quarta-feira, 22 de junho de 2011

RETRATO DE UM DESCONHECIDO

"Ele tinha uns ombros estreitos,
E a sua voz era tímida,
Voz de um homem perdido no mundo,
Voz de quem foi abandonado pelas esperanças,
Voz que não manda nunca,
Voz que não pergunta,
Voz que não chama,
Voz de obediência e de resposta,
Voz de queixa, nascida das amarguras íntimas,
Dos sonhos desfeitos e das pobrezas escondidas.

Há vozes que aclaram o ser,
Macias ou ásperas, vozes de paixão e de domínio,
Vozes de sonho, de maldição e de doçura.
Os ombros eram estreitos,
Ombros humildes que não conhecem as horas
De fogo do amor inconfundível,

Ombros de quem não sabe caminhar,
Ombros de quem não desdenha nem luta,
Ombros de pobre, de quem se esconde,
Ombros tristes como os cabelos de uma criança morta,
Ombros sem sol, sem força, ombros tímidos,
De quem teme a estrada e o destino
De quem não triunfará na luta inútil do mundo:
Ombros nascidos para o descanso das tábuas de um caixão,
Ombros de quem é sempre um Desconhecido,
De quem não tem casa, nem Natal, nem festas;
Ombros de reza de condenado,
E de quem ama, na tristeza, a sombra das madrugadas;
Ombros cuja contemplação provoca as últimas lágrimas.

Os seus pés e as suas mãos acompanhavam
Os ombros num mesmo ritmo.
Mãos sem luz, mãos que levam à boca
O alimento sem substância,
Mãos acostumadas aos trabalhos indolentes,
Mãos sem alegria e sem o martírio do trabalho.
Mãos que nunca afagaram uma criança,
Mãos que nunca semearam,
Mãos que não colheram uma flor.
Os pés, iguais às mãos
— Pés sem energia e sem direção,
Pés de indeciso, pés que procuram
As sombras e o esquecimento,
Pés que não brincaram, pés que não correram.

No entanto os olhos eram olhos diferentes.
Não direi, não terei a delicadeza precisa na expressão
Para traduzir o seu olhar.
Não saberei dizer da doçura e da infância daqueles olhos,
Em que havia hinos matinais e uma inocência,
Uma tranqüilidade, um repouso de mãos maternas.

Não poderei descrever aquele olhar,
Em que a Poesia estava dormindo,
Em que a inocência se confundia com a santidade.
Não poderei dizer a música daquele olhar
Que me surpreendeu um dia,

Que se abriram diante de mim como um abrigo,
E que me trouxe de repente os dias mortos,
Em que me descobri como outrora,
Livre e limpo, como no princípio do mundo,
Envolvido na suavidade dos primeiros balanços,
Sentindo o perfume e o canto das horas primeiras!
Não direi do seu olhar!

Não direi do seu olhar!
Não direi da sua expressão de repouso!
Ainda não sei se era dele esse olhar,
Ou se nasceu de mim mesmo, num rápido instante de paz
E de libertação!"

(Augusto Frederico Schmidt)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

ESTOU APRENDENDO...

"Venha pra perto de mim e veja como eu estou só
Senta, não olha pro chão
A culpa não foi de ninguem, não, não
Ahh, tô aprendendo a viver sem você
Sei que o dia raiou para mim
Mas pra você tanto fez
Sei que não vou mudar sou assim
Para você sou mais um
Ahh, tô aprendendo a viver sem você
Ahh, tô aprendendo e não quero aprender
Tô voltando pro meu recanto
Lá é bem melhor
Não, não sei quem vai estar me esperando
Eu nunca vou estar só
tô aprendendo a viver sem você
tô aprendendo e não quero aprender
tô aprendendo a viver sem você..."
(Rodrigo Netto)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

SÓ SEI FALAR DE AMOR

"Sinto algo no meu pulso
e fervoroso escrevo apressado no impulso,
por que pulsa dentro de mim um fogaréu que me inflama.

Sinto a solidão da noite e acordo em claro, em chamas,
levanto sonolento,
no escuro da madrugada silenciosa, no alento,
e como alguém que subscreve, subscrevo mascarado,
quase de olhos serrados.

O amor que sinto vem das entranhas,
sigo algo impulsivo e um pulsar de amor que vem estranho,
é meu coração que eu mesmo assim me fiz.

Sinto saudades do amor da mulher que amei e não me quis,
por não saber me amar, não saber de fato se entregar,
por medo do pecado que a Igreja lhe entranhou,
por vergonha de amar pela sociedade que mal lhe ensinou,
mas o verdadeiro mal lhe impregnou.

Já amo muito aquela mulher que ainda vai demais me amar,
amo os filhos meus e dela que ainda vão nascer.
Amo os meus filhos distantes que ainda em breve vão chegar,
e no meu colo vão se achegar.
Amo meus pais que se foram e em Jesus vão ressuscitar.
Amo poucos parentes distantes daqueles muitos tão perto,
os amigos virtuais que preenchem as manhãs e noites,
e os reais tão poucos mas distantes que eu cerco,
os meus cães tão fervorosos comigo no dia a dia
e os animais e a flora, da natureza sã.
Amo minhas tintas, canetas, as cores, a poesia.

Eu só sei falar de amor, me perdoem falar.
Exalo-me em amor sem-vergonha, sem medo de amar,
pois o amor é pra se sentir, pensar, escrever, falar, dar, doar
e quem nunca amou ou amou pouco, ainda vai muito amar.

A poesia ela me seduz e encanta, me ilude e faz sonhar.
A verdade é a minha pele nua e crua, sem ninguém a acariciar
e a solidão a me espreitar os sonhos a me trazerem insônia,
assim escrevo nas madrugadas pra desabafar
a solidão de um artista e poeta perante a imensa natureza,
sem tempo, apenas a poesia, o amor, a beleza..."

(Pietro Biaggi)

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

ORAÇÃO

"Que o corpo não seja um limite
Que a alma se liberte
Que se desancorem as paixões
Que se desencastelem as razões
Que se lavem as escadarias do medo
Que se evaporem as desavenças
Que desapareçam os moldes
Que os olhos se iluminem
Que as cores e cheiros se multipliquem
Que se ágüe a vida..."
(Augusto Martins)

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

TE AMO

"Não preciso te conhecer pra dizer que te amo.
Seja lá quem você seja
és uma das faces do Ser no planeta.
Uma faceta que escorre
pelas gretas tentando safar-se.
Machuca. Machuca-se.
Dá murro em ponta de faca.
Bate cabeça. Dá as costas.
Enfrenta.
Não corre da raia. Tropeça.
Vai aos trancos e barrancos.
Luta para estar vivo. Aspira,
porque aspirar é da natureza de quem respira.

Te amo,
seja preto, branco, vermelho ou amarelo.
Sei que o elo vai além das considerações
e o que nos une transluz em batidas cardíacas,
em cadências e pulsares.
Pode, até, esconder-se nos confins da Terra,
mas não adianta, tua essência berra.
Não há nesga que não esteja contida,
que não seja acolhida
pelo sopro do amor.

Te amo e pronto!
Se queres o confronto,
se em alguma instância o desaponto,
põe um ponto.
Talvez reticências,
mas sempre existirá o nós.
Somos feitos de relações
e apesar de termos sentimentos que nos separam,
todos são um modo de amor que ainda não vingou.

Te amo
pela simples razão.
Por ser fato consumado.
Para além das estribeiras.
No entanto e sem intuito.
Fortuito ou arteiro.
Te amo árido,
cálido, falido, polido,
intransigente, receptivo.
Não importa o adjetivo.
Te enxergo coração noviço,
em reboliço para entender o que se passa.
Para entender que aonde há fumaça
o fogo principia.
E se há fogo, não haverá paz
enquanto não se permitir incendiar-se
pela paixão do espírito.

Te amo.
E por mais que disfarces,
por mais que se distraia
com púrpuras e brilhos
te vejo como a mais rara poesia.
Um capricho do Grande Espírito
ao povoar sua casa..."
(Rosam Cardoso)

sábado, 25 de dezembro de 2010

CIÚME...

"Descobri que sou ciumenta!
não tenho ciúme de você
tenho ciúme de mim,
da minha sombra.
Ela me ofusca
e quando você passa, nada vê
só a ela.
Essa não sou eu
ela não te quer
ela não sabe sorri o meu sorriso
ela não sabe te olhar como meus olhos
ela não não sabe te ouvir como eu
ela não tem braços para te abraçar como eu
mas o que me deixa mais tranquila
é que ela não tem boca para dizer o que eu sinto
Ela nunca vai te conquistar!"
(Margareth Bárbara)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

UM DIA...

"Um dia,
quando a ternura for a única regra da manhã,
acordarei entre os teus braços,
a tua pele será talvez demasiado bela
e a luz compreenderá
a impossível compreensão do amor.
Um dia,
quando a chuva secar na memória,
quando o inverno for tão distante,
quando o frio responder devagar
com a voz arrastada de um velho,
estarei contigo e cantarão pássaros
no parapeito da nossa janela,
sim, cantarão pássaros,
haverá flores,
mas nada disso será culpa minha,
porque eu acordarei nos teus braços
e não direi nem uma palavra,
nem o princípio de uma palavra,
para não estragar a perfeição da felicidade..."
(José Luís Peixoto)

domingo, 17 de outubro de 2010

QUANDO O AMOR VAI EMBORA...

"Quando o amor resolve partir
Geralmente ele não sabe pra onde ir
Ele também nunca deixa um recado
E segue por aí arrasado
Quando ele decide que chegou a sua hora
Não existe nenhuma história
Que consiga prendê-lo
Nenhuma lembrança que possa detê-lo
Nada que o faça ficar
Quando acontece do amor acabar
Não nos avisa se depois vai voltar
Não nos confidencia se vai reviver
Quando ele termina, só nos faz sofrer
Quando o amor desliza por entre os dedos
Cheio de medos
E não ouve os nossos apelos
É sinal que ele se atropelou
Se partiu e se quebrou
Quando o amor vai embora
Deixa uma chaga aberta no peito
Uma esperança de vê-lo refeito
E quando ele foge pra lugares distantes
Quando se perde por entre momentos intrigantes
Por entre frases decepcionantes
É sinal que ele ficou fraco
Que virou um farrapo
Amor de verdade tem que ter qualidade
Equilíbrio e quantidade
Tem que ter sinceridade
Pode ser passivo de estragos, mas com consertos
Pode esmorecer, mas tem que saber sobreviver
Quando o amor realmente vai embora
E com ele carrega um peso dos ombros
E consegue logo remover os escombros
É porque ele definitivamente acabou
Mas quando o amor vai embora
Alguma cicatriz ele deixou
Algum arrependimento
Alguma dor, algum lamento
E aí vem o tempo...
O grande companheiro
E faz parecer que nada foi verdadeiro
Cada dia que passa, cada ano que se vai
Carrega todas as lembranças
Carrega as tristezas e as desconfianças
E aí... tropeça-se em outro amor
Esquece que já se viveu tanta dor
Quando um amor vai embora
Significa que chegou a hora
De apagar o passado
Olhar pro lado... e recomeçar
Quem sabe um novo amor encontrar..."
(Silvana Duboc)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

AMOR ADORMECIDO

"A vida é um eterno buscar
Buscar o possível em quem sabe o impossível
Impossível que instigar a ir mais longe
Mais longe fazer o que?
Buscar o que perdeu ?
Não, buscar o que é teu e que estava guardado
Guardado somente pra ti
Tu que viestes buscar o que nem sabia que já era teu
Por isso ele te reconheceu primeiro
E te contou quem era e o que fazia
Adormeceu te esperando, mas assim que te viu, despertou
E te lembrou que ele era teu, só teu
E que te esperou e muito mais esperaria
Até que que o teu buscar chegasse até ele...
Ele enfim te enlaçou e murmurou...
"Me leva contigo por que sou só teu desde sempre
Sou o teu amor,aquele que achavas perdido,
Mas eu só estava adormecido...
Esperando até que estivesses pronta pra mim..."
(Denise do Amaral)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ÁPICE DO AMOR

"Ama-me com todas as urgências
Com toda a fome que as distâncias nos fizeram...
Ama-me com todos os defeitos
Com todas as verdades, que as mentiras negaram.
Ama-me do teu jeito, sem molduras, sem Verniz,
Em toda tua autenticidade.
Ama-me com ternura, com a força da sensualidade,
Com a razão e a loucura do amor.
Ama-me mesmo que para os outros seja sem nexo,
Nossa química não se explica,
s sente e multiplica...
Ama-me um tanto do que te amo
e saberá o que é o êxtase da felicidade..."
(Maxuel Scorpiano )

QUERO ALGUÉM...

"Quero alguém...
que decifre as minhas músicas
Que desvende os meus segredos
E venere os meus mistérios
Alguém para estancar todo esse sangue
a sensualidade contida e esse desejo que verte
e não encontra calhas onde escoar
Quero que percorra meus sons com os dedos
Que adentre essas cavernas
Que descubra esses caminhos
Alguém que termine as minhas deixas
Que, a cada frase que irrita, me complete
E a cada poro que grita, me liberte
Quero bom dia e a vontade de querer o dia inteiro
Quero gosto e quero cheiro
Quero toque e quero pele
Mas não quero tudo assim, exposto
Eu quero em partes, em etapas
E também não quero parte
Eu quero alguém.
E quero inteiro..."
(Karol Felicio)

CAMINHO

"Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora."

(Camilo Pessanha)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

MUITO ALÉM DO JARDIM

"Nosso amor morreu tao cedo
Durou o tempo exato da agonia,
Foi pro espaço muito além do jardim
Desafinou, quebrou o instrumento
Nosso amor não teve medo
Foi fulminante como um raio em noite, violento
Em tão pouco tempo e tão feliz quanto sim
Um desafio a mais ao sofrimento
Foi um tempo de um brilho intenso, embriagador
Justo quando eu me acliamatava o ar faltou
No instante em que acelerava, o sinal fechou
Peixe que fora d'água me escapou
No momento em que me sentava, o filme acabou
Foi como um edificio novo que desabou...
Foi como o incontrolavel fogo que se apagou
Foi novamente o tapa brutal da dor..."
(Sérgio Sampaio)

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

O SOM DO MUNDO

"Amo quando chega à madrugada,
E ouço o som da noite...
Sento na lua, quieta parada
Apenas ouvindo...
Ouço a respiração da terra,
O pulsar do coração do mundo.
É um som misterioso,
Tem algo de enigmático...
É o som do mundo!
Que dentro de mim faz eco
Som que me encanta, me instiga
Que me faz perguntas
E não possuo respostas.
E continuo assim quieta, parada
Quase sem respirar...
Esperando... Ouvindo...
O respirar da Terra,
O som do silêncio,
O som do mundo..."
(Bandys)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

DESENCANTO

"Tua silhueta ainda arranha minha retina.
Contigo ignorei o futuro
vislumbrei apenas o preciso;
—um blefe do destino—
Que seja!
Atravessei meus espinhos,
perdi todas as defesas.
Hoje, imune à dor -refém de mim,
lastimo a insistência da vida.
Poderia ser tudo maior.
Sim! Poderia!
Mas era preciso muito...
muito mais!
Nessa paixão sem amanhãs;
-réstia de luz- refletida
nessa taça de cristal trincada..."
(Ana Cristina Souto)