terça-feira, 30 de março de 2010

RUMO AO SUMO

"Disfarça, tem gente olhando.
uns olham pro alto,
cometas, luas, galáxias.
Outros olham de banda,
lunetas, luares, sintaxes.
De frente ou de lado,
sempre tem gente olhando
olhando ou sendo olhado...
Outros olham pra baixo,
procurando algum vestígio
do tempo que a gente acha,
em busca do espaço perdido.
Raros olham para dentro,
já que não tem nada.
Apenas um peso imenso,
a alma, esse conto de fada..."
(Paulo Leminski)

domingo, 21 de março de 2010

NÃO SOU UM LIVRO ABERTO

"Não sou um livro aberto,
não tenho que ser,
sou dono das minhas páginas
e publico as histórias que quiser.
Não gosto de ser folheado,
é um direito meu, inalienável,
exponho ou omito os capítulos que desejar,
conto contos que julgar devam ser lidos."
(Autor Desconhecido)

LAMENTOS

"Há um grito nos ventos
Brilhando em versos,
Deixando na face escorrer
Raros devaneios tortos,
Luz te desenhando em suavidade!
Meu chão é de giz,
Minha escrita é o detalhe da dor
Viajando amiúde na solidão,
Há um jardim do beijo saudoso
O poema és tu em pedras lapidadas!
Tua poética é meu céu
De chamas, estrelas e brumas
Adormecendo sob as águas,
Espelhando sobre a seda marfim
Minha poesia...
De coração, alma e cor!
Do encontro o silêncio vagando
Anunciando-te em canções
Entoadas no olhar, no teu olhar
Feito pétala orvalhada na mágica
Do sentimento lamentando a sedução!"
(Auber Fioravante Júnior)

UM EXTREMO DE LUCIDEZ

"Loucura, eu penso,
é sempre um extremo de lucidez.
Um limite insuportável.
Você compreende, compreende,
compreende e compreende
cada vez mais, e o que você vai...
Compreendendo
é cada vez mais aterrorizante.
-então você "pira".
Para não ter que lidar com o horror..."
(Caio Fernando Abreu)

CANÇÃO PARA UMA VALSA LENTA

"Minha vida não foi um romance...
Nunca tive até hoje um segredo.
Se me amar, não digas, que morro
De surpresa... de encanto... de medo...

Minha vida não foi um romance
Minha vida passou por passar
Se não amas, não finjas, que vivo
Esperando um amor para amar.

Minha vida não foi um romance...
Pobre vida... passou sem enredo...
Glória a ti que me enches de vida
De surpresa, de encanto, de medo!

Minha vida não foi um romance...
Ai de mim... Já se ia acabar!"

(Mário Quintana)

VÁ!

"Vá,
queres um tempo?
Vá,
eu já não ligo.
Viva à sombra de seu umbigo.
Se não queres mais alimentar o meu amor,
nem me encantar com poesia,
tampouco iluminar minhas noites vazias,
vá então!
Ficarei com as rimas de meus versos
fiel confidente dia após dia..."
(Vania Gondim)

SÓ!

"Perdeu o encanto
E quiçá não vire cinza.
A palavra errada
Mesmo na hora certa
Às vezes fere de morte e dói.
Não temo pelo não,
Temo pelo afastamento
Condicionante para a solidão.
E não há nada a se fazer
Após o carimbo batido
Fica-se rotulado: É proibido.
O tempo ameniza, mas não apaga
O sonho divaga, mas não realiza.
Pobre mortalidade,
Pobre individualidade
Somos uno e somos sós!"
(Santaroza)

TENHO TANTO SENTIMENTO...

"Tenho tanto sentimento
Que é frequente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal.
Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra vida que é pensada,
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada.
Qual porém é a verdadeira
E qual errada, ninguém
Nos saberá explicar;
E vivemos de maneira
Que a vida que a gente tem
É a que tem que pensar..."
(Fernando Pessoa)

SOBRE ESTRELAS

"Deitada na grama,
o céu empoeirado de estrelas.
Passei o dedo e -curioso–
algumas vieram grudadas na ponta.
Olhei para cima e assoprei.
Foi tanta estrela caindo
que agora eu mal consigo enxergar
de tanta esperança..."
(Rita Apoena)

sexta-feira, 19 de março de 2010

SOBRE A MESA DEIXEI ALGUMAS PALAVRAS...

"Sobre a mesa deixei algumas palavras
para gastarem a sua precisão obscura
ressumando humidades,
revelando o percurso do pensamento pela estação
até se identificarem com os cursos de água
que vemos por alguns dias
as principais páginas que nos forçam
a herança, disseminadas pelo ruído até aos ossos
e quando abro a porta, de regresso, encontro-as
tão breves sobre o meu ouvido, atentas
à minha maneira de andar descalço..."
(Vasco Ferreira Campos)

APETECE POR VEZES...

"Apetece por vezes com os dias morrer
por um pequeno instante
e deixar os fogos soltos na areia.
Acrescentar água à face
e perturbar os sentidos
em busca da única luz
ou então sentir os movimentos
e escrever a uma amiga.
Dizer assim como quem fala:
que espécie rara de deus é o teu?
A vida é ficar abraçado às dunas
apenas se há dois braços de areia
por quem sonhar.
Vir então aos poucos contando
os mastros do verão
cumprindo o desejo das cartas de mar
e assim mesmo confundir
todos os relógios da rota
apenas para ter mais tempo para ficar.
O resto é saber o alfabeto de cor
até ao fim para que as palavras
vão nascendo devagar
até ser sonho no sono dos dias
ou ser sono dentro de mim..."
(João Luís Barreto Guimarães)

TU NÃO SABIAS...

"Tu não sabias de que lugar eu vinha
nem quem me enviava.
As máquinas pareciam transbordar sobre os campos,
disseminando a noite em plena marcha.
E eu estava tão cansado quando me sentei ao teu lado.
Generosamente pousaste a tua mão.
Os dias por vir jaziam amordaçados debaixo da terra,
nada fazia prever as cartas que te escreveria.
Algumas levavam fotografias,
eu a olhar para ti no ar desfocado.
Mas as notícias que te dava em mau inglês eram omissas,
nunca respondi às perguntas que me fizeste.
Acho que o desalento já estava deitado na cama,
a própria parede parecia muito doente..."
(Rui Pires Cabral)

terça-feira, 16 de março de 2010

EU LI NUM LIVRO...

"Eu li num livro
Que amar nem sempre é sinônimo de dor
Que a gente deve acreditar no destino
seja o que for
E que o sentido da vida
é nada mais que o amor.
Eu li num livro
Estava escrito nas entrelinhas
Que um erro pode ser consertado
E que uma pessoa não deve ser julgada
apenas pelo seu passado.
Eu li num livro
Que a esperança é a última que morre
Que o covarde é o primeiro que corre
E que um sonho as vezes é só um sonho.
Estava escrito em cada linha
Que as vezes a culpa não é sua nem minha
Que uma pessoa pode até viver sozinha
Mas sempre vai precisar de alguém em seu coração
Eu li num livro
As palavras que eu gostaria de ter escrito
Porque o que é belo nem sempre é bonito
E um sussurro dito aos ouvidos
poderá soar como um grito..."
(André Luis Aquino)

NÃO IMPORTA QUANTO TARDE...

"Tenho a alma aberta
Como aberto, no prefácio,
É o livro recebido de presente.
Mas tenho códigos a serem seguidos.
Como o vento que comumente passa
Sem ouvir a pergunta:
-Oh, vento, se há a certeza do inverno,
Andará longe a primavera?-
Volto para o lugar onde me invento,
Me faço, me encontro, me paciento,
E meu coração arde.
-Lá onde principiou o meu tempo-
Onde estarei a espera de quem a faça,
Não importa quanto tarde..."
(Autor Desconhecido)

ONDE ME DESCOBRI...

"Meu amor,contas histórias que nem ouço,
enquanto te olho por dentro, deserto sem medo.
E perguntas já irritado, se presto atenção?
Amor, eu ouço as mais belas palavras.
Palavras que aquecem um coração
cheio de vontade de lutar contigo,
num espaço perdido.
Grito ao mundo, para que possam ouvir
que o feitiço que me colocaste é sagrado,
único e verdadeiro.
Agora sim vejo, ouço e sinto.
Agora tremo, gemo, choro e sorrio com intensidade.
Agora tocas-me e levas-me numa viagem terna,
suave e pacífica.
E qual não é a surpresa quando descobri
que navegava por entre Deus do Olimpo!?
Sim, desejo que seja eterno.
Que seja eterno o teu olhar, o teu toque, o teu beijo…
Que seja eterno a tua birra, o teu rosto cansado,
o teu desespero assustado.
Amo, simplesmente amo cada pedaço teu, que me completa,
que contigo desperta para uma nova realidade.
Estúpida alegria que te torna meu destino.
Preso a mim, num espaço, num tempo, num lugar…
Um lugar meu, onde só entra a quem eu abro a porta.
Abria para ti e descobri em ti, bocados de mim,
que ninguém imagina existir.
Somos cavaleiros solitários que guardamos um segredo,
que não devemos revelar,
para que cada um seja digno de descobrir…
Amor, que me reavivas apenas com a tua presença…
Dá-me a liberdade, e tem a bondade,
de me deixar continuar aí…
no teu lugar, onde me descobri, a mim."
(Catarina Portela)

A VIDA EM DÉCADAS

"Comecei a medir a vida não pelos anos,
mas pelas décadas.
A dos cinqüenta havia sido decisiva
porque tomei consciência de que quase todo mundo
era mais moço que eu.
A dos sessenta foi a mais intensa pela suspeita
de que já não me sobrava tempo para em enganar.
A dos setenta foi temível
por uma certa possibilidade de que fosse a última.
Ainda assim, quando despertei vivo
na primeira manhã de meus noventa anos,
me atravessou uma idéia complacente de que a vida
não fosse algo que transcorre como o rio revolto,
mas uma ocasião única de dar a volta na grelha
e continuar assando-se do outro lado
por noventa anos a mais..."
(Gabriel Garcia Marques)

IGUAL - DESIGUAL

"Eu desconfiava;
Todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais
e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todas as experiências de sexo são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais,
sextinas e rondós são iguais.
e todos, todos os poemas em verso livre
são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis,
piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo,
o homem não é igual a nenhum outro homem,
bicho ou coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho impar."
(Carlos Drumonnd de Andrade)

UM POUCO LADRA...

"Sou uma mulher de gostos e versos.
Um pouco ladra, eu diria.
Roubo histórias, bordo palavras,
costuro sonhos, desato pensamentos.
Coisas de quem escreve, encare assim.
Quem fica ao meu redor tem que entender
que, vez em sempre, algo será tomado
para e por mim, sem dó.
Me aproprio indevidamente de vidas e falas.
Não leve a mal se por ventura algum dia
o seu sossego for passear junto comigo.
E se por acaso a insônia se tornar a sua melhor amiga,
admita que eu venci.
Gosto de esfregar na cara do suposto adversário
as minhas vitórias.
Em certas ocasiões
o mais digno é engolir tudo elegantemente..."
(Clarissa Corrêa)

...E BOA VIAGEM!

"Ao arrumar as malas,
Lembre de deixar de fora todos os momentos tristes,
todas as decepções e frustrações..
Leve na bagagem apenas tudo que foi bom,
tudo que lhe trouxe um sorriso, um suspiro e alegria
Reserve um espaço para levar o que viveu de verdade,
o que sentiu e o que aprendeu...
Leve as vitórias, os ensinamentos...
Deixe pra trás, o que doeu, o que não valeu...
Guarde o espaço que sobrar
para o que ainda não viveu e viva!!!!
Quando voltar, traga só as experiências felizes,
os aprendizados e todos os momentos de felicidade....
O que deixou aqui, continuará aqui...
As raízes, os alicerces que fazem de você quem você é...
Isso nunca mudará...
As pessoas que ficaram aqui,
ainda estarão aqui quando voltar...
Aquilo que é verdadeiro e real,
ainda que viva no ideal,
isso permanecerá para sempre...
Não passará...Agora vá!!!!
Boa viagem..."
(Viviane Dick)

SOBREVIVO

"Sobrevivo de histórias boas e más contadas.
Dos dias de sol
e também das infinitas noites estreladas.
Sobrevivo do calor dos dias
e também das madrugadas frias.
Sobrevivo dos amigos que encontro
e dos inimigos que perco...
Do que sei que é bem certo
e de tudo aquilo que desconheço.
Sobrevivo do bem e do mal, do que me faz igual
e do que me torna desigual.
Sobrevivo da esperança na paz
e da certeza incomensurável da guerra...
Dos momentos de achar imediatamente
e dos momentos de grande espera.
Sobrevivo de encontros e desencontros...
de fatos e contos... de erros e pontos.
Sobrevivo de cafés -para me manterem acordado-;
de vinhos -para me manterem embriagado-;
de poemas -para me manterem apaixonado-
e de muitas e muitas paixões -para me manterem vivo-).
Por fim... sobrevivo acreditando
que pouco importa o estado de espírito
de todos aqueles que me cercam,
acreditando que o mais importante
é o meu estado de espírito,
o meu melhor estado de espirito.
Acreditando que o mais importante
é sobreviver sempre e acima de tudo...
eternamente feliz dentro de mim mesmo!"
(Adriano Hungaro)

DISFARCE

"Tento desfarçar a minha dor
com uma face, não se encherga
só eu vejo o sentimento
que sufoca meu coração,
entristece minha alma
e perturba minha mente
por dentro eu grito e choro
como uma criança sendo torturada,
mas por fora sou uma simples pessoa
tentando desfarçar a realidade que vive,
e disfarço tão bem que poucos percebem..."
(Florabela)

APRENDI A SER SÓ...

"Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
não vivo sozinha porque gosto
e sim porque aprendi a ser só..."
(Florbela Espanca)

HISTÓRIAS TRISTES

"Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: -A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe-.
O vento da noite gira no céu e canta.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.
Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.
Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.
A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.
De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.
Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo."
(Pablo Neruda)

SEGURAMENTE SÓ...

"Vejo a solidão bem, de perto.
Conheço bem e claramente
toda a presença desta solidão.
Ela me vem, como a noite me vem.
Me convida para uma dança lenta,
e me conduz com seus passos calmos,
precisos...
Me rodopia amorosamente,
me acalenta, me abraça,
e chama a minha atenção.
A solidão me envolve
em seus braços seguros,
e me trás pelo caminho firme,
certo.
Onde não há erros e nem feridas,
onde não há como se machucar.
Me trata com tanta delicadeza.
Envolta por ela estou segura.
Seguramente só.
Não há, nem haverá nada,
nem sombra de outro alguém
A solidão me deixa assim,
sem fissuras, sem rompimentos.
E eu só fico com o que já tenho...
Nada."
(Fernanda Vinagre)

segunda-feira, 15 de março de 2010

VOCÊ É O QUE NINGUÉM VÊ

"Você é os brinquedos que brincou,
as gírias que usava, os segredos que guardou.
Você é sua praia preferida,
você é o renascido depois do acidente que escapou,
aquele amor atordoado que viveu,
a conversa séria que teve um dia com sua mãe,
você é o que você lembra.
Você é a saudade que sente do seu pai,
a infância que você recorda,
a dor de não ter dado certo,
de não ter falado na hora,
a emoção de um trecho de livro,
a cena de rua que lhe arrancou lágrimas,
você é o que você chora...
Você é o abraço inesperado,
a força dada para o amigo que precisa,
a sensibilidade que grita,
o carinho que permuta, os pedaços que junta,
você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo...
você é o que você desnuda.
Você é a raiva de não ter alcançado,
a impotência de não conseguir mudar,
o desapontamento com o governo,
o ódio que tudo isso dá.
Você é o que ninguém vê."
(Autor Desconhecido)

QUERO TUDO E QUERO AGORA!

"Quero tudo e quero agora!
Quero prá ontem e não tem jeito,
sou assim mesmo.
Se a morte é certa não me cabem as dúvidas,
quero tudo intensamente,
sem rascunhos, sem limites.
Intensa. Tensa.
A vida como ela é, ela como eu sou.
A ressaca da noite passada já passou
e o que passou já não interessa mais.
A confusão interna acompanha em perfeita simetria,
aquela intensa, tensa,
VIDA - que ainda não acabou."
(Fernanda Oliveira)

QUANDO SE VÊ...

"A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando de vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente
e iria jogando pelo caminho a casca dourada
e inútil das horas...
Seguraria o amor que está a minha frente
e diria que eu o amo...
E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta
devido à falta de tempo.
Não deixe de ter pessoas ao seu lado
por puro medo de ser feliz.
A única falta que terá será a desse tempo
que, infelizmente, nunca mais voltará."
(Mário Quintana)

UMA PESSOA IMPULSIVA

"Sou o que se chama de pessoa impulsiva.
Como descrever? Acho que assim:
vem-me uma idéia ou um sentimento
e eu, em vez de refletir sobre o que me veio,
ajo quase que imediatamente.
O resultado tem sido meio a meio:
às vezes acontece que agi sob uma intuição
dessas que não falham, às vezes erro completamente,
o que prova que não se tratava de intuição,
mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos.
E até que ponto posso controlá-los.
Deverei continuar a acertar e a errar,
aceitando os resultados resignadamente?
Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta?
E também tenho medo de tornar-me adulta demais:
eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil,
do que tantas vezes é uma alegria pura.
Vou pensar no assunto.
E certamente o resultado ainda virá
sob a forma de um impulso.
Não sou madura o bastante ainda.
Ou nunca serei."
(Clarice lispector)

DESISTI...

"Desisti.
E isso é a coisa mais triste que tenho a dizer.
A coisa mais triste que já me aconteceu.
Eu simplesmente desisti.
Não brigo mais com a vida, não quero entender nada.
Eu espero chegar as nove da noite pra tomar meu Rivotril.
E desaparecer.
Vou nos lugares, vejo a opinião de todo mundo,
coisas que acho deprê, outras que quero somar,
mas as deixo lá. Deixo tudo lá. Não mexo em nada.
Não quero. Odeio as frases em inglês
mas o tempo todo penso “I don’t care”.
Caguei. Foda-se.
E eu seguia brigando.
Querendo o mundo do meu jeito. Na minha hora.
Não ligo se a faca tirar uma lasca do meu dedo
na hora de cortar a maça.
Não ligo pra dor. Pro sangue. Pro desfecho da novela.
Se o trânsito parou, não buzino.
Deixa assim. A vida é assim. Não brigo mais.
Eu quero, de verdade, do fundo do meu coração,
que chegue logo as nove da noite.
Hora do Rivotril. O remédio que me chapa.
Eu quero chapar. Eu quero não sentir.
Quero ver a vida em volta, sem sentir nada.
Quero ter uma emoção paralítica.
Só rir de leve e superficialmente.
Do que tiver muita graça.
E talvez escorrer uma lágrima para o que for insuportável.
Mas tudo meio que por osmose.
Nada pessoal. Algo tipo fantoche,
alguém que enfie a mão por dentro de mim, vez ou outra,
e me cause um movimento qualquer.
Quero não sentir mais porra nenhuma.
Só não sou uma suicida em potencial
porque ser fria me causa alguma curiosidade.
O mundo me viu descabelar, agora vai me ver dormir
e cagar pra ele. Eu quis tanto ser feliz. Tanto.
Chegava a ser arrogante.
O trator da felicidade.
Atropelei o mundo e eu mesma.
Tanta coisa dentro do peito. Tanta vida.
Tanta coisa que só afugenta a tudo e a todos.
Ninguém dá conta do saco sem fundo
de quem devora o mundo e ainda assim não basta.
Ninguém dá conta e… quer saber? Nem eu.
Chega. Não quero mais ser feliz. Nem triste. Nem nada.
Eu quis muito mandar na vida.
Agora, nem chego a ser mandada por ela.
Eu simplesmente me recuso a repassar a história,
seja ela qual for, pela milésima vez.
Deixa a vida ser como é.
Desde que eu continue dormindo.
Eu só espero chegar as nove da noite
pra tomar meu Rivotril e desaparecer.
Ser invisível, meu grande pavor,
ganhou finalmente uma grande desimportância.
Quase um alivio.
I don’t care."
(Tati Bernardi)

A ÚNICA MAGIA QUE EXISTE

"Chorar por tudo que se perdeu,
por tudo que apenas ameaçou
e não chegou a ser,
pelo que perdi de mim,
pelo ontem morto,
pelo hoje sujo,
pelo amanhã que não existe,
pelo muito que amei e não me amaram,
pelo que tentei ser correto
e não foram comigo.
Meu coração sangra com uma dor
que não consigo comunicar a ninguém,
recuso todos os toques
e ignoro todas tentativas de aproximação.
Tenho vergonha de gritar
que esta dor é só minha,
de pedir que me deixem em paz
e só com ela, como um cão com seu osso.
A única magia que existe
é estarmos vivos
e não entendermos nada disso.
A única magia que existe
é a nossa incompreensão.”
(Caio Fernando Abreu)

DO OUTRO LADO DE LÁ

"Sigo a vida conforme o roteiro,
sou quase normal por fora,
pra ninguém desconfiar.
Mas por dentro eu deliro e questiono.
Não quero uma vida pequena,
um amor pequeno,
uma alegria que caiba dentro da bolsa.
Eu quero mais que isso.
Quero o que não vejo.
Quero o que não entendo.
Quero muito e quero sem fim.
Não cresci pra viver mais ou menos,
nasci com dois pares de asas,
vou aonde eu me levar.
Por isso,
não me venha com superfícies,
nada raso me satisfaz.
Eu quero é o mergulho.
Entrar de roupa e tudo
no infinito que é a vida.
E rezar – se ainda acreditar –
pra sair ainda bem melhor
do outro lado de lá.”
(Fernanda Mello)

O QUE ME TORNEI...

"Sem limites, sem freios,
sem contorno, sem saída.
Um novelo de lã,
algo de difícil acesso ao fim.
Isso é o que me tornei
ou o que sempre fui?
Seria minha própria culpa,
ou minha culpa me fez assim?
Meu limite está no outro,
assim como minha culpa,
minha carga, minha vida.
E isso é sobrecarregar demais alguém.
Alguém que não tem culpa nenhuma
d’eu ser assim.
Onde eu termino e começa você?
Eu já não tenho essas respostas,
nunca tive,
será que algum dia terei?
Só o tempo irá dizer.”
(Fernanda Oliveira)

HOUVE UMA ÉPOCA...

"Houve uma época em nossas vidas
em que estávamos tão próximos
que nada parecia obstruir nossa amizade e fraternidade
e apenas uma pequena ponte nos separava.
Quando você ia subir na ponte, eu lhe perguntei:
-Você quer atravessar a ponte até mim?-
Imediatamente, você deixou de querê-lo
e quando repeti a pergunta, você ficou silente.
Desde então, montanhas, rios torrenciais
e o que quer que separe e aliene
interpuseram-se entre nós
e, mesmo que quiséssemos nos reunir,
não conseguiríamos.
Agora, ao pensar no pontilhão,
você perde as palavras,
e soluça e se maravilha."
(Quando Nietzsche Chorou por Irvin D. Yalom)

O AMOR É...

"Fechei os olhos para não te ver
e a minha boca para não dizer…
E dos meus olhos fechados
desceram lágrimas que não enxuguei,
e da minha boca fechada
nasceram sussurros
e palavras mudas que te dediquei…
O amor é
quando a gente mora um no outro."
(Mario Quintana)

MEU MUNDO...

"Meu mundo se resume
a palavras que me perfuram,
a canções que me comovem,
a paixões que já nem lembro,
a perguntas sem respostas,
a respostas que não me servem,
à constante perseguição
do que ainda não sei.
Meu mundo se resume
ao encontro do que é terra
e fogo dentro de mim,
onde não me enxergo,
mas me sinto..."
(Martha Medeiros)

SERIA TÃO BOM...

"Seria tão bom
se pudéssemos nos relacionar
sem que nenhum dos dois
esperasse absolutamente nada,
mas infelizmente, insistirás,
infelizmente nós, a gente, as pessoas,
têm, temos - emoções.
Meditarias: as pessoas falam coisas,
e por trás do que falam há o que sentem,
e por trás do que sentem há o que são
e nem sempre se mostra.
Há os níveis não formulados,
camadas imperceptíveis,
fantasias que nem sempre controlamos,
expectativas que quase nunca se cumprem
e sobretudo, como dizias, emoções.
Mas já não sou capaz de me calar,
talvez dirás então, descontrolado
e um pouco mais dramático,
porque meu silêncio já não é uma omissão,
mas uma mentira”
(Caio Fernando Abreu)

EU TE AMO, NÃO TE AMO...

"Eu te amo,
mas quero viver sozinha.
Eu não te amo,
mas preciso dormir com alguém.
Eu te amo,
mas sonho em ter outros homens.
Eu não te amo,
mas quero ter um filho.
Eu te amo,
mas não posso prometer nada.
Eu não te amo,
mas prefiro jantar acompanhada.
Eu te amo,
mas preciso fazer uma viagem.
Eu não te amo,
mas me cobram uma companhia.
Eu te amo,
mas não sei amar.
Eu não te amo,
mas queria..."
(Martha Medeiros)

NEM EU SEI O QUE QUERO...

“Eu me criei vazia e não soube preencher.
Mas sinto que ainda necessitando de distância
e tempo pra pensar sozinha,
eu quero mesmo é alguém me faça
mudar completamente de opinião.
Que faça meu corpo querer companhia
nos momentos em que minha mente
insiste pela solidão.
Que faça meu coração lutar contra minha razão
que tanto toma conta de mim
sem saber se é isso mesmo que eu quero.
Se nem eu sei o que quero..."
(Verônica H.)

A PENSAR EM VOCÊ...

"Guarda tua tristeza, que já tenho a minha.
Não vamos dividir o dissabor das reticências.
O tempo, se não cura, torna opaco.
Os resíduos da noite sucumbem ao novo dia.
Os fragmentos de minhas loucuras
estilhaçaram sob teus pés.
Calamo-nos.
Porque o silêncio desfaz amargos dizeres.
Na solidão, que destrói limites
e dispersa a razão,
tomo minha mudez como amante.
É com ela que passo as horas
a não pensar em você."
(Autor Desconhecido)

CANSEI...

"Cansei de pensar em você. Fisicamente.
Sinto dores no peito
como se tivesse corrido toda a noite
atrás do caminhão de lixo
na tentativa desesperada de tirar de lá
algo de muito valor que, por engano, joguei fora.
Mas, quando cheguei perto de alcançá-lo,
esqueci do que se tratava.
Cansei de me ver através dos seus olhos.
Cobradores.
Mesmo nos meus momentos mais frágeis,
em que lágrimas de impotência
ou de genuíno arrependimento rolavam pelo meu rosto,
você não me colocou em seu peito.
Tudo o que eu precisava era carinho.
Implorava. Do meu jeito.
O único que, até então, conhecia.
Cansei de me compadecer de mim mesmo.
Nos últimos tempos,
fui uma versão novelesca do que costumava ser.
E odiava.
Mesmo com tantas sinceras tentativas,
não aprendi a dar amor a você.
Juntos, poderíamos ter sido muito felizes.
Mas, antes, chegamos a uma bifurcação.
Em vez de enxergarmos duas possibilidades
-talvez promissoras- de caminho,
amaldiçoamos termos perdido tempo
em uma rota inútil.
Cansei de pensar que poderia ter sido diferente.
Se pudesse, teria sido.
Se você quisesse, teria sido.
Talvez eu não estivesse à altura do seu sonho.
Talvez eu fosse pouco.
Hoje sei que sou muito mais do que você sonhou.
Cansei de esquadrinhar
se você me substituirá facilmente.
Ou se já o fez.
Não posso atrelar o meu valor
aos seus ímpetos sexuais.
Não vou me permitir cair nesse buraco sem fundo,
de me sentir invisível, preterível,
por não ser mais olhado por você.
Cansei de estar só.
Mesmo já estando assim há tanto tempo,
sua ausência física trouxe a dura certeza
do abandono a que me submeti.
A dura certeza de quanto preciso aprender a me doar.
A dura certeza de que morro de medo da solidão.
Cansei de pensar em tudo de bom.
Seus olhos que conhecem toda a maldade do mundo,
mas não foram corrompidos por ele.
Nossas risadas.
Seus presentes fora de hora.
Nossas caminhadas de mãos dadas.
Suas bochechas coradas quando tomava porre.
Nossos vinhos e seus efeitos.
Seu beijo.
O sonho do nosso lar tão repleto de nós
que, dia-a-dia, se desfaz. Desaparece.
Inexiste. Como nós.
Cansei..."
(Galm)

AMBIGUIDADE PERIGORA

"É de certo modo atrativa a maneira como cativa...
mas ao mesmo tempo deixa-nos impotentes e revoltados.
É uma ambiguidade perigosa.
Pelo menos para mim.
De todos os que ela levou de mim a nenhum esqueci,
queria que me deixasse
os que ainda conservo por mais algum tempo...
mas ela é assim: incerta, surpreendente
e relevantemente revoltante.
Não tenho qualquer medo que me leve consigo
ou que me roube para si.
A ansiedade que sinto deve-se apenas a querer
que tudo quanto quero fazer
fique terminado antes que me leve.
Hoje que a terra encerra
mais um dos que foram levados de mim...
Esta estranha e ambiguidade perigosa
tão atrativa quanto dilacerante
a que me refiro é nem mais nem menos que a morte."
(Senhora da Noite)

segunda-feira, 1 de março de 2010

UMA ESPERANÇA DE AMOR

"E foi um vento de esperança
que bateu minha porta
eu não sabia por isso não lhe disse nada
pensei que teria tempo
de sentar, se ajeitar,
sentir o gosto do descanso
mas como todo vento que balança
chegou, me balançou
e se foi.
era uma esperança de amor.
E vem depressa, passa como passa...
o pássaro..."
(Juliana Freitas)

SEGREDO

"Esta noite morri muitas vezes,
à espera de um sonho que viesse de repente
e às escuras dançasse com a minha alma
enquanto fosses tu a conduzir
o seu ritmo assombrado nas terras do corpo,
toda a espiral das horas que se erguessem
no poço dos sentidos. Quem és tu,
promessa imaginária que me ensina
a decifrar as intenções do vento
a música da chuva nas janelas
sob o frio de fevereiro? O amor
ofereceu-me o teu rosto absoluto,
projetou os teus olhos no meu céu
e segreda-me agora uma palavra:
o teu nome -essa última fala da última
estrela quase a morrer
pouco a pouco embebida no meu próprio sangue
e o meu sangue à procura do teu coração."
(Fernando Pinto do Amaral)

COMPLETAS

"A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em fundos sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade..."
(Manuel António Pina)

NESTA ÚLTIMA TARDE EM QUE RESPIRO

"Nesta última tarde em que respiro
A justa luz que nasce das palavras
E no largo horizonte se dissipa
Quantos segredos únicos, precisos,
E que altiva promessa fica ardendo
Na ausência interminável do teu rosto.
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo o teclado;
Desta falta de tempo, sorte , e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro."
(António Franco Alexandre)

OLHE E ESCUTE MAIS...

"...E quando eu estiver distante,
com uma vontade de chorar, deixe.
quando eu estiver nua de mim,
se afaste, não pergunte.
não fale dos meus sonhos,
nem me lembre que os deixei
não brigue por eu estar sempre te perdendo
e por querer me perder também
deixe que o silêncio entre pela casa
e faça dela seu lar
pare de andar, e olhe pra mim
eu preciso sentir que me vê, que me lê.
não pergunte por que te quis aqui
por que te chamei, por que te quis companhia,
se eu estava só
não vá me apertar contra você
e dizer que te usei
que só te quis platéia
não vá embora, olhe!
me olhe todo o tempo, e se afaste
eu preciso que esta distância pouca
que tenho entre o seu corpo de pé...
aflito, e o canto onde estou
te proteja de mim
olhe, e escute mais..."
(Juliana Freitas)

COMOVE-ME...

"Comovem-me ainda os dias
que se levantam
no deserto das nossas vidas.
Dos belos palácios da saudade
não resta a impressão dos dedos
nas colunas fendidas,
e nada cresce nos pátios.
Muito além, depois das casas,
o último marinheiro continua sentado.
Os seus cabelos são brancos,
pouco a pouco.
Aqui,
tudo se resume a algumas tâmaras
que secaram ao sol,
longe do orvalho,
das fontes que pareciam nascer de um olhar
turvo sobre a sede da terra.
Comovem-me ainda as palavras
que dizias aos meus ouvidos
aprisionados pela música.
Comovem-me as cadeiras vazias, no pátio.
Lembro-me sempre de ti..."
(José Agostinho Baptista)

PALAVRAS MINHAS

"Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.

Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.

Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas."

(Pedro Tamen)

EU NÃO FUI EMBORA...

"Eu preciso te dizer que eu não fui embora.
Me perdoe, eu não consegui passar a porta,
seguir pelo jardim, fechar o portão.
Me perdoe, porque não te deixei!
Os poucos passos que dei não me fizeram ir longe.
Também não procurei a outra margem do rio, do mundo.
Eu não fui morar em marte,
não abandonei minhas peças de roupa,
o meu andar, não segui o vento.
Eu sei que não vai ser fácil entender,
porque na maioria das vezes as pessoas vão embora.
Mas me perdoe, porque eu ainda estou aqui!
Eu não te tirei do meu caminho,
dos meus dias demorados, das minhas culpas,
do meu primeiro e último pensamento do dia.
Não te coloquei em nenhuma caixa pequena,
não parei de ler nossas cartas e ver fotografias
quando me desse vontade.
Eu não te deixei porque no meu mundo,
no mundo que eu acredito,
e que deve existir mesmo que só dentro de mim,
as pessoas não vão embora,
a gente não abandona os nossos amigos.
E se por algum motivo esse amigo quiser partir,
o lugar dele estará sempre cuidado...
A gente vai ficar e decorar a sua árvore,
ela estará sempre cheia de flores,
terá sombra, perfume, e muita saudade,
pra que ele saiba, na sua volta,
que tem um lugar, um amor.
É por isso que eu não segui pra lugar nenhum,
não atravessei barreira,
nada que me levasse de verdade pra longe,
e não farei isso..."
(Juliana Freitas)

TU JÁ ME ARRUMASTE

"Tu já me arrumaste
no armário dos restos
eu já te guardei
na gaveta dos corpos perdidos
e das nossas memórias
começamos a varrer
as pequenas gotas de felicidade
que já fomos.
Mas no tempo subjetivo
tu és ainda o meu relógio de vento
a minha máquina aceleradora de sangue
e por quanto tempo ainda
as minhas mãos serão para ti
o noturno passeio do gato no telhado?"
(Isabel Meyrelles)

PRÍNCIPE

"Era de noite quando
eu bati à tua porta
e na escuridão da tua casa
tu vieste abrir
e não me conheceste.
Era de noite
são mil e umas as noites
em que bato à tua porta
e tu vens abrir
e não me reconheces
porque eu jamais bato à tua porta.
Contudo
quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
os teus olhos de repente
viram-me pela primeira vez
como sempre de cada vez é a primeira
a derradeira instância do momento
de eu surgir e tu veres-me.
Era de noite quando eu bati à tua porta
e tu vieste abrir
e viste-me como um náufrago
sussurrando qualquer coisa
que ninguém compreendeu.
Mas era de noite
e por isso
tu soubeste que era eu
e vieste abrir-te
na escuridão da tua casa.
Ah era de noite
e de súbito
tudo era apenas lábios pálpebras
intumescências cobrindo o corpo de flutuantes
volteios de palpitações trémulas adejando
pelo rosto beijava os teus olhos por dentro.
Beijava os teus olhos pensados
beijava-te pensando
e estendia a mão
sobre o meu pensamento corria para ti
minha praia jamais alcançada
impossibilidade desejada
de apenas poder pensar-te.
São mil e umas
as noites em que não bato à tua porta
e vens abrir-me..."
(Ana Hatherly)

EM TODAS AS RUAS TE ENCONTRO

"Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto tão perto tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
em todas as ruas te perco..."
(Mário Cesariny)