que não restou é difícil saber para onde ir.
O lar não mais contém o açúcar e o leite.
Minhas pupilas não medram uma realidade fausta como outrora.
Seria avareza chamar o sonho que morre de morte.
Nesta aridez, só, eu vivo, vivo sim.
Mas a solidão é tanta que não resta a quem dizer,
não resta ser porque não resta você.
Não mais restam os portos estelares
O que resta num ou noutro lábio abençoado
me faz recordar que eu já fui muitos outros e outras.
Já tive anseios como tu,
e já fui matador de almas caridosas,
e ódio e amor corroentes são a herança da minha matéria.
Resta-me alguma luz.
Aposento-me destas bobeiras etéreas
como o mar e o luar e faço o que me resta:
chorar até que se desfaçam os laços irremediáveis
dessa roda que gira e gira e gira..."
(King Mob)

NOITES DE SONHOS...

"Há quem diga que todas as noites são de sonhos.
Mas há também quem diga nem todas,
só as de verão.
Mas no fundo isso não tem muita importância.
O que interessa mesmo não são as noites em si,
são os sonhos.
Sonhos que o homem sonha sempre.
Em todos os lugares, em todas as épocas do ano,
dormindo ou acordado".
(William Shakespeare)

ME ENCANTE...

"Me encante da maneira que você quiser, como você souber.
Me encante para que eu possa me dar.
Me encante nos mínimos detalhes.
Saiba me sorrir,
aquele sorriso malicioso e gostoso, inocente e carente.
Me encante com suas mãos, gesticule quando for preciso,
me toque, quero correr esse risco.
Me acarinhe se quiser, vou fingir que não entendo,
que nem queria esse momento.
Me encante com seus olhos, me olhe profundo,
mas só por um segundo, depois desvie o seu olhar,
como se o meu olhar, não tivesse conseguido te encantar...
E então, volte a me fitar, tão profundamente,
que eu fique perdido sem saber o que falar.
Me encante com suas palavras, me fale dos seus sonhos,
dos seus prazeres, me conte segredos, sem medos...
E depois me diga o quanto eu te encantei.
Me encante com serenidade, mas não se esqueça,
também tem que ser com simplicidade, não pode haver maldade.
Me encante com uma certa calma,
não tenha pressa, tente entender a minha alma.
Me encante como você fez com o primeiro namorado,
sem subterfúgios, sem cálculos, sem dúvidas, com certezas.
Me encante na calada da madrugada,
na luz do sol ou embaixo da chuva.
Me encante sem dizer nada ou até dizendo tudo,
sorrindo ou chorando, triste ou alegre...
Mas me encante de verdade, com vontade...
que depois, eu te confesso que me apaixonei
e prometo te encantar todos os dias,
do resto das nossas vidas..."
(João Carlos Horbatiuk)

UMA FLOR SELVAGEM

"O amor é uma escultura que se faz sozinha.
É uma flor inesperada sem estação do ano
para surgir nem para morrer.
Vai sendo esboçada assim ao léo:
aqui a sobrancelha se arqueia,
ali desce a curva do pescoço,
a mão toca a ponta de um pé,
no meio estende-se a floresta das mil seduções.
Imponderável como a obra de arte,
o amor nem se define nem se enquadra:
é cada vez outro, e novo, embora tão velho.
Intemporal. Planta selvagem,
precisa de ar para desabrochar
mas também se move nos vãos mais escuros,
em ambientes sufocantes onde rebrilham
os olhos malignos da traição ou da indiferença,
e a culpa o pode matar.
O convívio é o exercito do amor na corda bamba.
Os corpos se acomodam,
as almas se espreitam, até se complementam.
Mas pode-se cair no tédio – sem rede –,
e bocejar olhando pela janela.
Inventamos receitas para que o amor melhore,
perdure, se incendeie e renove...
nem murche nem morra.
Nenhuma funciona:
ele foge de qualquer sensatez,
como o perfume das maçãs escapa num cesto de vime tampado.
Se fossemos sensatos haveríamos de procurar nem amar,
amar pouco, amar menos, amar com hora marcada e limites.
Mas o amor, que nunca tem juízo,
nos prega peças quando e onde menos esperamos.
Nunca nos sentimos tão inteiros
como nesses primeiros tempos em que estamos fragmentados:
tirados de nós mesmos e esvaziados de tudo o mais,
plenos só do outro em nós.
Nos sentimos melhor, mais bonitos,
andamos com mais elegância,
amamos mais os amigos,
todo mundo foi perdoados,
nosso coração é um barco
para o qual até naufragar seria glorioso...
Mais que isso, nesse castelo
– como em qualquer castelo – não pode haver dois reis.
Quem então cederá seu lugar, quem será sábio,
quem se fará gueixa submissa ou servo feliz,
para que o outro tome o lugar e se entronize e... reine?
A palavra “liberdade” teria de ser mais presente,
porém é mais convidada a discretamente afastar-se
e permitir que em seu lugar assuma o comando alguma subalterna:
tolerância, resignação, doação, adaptação.
Rondando o fosso do castelo, a vilã de todas a culpa.
Quem deixou sobre minha mesa o bilhete dizendo
“se você ama alguém, deixe-o livre” sabia das coisas,
portanto sabia também o desafio que me lançava.
No mundo das palavras há tantos artifícios quantas são as nossas contradições.
Por isso, conviver é tramar, trançar, largar, pegar, perder.
E nunca definitivamente entender o que
– se fossemos um pouco sábios – deveríamos fazer.
Farsa, tragédia grega, outras soneto perfeito:
o amor, com as palavras,
se disfarça em doces armadilhas ou lâminas..."
(Lya Luft)

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

DIZEMOS QUE NÃO PROCURAMOS O AMOR...

"Dizemos que não procuramos um amor.
É mentira, é claro que procuramos o amor.
Só que como tememos já não o encontrar,
temos a tendência para enumerar aquilo que nos faz falta.
Então dizemos que queremos encontrar alguém
que se encaixe nas nossas "faltas".
Como se a nossa vida não se alterasse nem um centímetro
e pudessemos ainda preencher os nossos vazios.
Mas falaremos nós de pessoas reais
ou de um adorno que podemos usar
e disfrutar quando nos apetece.
É arrepiante pensar que, também no amor,
as pessoas possam existir na vida umas das outras
no contexto do útil.
Quando procuramos encontrar alguém
que obedeça às nossas "regras",
às nossas "faltas",
nosso "tipo",
estamos a afastar por completo
a mais simples linguagem do amor
que é a da descoberta e do encontro.
Quem tenta encontrar pessoas
com o mesmo movimento com que se procura um objeto,
já envelheceu para o amor
nunca soube que ele é coisa viva,
inesperada, por isso,
simultâneamente volúvel e constante.
Talvez até não sejamos a nós a encontrá-lo,
é o amor encontra..."

UM LUGAR ASSIM...

"Talvez todos queiramos um dia
viver um amor sem tempo
e sem lugar definidos.
Um amor sem passado nem futuro,
onde cada momento de encontro
transborde vida, exaltação.
Um amor que não pergunte, nem responda.
Um amor que seja apenas um breve voo,
a inconstância das dunas,
suave e tórrido como o sol.
Talvez nesse lugar indefinido
se cumpra apenas a essência das coisas,
ou seja não as rosas,
mas a ideia e o perfume das rosas,
não o oceano,
mas a força e a espuma do mar.
O mais difícil é aceitar que essa exuberância
ter-se-á de se viver como quem vive uma estação
e não mais do que isso,
senão tudo se concretiza e perde..."

AMAR É RARO...

"Amar é dar,
derramar-me num vaso que nada retém
e sou um fio de cana por onde circulam ventos e marés.
Amar é aspirar as forças generosas que me rodeiam,
o sol e os lumes, as fontes ubérrimas
que vêm do fundo e do alto, água e ar,
e derramá-las no corpo irmão,
no cadinho que tudo guarda e transforma
para que nada se perca e haja um equilíbrio perfeito
entre o mesmo e o outro que tu iluminas.
Dar tudo ao outro,
dar-lhe tanta verdade quanta ele possa suportar,
e mais e mais;
obrigar o outro a elevar-se a um grau superior de eminência,
fulguração, mas não tanto que o fira ou destrua
em overdose que o leve a romper o contrato
- o difícil equilíbrio dos amantes!
Amar é raro porque poucos somos capazes de respirar
as vastas planícies com a metade do seu pulmão;
e amar é raro porque poucos aceitam a presença do seu gêmeo
a boca insaciável de um irmão
que todos os dias o vento esculpe e destrói..."
(Casimiro de Brito)

JÁ NÃO TE AMO...

"Já não te amo como no primeiro dia.
Já não te amo.
No entanto continuam em volta dos teus olhos,
sempre, estas imensidades que rodeiam o olhar
e esta existência que te anima no sono.
Continua também esta exaltação
que me vem por não saber o que fazer disto,
deste conhecimento que tenho dos teus olhos,
das imensidades que os teus olhos exploram,
por não saber o que escrever sobre isso,
o que dizer, e o que mostrar
da sua insignificância original.
Disso, sei apenas o seguinte:
que já não posso fazer nada
a não ser suportar esta exaltação
a propósito de alguém que estava ali,
de alguém que não sabia que vivia
e de quem eu não sabia que vivia,
de alguém que não sabia viver dizia-te eu,
e de mim que o sabia e que não sabia que fazer disso,
desse conhecimento da vida que ele vivia,
e que também não sabia que fazer de mim.
Dizem que o tempo do pleno verão já se anuncia,
é possível. Não sei.
Que as rosas já ali estão, no fundo do parque.
Que às vezes não são vistas por ninguém
durante o tempo da sua vida e que ficam assim
ali no seu perfume esquartejadas durante alguns dias
e que depois se deixam cair.
Nunca vistas por esta mulher solitária que esquece.
Nunca vistas por mim, morrem.
Estou num amor entre viver e morrer.
É através desta ausência do teu sentimento
que reencontro a tua qualidade,
essa, precisamente, de me agradares.
Penso que apenas me interessa que a vida não te deixe,
outra coisa não,
o desenvolvimento da tua vida deixa-me indiferente,
não pode ensinar-me nada sobre ti,
só pode tornar-me a morte mais próxima,
mais admissível, sim, desejável.
É assim que permaneces face a mim, na doçura,
numa provocação constante,
inocente, impenetrável.
E tu não sabes..."
(Marguerite Duras)

TUDO TEM A SUA HORA CERTA...

"Já não faço perguntas.
Tão pouco me interessam as respostas.
Só a alma que desabita os lugares
escapa à moldura dos apegos.
Tudo o mais é circunstância e perspectiva.
Heróico é o olhar que se alonga no horizonte
até à reserva sem fundo do infinito.
Não se pode ficar no mesmo lugar para sempre.
De braços arrumados ao longo do corpo.
Na pausa aparente de um tempo que não pousa.
Tudo tem a sua hora certa.
Desacertada pelo acerto do relógio.
E entre a volta do ponteiro
e a queda de uma estrela,
damos o braço ao tempo.
A tempo de não morrer já..."
(Maria José Quintella)

ODE DO FIM DA PAIXÃO

"Agora que a paixão se demoveu de ti
são poucas as notícias que te trago.
As palavras bem podem ser
pequenos papéis atirados ao chão.
Se o vento as levantar
é porque ainda haverá um livro de poemas
nas pontas dos dedos a ferir o espaço
para um último batimento...
Deixaste-me assim com a paixão rápida
o funeral e os pássaros nos ramos
a aprender asneiras
e as marchas de séculos anteriores.
Recusaste um coração a cercania das mãos
a destapar o rosto oculto.
Agora é tarde,
os poemas são vedações de florestas
que não podem crescer mais.
Sem árvores o vento não sopra
e é pouco o que chega até ti..."

TOMA-ME EM TUAS MÃOS...

"Toma-me ainda em tuas mãos
e não perguntes nada.
Nem sequer dês um nome aos gestos
que se abrigam como um fruto,
uma promessa, um murmúrio
nas fogueiras ateadas em junho.
Juro que vou escolher palavras que não doam
parecidas com as que sempre encontrava nas camas
em que tantas vezes te enterrei por dentro do meu corpo.
Toma-me ainda em tuas mãos.
Eu sei que temos pouco tempo
que não queres inventar novos ardis
para um desamor tão velho,
mas vais ver o mundo é apenas isto
e para isto não procures nenhuma filosofia redentora
porque tudo é no fim de contas tão banal...
Podes por isso começar a refazer a estrada
Que te levava ao centro dos meus dias
e esperar que eu chegue com um retrato desfocado nas mãos
na hora certa de abrir para ti as minhas veias..."
(Alice Vieira)

HÁ DE CHEGAR O FIM...

"A demissão da vaidade permite a lucidez
E alivia o peso das horas corretas
Enquanto o zelo da alegria enuncia o respeito pela dor.
A ausência de desejo submete a cor à dúvida,
Compromete a seriedade e o caos numa mesma espera
E limita o espaço onde se movimentam os braços.
A morte da ternura é demasiado lenta
E avança com uma delicadeza suave,
Melodiosa até, que rompe limites até então seguros
E nunca postos em causa pelo corpo.
A água escorre através das fendas
Provocadas pela seca continuada.
Há sinais de mudança
Legitimados pela frescura dos arbustos
Que ladeiam o caminho incerto
Que conduz a um silêncio em construção,
Uma idéia indefinida de prazer sensual e puro
Que permanece...
Toda a paz respira dentro de uma loucura
Reconhecida pelos homens
Que seguem a luz reveladora dos limites
E acrescenta à harmonia
A sede líquida da exclamação correta.
Há de chegar o fim..."
(Rui Almeida)

AMIGOS DE NUNCA MAIS...

"Quero os amigos de longa data do dia que não acaba,
Quero os amigos que tenho na cabeça
Os que tenho em mente nunca conhecer pessoalmente
E não vão ter defeitos os meus amigos de nunca mais...
São eles aqueles com quem jogo cartas
Sem me preocupar com a morada certa
E desabafo com eles como quem tem falta de ar
E converso com eles nos intervalos das discussões
Que o resto do tempo fica para discutir
Quem é mais meu amigo
E fazem concursos para ver quem me lava melhor os pés
Quem me coça melhor as costas
Quem me dá o abraço mais apertado
Sem chegar ao ponto do desconforto...
Tenho tantas saudades deles
Que inventei as saudades que lhes tinha
E pedi que chorassem muito...
E disputam a amizade como um jovem lobo
Que aprende a caçar
E eu dou-me todo por não ter a quem mais me dar
E converso-me as palavras todas
Porque eles não existem.
E canto-me as canções mais doces
E cada vez tenho mais saudades
Dos amigos de nunca mais..."

APATIA...

"Apatia.
O sangue não flui,
Os músculos não ondeiam,
Os ossos não colidem na verdade dos conceitos.
Apatia.
De dentro,
Apenas o também silêncio da seiva coagulada.
Apenas as cãibras esboçando
Um esforço freneticamente ingrato.
Apenas o cálcio esbranquiçado e desgastado,
Lutando bravamente para se separar da carne.
Apatia.
Os sons ornam-se a si mesmos.
Afiguram pirâmides de ecos
Que triangulam sem sentido algum,
Senão o seu próprio sentido.
Os cheiros…
Meros desconhecidos
Que pelo anonimato perdem a vaidade do que são.
Apenas o tato subsiste,
Teimando em querer comprovar
Que o que a mão eleva à boca é uma maçã.
Porque os olhos enganados
Crêem ver uma 9 mm
Destravadamente pronta a disparar.
Bum!...
E os ecos volvem solitários
Na direção dos ponteiros,
Onde estagnam,
Até se soltarem novamente,
cheios do seu sentido..."
(Pedro Rodrigues)

O ÚLTIMO ENCONTRO...

"Sinto-me frágil.
Não é fácil escrevermos quando estamos frágeis.
Apenas o eco das tuas palavras na minha cabeça.
Apenas a ressonância que te neguei
Naquele cerrado mês de agosto,
Quando pensando que já te tinha esquecido,
Me fizeste perder novamente de mim
Com as tuas dúvidas ternas
E a tua confiança acutilante.
Estavas sentada numa cadeira,
Olhando-me nos olhos
E te distanciando deles.
Num estar de corpo presente,
Num estar de querer somente confirmar
Quem de nós dois era o mais confiante.
Talvez fosses tu.
Talvez sejas sempre.
Sempre pequei por pensar em demasia...
Sim, os escritores ficam paralisados
Quando sofrem por amor.
E ficam amedrontados pelo futuro
Enquanto aguardam sem vontade por ele,
Escondidos num lugar onde o mundo se esvai
Em cinzas antes do fogo ter mostrado a sua ira.
Sim, os escritores revivem o passado,
Dentro de si próprios,
De hora a hora,
Cronometrados por um relógio cruel
Chamado de saudade...
Sim, eles sofrem e choram o seu sofrimento.
Eles camuflam-se na escuridão da noite,
Fiéis à convicção de que desse modo,
A sua tristeza não será vista.
Eles passam por aquilo
A que tu chamaste de "período difícil"
E que eu, como escritor do meu próprio destino,
Não tive a bravura necessária para o admitir..."
(Pedro Rodrigues)

SOLDADO

"Creio na incredulidade com que me olhas.
Acredito ainda que não sabes o fim,
Que não o adivinhas por detrás dos olhos baços
E do sorriso que em tempos acreditaste ser tudo o que existia.
Esperas a palavra,
O momento,
Esperas a crueldade de um conjunto de atos
Que te permita ser quem realmente és,
Que te permita soltar todos os verbos amarrados
Por esperas inúteis e sonhos ancorados.
Fazes uma pausa.
Deixas-me respirar.
Esperas o recomeço de um final há muito adiado.
O pano abre-se,
A cena recomeça.
Novamente ator principal,
Perco-me das palavras,
Desisto dos sonhos,
Alisto-me no exército da coragem e sorrindo digo-te:
Algum dia chegaria o fim.
Abraças-me e há naquele abraço
O alívio de vinte anos sem saber sorrir..."
(Isa Mestre)

ARRIVEDERCI...

O silêncio tem destas coisas,
Lembra-nos a morte.
Olhamo-nos ainda sem saber que podemos dizer,
Sem saber ao certo
Que palavras escaparam à censura do coração.
Dizes-me,vou ter saudades tuas.
Sorrio-te.
Abraçamo-nos.
Nunca nos abraçáramos antes.
Queria dizer-te que me fará falta a tua voz,
A tua teimosia,
A tua ternura e o teu altruísmo.
Não digo nada.
Perco-me na multidão,
Esbato-me nos rostos dos passageiros apressados,
Nos sorrisos a disfarçar lágrimas profundas,
Nos acenos de mão que quiseram tantas vezes ser abraços.
Esbato-me na multidão e esqueço-me que existes,
Que existimos,
Que podemos ainda vir a existir..."
(Isa Mestre)

MOMENTOS...

"Ela sorri,
Ele pergunta-lhe o preço.
Por momentos faz-se silêncio.
O frio, o medo, a solidão.
O mesmo frio,
O mesmo medo,
A mesma solidão.
O dela que tão nua e tão breve
Se esconde por detrás das palavras banais,
E o dele que perdido de si julga poder
Encontrar-se no corpo inócuo de uma mulher.
Há naquele silêncio
O espaço de duas vidas entrecortadas:
Os amores perdidos,
As palavras soltas,
Os sonhos ancorados.
Há todas as coisas
Que eles quiseram amar e não puderam,
Todos os verbos
Que eles quiseram escrever e não conseguiram.
Depois das palavras ditas,
Ele olha-a com ternura.
Não lhe interessa com que corpo vai dormir,
Pensa apenas em aconchegar-lhe a alma,
Chegar-lhe ao coração..."
(Isa Mestre)

DESISTI DE SER POETA...

"Leio um poema e quero parar de escrever.
É tudo uma grande farsa.
É tudo um mito
sofrer como se sofre num poema,
num coração.
Fôssemos todos santos
e continuava a ler poemas.
Mas não.
Poemas já não leio.
E depois estão bem escritos!
É como se eu mentisse de uma forma bonita
e o lesado aplaudisse chocado, lacrimejante,
depois de me ouvir.
Há na poesia um tanto de rebeldia
por só se usar parte de uma página
e um muito de egocentrismo
por se pensar que os outros
se preocupam com o estado do nosso coração,
pelos nossos sentimentos.
Por isso desisti de ser poeta.
Desisti de falar de ti.
Ou da outra.
Ou de alguém que não conheço sequer.
Desisti de estar a pensar em rimas internas,
em aliterações que acentuem uma idéia.
Desisti do poema.
Já não quero ser poeta.
Já não quero acordar
e ter de apontar num bloco sujo do dia-a-dia
o meu primeiro pensamento.
De me deitar e apontar
uma última frase que inicie uma estrofe.
Desisti disso tudo,
desse nada que é a poesia..."

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

SE TE PAREÇO AUSENTE...

"Se te pareço ausente, não creias:
hora a hora minha dor agarra-se aos teus braços,
hora a hora meu desejo revolve teus escombros,
e escorrem dos meus olhos mais promessas.
Não acredites nesse breve sono;
não dês valor maior ao meu silêncio;
e se leres recados numa folha branca,
Não creias também:
é preciso encostar teus lábios nos meus lábios para ouvir.
Nem acredites se pensas que te falo:
palavras são meu jeito mais secreto de calar..."
(Lya Lyft)

O SILÊNCIO DA MUTAÇÃO...

"Às vezes é preciso recolher-se.
O coração não quer obedecer,
mas alguma vez aquieta;
a ansiedade tem pés ligeiros,
mas alguma vez resolve sentar-se
à beira dessas águas.
Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir.
É um começo de sabedoria, e dói.
Dói controlar o pensamento,
dói abafar o sentimento,
além de ser doloroso parece pobre,
triste e sem sentido...
Amar era tão infinitamente melhor;
curtir quem hoje se ausenta
era tão imensamente mais rico...
Não queremos escutar essa lição da vida,
amadurecer parece algo sombrio,
definitivo e assustador.
Mas às vezes aquietar-se e esperar
que o amor do outro nos descubra
nesta praia isolada é só o que nos resta...
Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade,
e ficamos quase sem sonhar.
Quem nos vê nos julga alheados,
quem já não nos escuta pensa
que emudecemos para sempre,
e a gente mesmo às vezes desconfia
de que nunca mais será capaz
de nada claro, alegre, feliz.
Mas quem nos amou,
se talvez nos amar ainda há de saber
que se nossa essência é ambigüidade e mutação,
este silencio é tanto uma máscara quanto foram,
quem sabe, um dia os seus acenos..."

CANÇÃO DA MINHA TERNURA

"Rondaste o meu castelo solitário
como um rio de vozes e de gestos;
baixei as minhas pontes fatigadas
e conheci teus lumes, teus agrados
teus olhos de ouro negro que confundem;
andei na tua voz como num rio de fogo e mel
e raros peixes belos, cheguei na tua ilha
e atrás da porta me deste
o banquete dos ardores teus.
Mas às vezes sou quem volta
a erguer as pontes e cavar o fosso
e agora em sua torre, ternamente,
sem mágoa se debruça nas varandas
vendo-te ao longe , barco nessas águas,
querendo ainda estar se regressares
-porque seria pena naufragarmos
se poderias ter, sem tantas dores,
viagens e chegadas nos amores meus..."
(Lya Luft)

O PESO DO TEMPO...

"Não tenho mais os olhos de menino
nem corpo adolescente,
e a pele translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas,
sou uma estrutura agrandada pelos anos
e o peso dos fardos bons ou ruins.
-Carreguei muitos com gosto
e alguns com rebeldia.-
O que te posso dar
é mais que tudo o que perdi:
dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria apenas ser amado.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora:
esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor,
com mais paciência e não menos ardor,
a entender-te se precisas,
a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante
e abraço de amigo,
e sobretudo força
que vem do aprendizado.
Isso posso te dar:
um mar antigo e confiável
cujas marés
— mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias..."

EU QUERO O DELÍRIO!

"Apesar de todos os medos,
escolho a ousadia.
Apesar dos ferros,
construo a dura liberdade.
Prefiro a loucura à realidade,
e um par de asas tortas
aos limites da comprovação
e da segurança...
Eu sou assim.
Pelo menos assim quero fazer:
O que explode o ponto
e arqueia a linha,
e traça o contorno
que ela mesma há de romper.
A máscara do arlequim não serve
apenas para o proteger
quando espreita a vida,
mas concede-lhe
o espaço de a reinventar.
Desculpem,
mas preciso lhes dizer:
Eu quero o delírio!"
(Lya Lyft)

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

PRECISO DE VOCÊ..

"Preciso de você
que eu tanto amo
e nunca encontrei.
Para continuar vivendo,
preciso da parte de mim
que não está em mim,
mas guardada em você
que eu não conheço..."
(Caio Fernando Abreu)

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

A PARTIR DE SEMPRE...

"Sou, a partir de sempre,
As esquinas asfaltadas da cidade fantasma
E que por precaução ou simples temor,
Ninguém cruzou.
Sou qualquer coisa,
Como o rio que secou no verão passado
E que por abandono ou solidão,
Ninguém notou...
Sou hoje a soma de tudo
O que deveria ter sido e não fui.
Por mera covardia de sentir a tempestade,
Por mera aflição da urgência não atendida,
Por mera e substanciosa preguiça de ser...
Sou como essas linhas céleres
Escritas sem cuidado
E que o tempo,
Como a tudo que existe,
Cuidará de destruir..."
(Vanessa Marques)

POR QUE NÃO?

Por que não?
Por que não confessar o medo
em todas as minhas vésperas de desespero?
Por que não me confessar soturno e profundo
em cada riso largo e estreito?
Por que não apalpar seu corpo
como quem apalpa a sua última idéia otimista?
Por que não confessar a sátira e a violência
e brincar de menino esperando
que você me descubra triste ao pé da lareira?
E te pedir desculpas, por que não?
E agredir a tua boca
apenas como um grande pretexto para o carinho depois.
Por que não te sugar até não sobrar nada, a não ser tua boca,
que beberá em mim o que você, só você me permitiu ser?"
(Oswaldo Montenegro)

PARA NÃO SE SENTIR SOZINHO...

"E no final das brincadeiras o melhor
é a certeza de que a gente brincou.
Pelo prazer de estar vivo,
pela honra de desfrutar de cheiros,
tatos, barulhos e afetos.
Que a gente ande por aí orgulhosos
dos nossos privilégios e alegrias.
Conta pra mim o que vê e eu andarei por nós.
Olha pra mim, olha por mim e eu te levo.
O mundo todo é assim.
Que seja assim!!
Que quem não canta dance a voz do outro!
Quem não toca,
que dance pousado nos acordes de quem toca!
Porque perfeito, só tudo junto.
Só uma das mãos não faz o aplauso,
só uma boca jamais fará o beijo.
Todos juntos, sim, podem formar a imensa risada,
que quando for realmente enorme,
Deus vai ouvir e nunca mais vai se sentir sozinho..."
(Oswaldo Montenegro)

É PRECISO AMAR ESSA GENTE...

"Atores andam por aí com a alma transbordando
de tantas vidas que percorrem numa só.
Mas não se engane, um ator nunca usa máscara.
São dele os rostos que você vê.
Como a água que você bebe,
que não era sua antes, de você botar pra dentro,
não eram dele as faces antes de ele vesti-las.
Acham uma existência só muito pouco.
E aí vivem muitas.
E aí, insaciáveis, vivem as nossas,
para que possamos nos olhar quando os vemos no palco.
E querem ser amados!
Essa gente representa para ter atenção.
Só pedem isso: atenção.
Mas, aqui entre nós, quem não quer atenção?
Não é isso que difere os atores de nós.
É a capacidade deles de reconhecer dentro deles o santo e o monstro.
E expurgar o monstro em cena, para que nós nos livremos dele.
Que ninguém diga que um ator não tem personalidade!
Claro que tem. É apenas múltipla,
como o Rio de Janeiro, que tem mil cidades dentro.
Múltipla, como todo ser humano é.
Atores não mentem.
Nós é que mentimos quando fingimos ser uma coisa só.
Não ser ator é passar a vida mentindo.
Atuar é assumir, de verdade, mil faces,
duas mil mudanças, três milhões de sentimentos.
São muito acompanhados e solitários, esses seres do palco.
Acompanhados, pois andam em bando como alguns pássaros.
E solitários porque às vezes não conseguem se ver no palco,
pois não suportam estar na platéia.
Se eles representam a todos nós, quem os representará?
É preciso amar essa gente.
Deus fez o mundo em seis dias e no sétimo,
fingindo descansar, inventou atores e atrizes,
para que ele mesmo entendesse o que havia criado..."
(Oswaldo Montenegro)

NOTURNO

"Pelo amor de Deus,
só me abandone de noite.
Se quiser viajar sem mim,
se ficar louca por outra pessoa
ou até se quiser visitar sua família e não me levar,
vai de noite.
Nunca, mas nunca mesmo, me deixe de dia.
Não vá me expor aos camelôs gritando, ao sol a pino,
à modernidade clara.
Fique comigo mesmo sem querer,
só até às seis da tarde.
Não me deixe sozinho
com mulheres histéricas no supermercado,
os senadores atrasados,
as lanchonetes rapidinhas.
Agora, de noite pode ir.
Eu e os meus fantasmas,
apesar de saudosos,
sobreviveremos à sua falta..."
(Oswaldo Montenegro)

COMO SE MEDE UMA PESSOA...

"Os tamanhos variam conforme o grau de desenvolvimento.
Ela é grande pra você quando fala do que leu e viveu,
quando trata você com carinho e respeito,
quando olha nos olhos e sorri destravado.
É pequena pra você quando só pensa em si mesma,
quando se comporta de uma maneira pouco gentil,
quando fracassa justamente no momento em que teria
que demonstrar o que há de mais importante entre duas pessoas:
a amizade.
Uma pessoa é gigante pra você quando se interessa pela sua vida,
quando busca alternativas para o seu crescimento,
quando sonha junto.
É pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa,
quando compreende,
quando se coloca no lugar do outro,
quando age não de acordo com o que esperam dela,
mas de acordo com o que espera de si mesma.
Uma pessoa é pequena
quando se deixa reger por comportamentos da moda."
(William Shakespeare)

sábado, 12 de setembro de 2009

UM SONHO INACABADO...

"Eu sou um sonho inacabado...
Que procura um mar infinito numa sintonia
onde as ondas suavemente se desfazem…
Onde a magia de um querer se envolve
num arco-íris…
Onde a loucura de um desejo se
converte numa sanidade de emoções…
Onde o impossível é abraçado e embrulhado
numa ternura facilmente saciável..
Eu sou uma fonte…
Onde as minhas vontades são cristalinas…
e as minhas verdades são desejos…
Eu sou uma melodia…
Onde as minhas letras decifram o
que o meu interior abafa…
Eu sou o silêncio…
Porque somente assim
escondo o que a minha alma
a todo instante me faz recordar…"

O REFLEXO DA NUDEZ

Sou um reflexo da nudez da minha alma…
Despida de emoções perdidas…
E vestida de amarguras que a vida
insiste em que estejam presentes…
Vestida com o melhor traje que o amor quer,
mas que de nada serve…
Pois não existe espelho que
possa saciar sua beleza…

NÃO FUJA DA SOMBRA...

Fugir da sombra que te persegue
a cada passo em frente que dás,
é um retrocesso no longo caminho
que te levará a atingir a tua paz.
O que te peço, é tolo,
poderás dizer por direito
Mas a importância que conferes à sombra
te afugenta de olhar em frente,
e sim olhar para trás
e isso dificulta,
que o teu coração seja refeito...
Ousa olhar em frente, revigorada e sublime
com a a vida e o amor aliados,
num sorriso satisfeito
a sombra sucumbirá
perante a força que a tua alma exprime...

A PALAVRA DELIRANTE...

Desfolho página por página,
até chegar aquele capitulo que tanto anseio…
Aquele em que vejo que a história começa a fazer sentido…
E no meio de mil e uma palavras,
encontro a tal, aquela que me deixa delirante…
com os meus sentidos apurados e livres de preconceitos…
Sublinho todo o parágrafo que tenha a sua essência,
porque é dela que vou extrair o veneno que me corrói,
todo o veneno que preciso beber para me tornar imune…
Enquanto leio, passo por ti
e percebo o quanto me és importante,
o quanto a tua personagem
me deleita neste mundo em que vivo,
neste mundo irreal,
neste mundo que não é o meu…
Há muito que me digo que nada poderá ser eterno,
mas chegas tu e provas o contrário!
Por isso deixa-me hoje ficar assim…
Preso neste capitulo…
Onde meu rosto está encostado ao teu,
meu corpo em teus braços
e meu amor junto do teu amor…

VIVER AOS POUCOS...

"Viver é um ato que não premeditei.
Brotei das trevas.
Eu só sou válida para mim mesma.
Tenho que viver aos poucos,
não dá para viver tudo de uma vez.
Nos braços de alguém eu morro toda.
Eu me transfiguro em energia
Que tem dentro dela o atômico nuclear.
Sou o resultado de ter ouvido
Uma voz quente no passsado
E de ter descido do trem
Quase antes dele parar
- A pressa é inimiga da perfeição
E foi assim que corri para a cidade
Perdendo logo a estação
E a nova partida do trem
E seu momento privilegiado
Que desperta espanto tão dolorido
Que é o apito do trem,
Que é adeus..."
(Clarice Lispector)

MAIS UMA CARTA DE AMOR...

"Em quem pensar, agora, senão em ti?
Tu, que me esvaziaste de coisas incertas,
e trouxeste a manhã da minha noite.
É verdade que te podia dizer:
"Como é mais fácil deixar que as coisas não mudem,
sermos o que sempre fomos,
mudarmos apenas dentro de nós próprios?"
Mas ensinaste-me a sermos dois;
e a ser contigo aquilo que sou,
até sermos um apenas no amor que nos une,
contra a solidão que nos divide.
Mas é isto o amor:
ver-te mesmo quando te não vejo,
ouvir a tua voz que abre as fontes de todos os rios,
mesmo esse que mal corria quando por ele passámos,
subindo a margem em que descobri
o sentido de irmos contra o tempo,
para ganhar o tempo que o tempo nos rouba.
Como gosto, meu amor, de chegar antes de ti
para te ver chegar: com a surpresa dos teus cabelos,
e o teu rosto de água fresca que eu bebo,
com esta sede que não passa.
Tu: a primavera luminosa da minha expectativa,
a mais certa certeza de que gosto de ti,
como gostas de mim,
até ao fundo do mundo que me deste..."

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

SOBRE COMO ELE PENSA QUE É...

"Um menino, de pés descalços, sentado à beira do rio,
coloca na água uma folha seca e adormece olhando o vazio.
Em seus sonhos, navega além-mar, comandando um grande navio.
Enfrenta as águas revoltas, às vezes, as calmarias
e vai assim aprendendo que todas as fantasias
têm contraponto na chuva, no vento e na poesia.
Chegando em terras longínquas, espanta-se com prodígios:
dragões que cuspiam fogo, mendigos de mãos vazias
que apesar do frio e da fome, ainda sorriam.
Seus olhinhos assustados não podiam crer no que viam:
mulheres barbadas, anões, prostitutas, bugios, em danças burlescas,
mentiam que eram felizes em meio àquela orgia.
Montou um cavalo alado e fugiu apavorado,
pois nada daquilo era compreensível
para um simples menino de beira de rio.
Doíam seus pés descalços,
pisando as folhas secas espalhadas no caminho.
Dormiu ao relento, sob estrelas de néon,
comeu o pão que o diabo amassou, chorou de medo,
colecionou conchinhas, falou com desconhecidos
que cuspiram sobre ele “verdades e sabedorias”.
Confuso, seguiu seu caminho.
Fez e perdeu amigos, cantou e vestiu fantasias,
berrou em prol de anistia, tentou entender de música,
dançou no meio da praça, agarrado a uma vadia,
provou do Bem e do Mal, só pra ver se entendia.
Parou na frente da igreja e ouviu uma ladainha,
mas o Deus não se fez visível e ele se foi,
então, em busca de novo destino.
Muitos anos se passaram nesse passeio onírico,
muitos em pesadelos horríveis, outros,
um pouco mais pacíficos e mesmo assim ele não desistia.
Amou, foi e não foi amado, enlouqueceu de alegria,
curou-se com água fria.
Um homem, de largas sandálias, caminha pelas ruas do Rio.
Varrendo as folhas secas para debaixo do tapete, falando poesia...
O som do sino da igreja lembra o Deus não revelado
e ele pisa as conchinhas espalhadas na areia.
Do cavalo alado, restaram as rédeas, vazias.
Onde deixou seu navio?
Quando o vento sopra, ele muda e cria seus personagens
que dançam danças burlescas, cavalga amores fantasmas,
apaixona-se por si mesmo e ri de tanto chorar.
Procura quem se disponha a segui-lo sem sapatos,
no longo caminho de volta dessa sua alma vadia
ao ponto na beira do rio que liberte sua inocente
poesia escrita em folhas verdes brotadas ao som de sinos,
alguém que o cubra de beijos até que abra as asas
e pegue de volta o caminho de sua sina e desperte na beira do rio.
Só pra entender que é divino,
que brilha em todas as cores,
que o que existe é o que ele cria em seus acessos de fúria
quando apenas faz o que acha que deve,
limitando-se ao que pensa que pode,
chorando sem fantasia, nu, no meio da praça.
A inocência talvez ainda seja o seu maior pecado..."
(Denise Rangel)

*Poesia feita para/sobre mim. A autora descreve como ela vê minha história de vida...

domingo, 6 de setembro de 2009

EU TENHO MUITO PARA DAR...

"Tudo tem que ser bem de leve
para eu não me assustar
e não assustar os que amo.
Pedem-me pouco,
pedem-me quase nada.
O terrível é que
eu tenho muito para dar
e tenho que engolir esse muito
e ainda por cima
dizer com delicadeza:
obrigada por receber
em de mim
um pouquinho de mim..."
(Clarice Lispector)

O TAMANHO DAS PESSOAS

"Os tamanhos das pessoas variam
conforme o grau de envolvimento.
Uma pessoa é enorme para você,
quando fala do que leu e viveu,
quando trata você com carinho e respeito,
quando olha nos olhos e sorri destravado.
É pequena para você quando só pensa em si mesma,
quando se comporta de uma maneira pouco gentil,
quando fracassa justamente no momento
em que teria que demonstrar
o que há de mais importante entre duas pessoas:
A amizade, o respeito, o carinho,
o zelo e até mesmo o amor.
Uma pessoa é gigante para você
quando se interessa pela sua vida,
quando busca alternativas para o seu crescimento,
quando sonha junto com você.
É pequena quando desvia do assunto.
Uma pessoa é grande quando perdoa,
quando surpreende,
quando se coloca no lugar do outro,
quando age não de acordo com o que esperam dela,
mas de acordo com o que espera de si mesma..."
(William Shakespeare)

FALTAM PALAVRAS

"Há muita coisa a dizer
que não sei como dizer.
Faltam as palavras.
Mas recuso-me a inventar novas:
as que existem já devem dizer
o que se consegue dizer e o que é proibido.
E o que é proibido eu adivinho.
Se houver força.
Atrás do pensamento não há palavras :
É-se.
Minha pintura não tem palavras:
fica atrás do pensamento.
Nesse terreno do é-se
sou puro êxtase cristalino.
É-se.
Sou-me.
Tu te és..."
(Clarice Lispector)

CARTA DE SAUDADE

"Entrego-me tanto
E com tanta força ao irreal
Que quando tenho um "mal súbito" de realidade...
(podem chamar de saudade...)
Amarga-me a boca de imediato
Respiro devagar...
Tenho um medo enorme
que alguém descubra algo
que nem eu quero saber...
E se eu não for imortal?
E se você não me ama?
E muito pior...
se eu não tenho amor por você?
Deixa eu fechar os olhos um pouco...
Deixa tudo quieto um pouco...
Já tive algumas perdas antes...
São doloridas...
Mas deixa eu sentir essa dor
com a mesma urgência e volume
que deixo tudo acumular-se em mim...
Deixa...
Daqui a pouco tudo isso passa...
E eu começo a enxergar tudo
em tons de lilás e azul
que não desbotam nunca..."

A "PIOR" VONTADE...

"Todos são tão compreensivos,
aceitam tão bem suas escolhas,
torcem por tudo o que você faz,
Desde que você faça o que está no script.
Que siga o que foi determinado no roteiro,
aquele que foi escrito sabe-se lá por quem
e homologado no instante mesmo em que você nasceu.
Mas e quem não quiser seguir esse script?
Como personagem de Clarice Lispector
Meu coração encheu-se coma pior vontade de viver
A "pior" vontade...
não quer ganhar medalha de honra ao mérito,
não quer posar para fotografias,
A "pior" vontade ...
É quando você sabe que não deveria, mas vai.
Que não será fácil, mas enfrenta.
Que tomarão como agressão, mas arrisca.
É com essa "pior" vontade de viver
que você atrai os outros,
seu magnetismo cresce,
seu rosto rejuvenesce e você fica interessante.
É uma pena que nem todos tenham a sorte
de deixar vir a tona a pior vontade de viver,
que,secretamente, é a melhor..."

AS PALAVRAS FALHAM...

"Assim como falham as palavras
quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos
quando querem exprimir qualquer realidade.
Mas, como a realidade pensada
não é a dita mas a pensada,
Assim a mesma dita realidade existe,
não o ser pensada.
Assim tudo o que existe,
simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,
Uma velhice que nos acompanha
desde a infância da doença..."

FELICIDADES

"Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos
com a areia dourada do tempo..."
(Roseana Murray)

FRUTOS E FLORES

"Meu amado me diz
que sou como maçã cortada ao meio.
As sementes eu tenho é bem verdade.
E a simetria das curvas.
Tive um certo rubor na pele lisa
que não sei se ainda tenho.
Mas se em abril floresce a macieira
eu, maçã feita e pra lá de madura,
ainda me desdobro em brancas flores
cada vez que sua faca me traspassa..."
(Marina Colasanti)

TALVEZ...

"Talvez eu venha a envelhecer rápido demais,
mas lutarei para que cada dia tenha valido a pena.
Talvez eu sofra inúmeras desilusões na minha vida.
mas farei que elas percam a importância
diante dos gestos de amor que encontrei.
Talvez eu não tenha forças para realizar os meus ideais,
mas jamais irei me considerar um derrotado.
Talvez em algum instante eu sofra uma terrível queda,
mas não ficarei por muito tempo olhando para o chão.
Talvez um dia o sol deixe de brilhar,
mas então irei me banhar na chuva.
Talvez um dia eu sofra alguma injustiça,
mas jamais irei assumir o papel de vítima.
Talvez eu tenha que enfrentar alguns inimigos,
mas terei humildade para aceitar as mãos
que se estenderão em minha direção.
Talvez numa dessas noites frias, eu derrame lágrimas,
mas não terei vergonha por esse gesto.
Talvez eu seja enganado inúmeras vezes,
mas não deixarei de acreditar que em algum lugar
alguém merece a minha confiança.
Talvez com o tempo eu perceba que cometi grandes erros,
mas não desistirei de continuar trilhando meu caminho.
Talvez com o decorrer dos anos eu perca grandes amizades,
mas irei aprender que os meus verdadeiros amigos
nunca estarão perdidos.
Talvez algumas pessoas queiram o meu mal,
mas plantarei a semente da fraternidade por onde passar.
Talvez eu fique triste ao não consiguir seguir o ritmo da música,
mas então, farei que a música siga o compasso dos meus passos.
Talvez eu nunca consiga enxergar um arco-íris,
mas aprenderei a desenhar um, nem que seja dentro do meu coração.
Talvez hoje eu me sinta fraco,
mas amanhã irei recomeçar, nem que seja de uma maneira diferente.
Talvez eu não aprenda todas as lições necessárias,
mas terei a consciência que os verdadeiros ensinamentos
já estão gravados em minha alma.
Talvez eu me deprima por não saber a letra daquela música,
mas ficarei feliz com as outras capacidades que possuo.
Talvez eu não tenha motivos para grandes comemorações,
mas não deixarei de me alegrar com as pequenas conquistas.
Talvez a vontade de abandonar tudo torne-se a minha companheira,
mas ao invés de fugir, irei correr atrás do que almejo.
Talvez eu não seja exatamente quem gostaria de ser,
mas passarei a admirar quem sou,
porque no final saberei que, mesmo com incontáveis dúvidas,
eu sou capaz de construir uma vida melhor.
E se ainda não me convenci disso, é porque como diz aquele ditado:
“ainda não chegou o fim”
Porque no final não haverá nenhum “talvez”
e sim a certeza de que a minha vida valeu a pena
e eu fiz o melhor que podia..."
(Sonia Carvalho)

ESCUTATÓRIA

"Sempre vejo anunciados cursos de oratória.
Nunca vi anunciado curso de escutatória.
Todo mundo quer aprender a falar...
Ninguém quer aprender a ouvir.
Pensei em oferecer um curso de escutatória,
mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil.
Diz Alberto Caeiro que...
Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça,
sobre como são as coisas.
Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro:
Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito.
É preciso também que haja silêncio dentro da alma.
Daí a dificuldade: A gente não agüenta ouvir o que o outro diz
sem logo dar um palpite melhor...
Sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer.
Como se aquilo que ele diz não fosse digno
de descansada consideração...
E precisasse ser complementado por aquilo
que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil
de nossa arrogância e vaidade.
No fundo, somos os mais bonitos...
Os pianistas, por exemplo, antes de iniciar o concerto, diante do piano,
ficam assentados em silêncio...
Abrindo vazios de silêncio...
Expulsando todas as idéias estranhas.
Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial.
Aí, de repente, alguém fala.
Curto. Todos ouvem.
Terminada a fala, novo silêncio.
Falar logo em seguida seria um grande desrespeito,
pois o outro falou os seus pensamentos...
Pensamentos que ele julgava essenciais são-me estranhos.
É preciso tempo para entender o que o outro falou.
Se eu falar logo a seguir... São duas as possibilidades.
Primeira: Fiquei em silêncio só por delicadeza..
Na verdade, não ouvi o que você falou.
Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar
quando você terminasse sua tola fala.
Falo como se você não tivesse falado.
Segunda: Ouvi o que você falou.
Mas, isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo.
É coisa velha para mim.
Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou.
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo.
O que é pior que uma bofetada.
O longo silêncio quer dizer:
Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou.
E, assim vai a reunião.
Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro.
Ausência de pensamentos.
E aí, quando se faz o silêncio dentro,
a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir.
Fernando Pessoa conhecia a experiência...
E, se referia a algo que se ouve nos interstícios das palavras...
No lugar onde não há palavras.
A música acontece no silêncio.
A alma é uma catedral submersa.
No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada.
Somos todos olhos e ouvidos.
Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia,
ouvimos a melodia que não havia...
Que de tão linda nos faz chorar.
Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio.
Daí a importância de saber ouvir os outros:
A beleza mora lá também.
Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente
se juntam num contraponto..."
(Rubem Alves)

terça-feira, 1 de setembro de 2009

HÁ COISAS NA VIDA...

"Há coisas lindas na vida:
poesia...amor...você...
Poesia linda, por que é triste
Amor lindo, por que existe
Mas lindo mesmo é você.

Há coisas grandes na vida:
amor...perdão..você...
Amor é grande por que isola
Perdão consola
Mas grande mesmo é você

Há coisas inexplicáveis na vida:
Deus...saudade...você...
Deus se ama e não se explica
Saudade se justifica
Mas como explicar você

Há coisas boas na vida:
livros...carinhos...você...
Livros nos ensinam
Carinhos quem não os sente?
Mas bom para mim é você

Há coisas incompreensíveis na vida:
crianças...sonhos...você...
Crianças não sei se entendo
Sonhos não os compreendo
Mas sei que amo você..."
(Dedicado à Ana Lucia Correa de Camargo)