domingo, 29 de novembro de 2009

METADE

"Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza
Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo
Não sejam ouvidas como prece
e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta
a um homem inundado de sentimentos
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
Que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que eu penso
e a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste,
que o convívio comigo mesmo
se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso
Que eu me lembro ter dado na infância
Por que metade de mim é a lembrança do que fui
Mas a outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é a platéia
A outra metade é a canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também."
(Oswaldo Montenegro)

UMA ORAÇÃO

"Chuva, lave minha alma;
purifique meu espírito;
dê-me a paz que tanto quero.
Regue meu ser
para que floresça o melhor de mim!
Vento, traga a felicidade;
aproxime-me das pessoas que amo;
ajude-me a semear esperança por todo lugar!
Sol, descongele meu coração;
aqueça meu corpo e ilumine meu caminho!
Amém!"
(Autor Desconhecido)

CORTO-ME...

"Corto-me em sangues
Para que possas ver
O meu amor líquido por você
Para que possa ver
O meu ódio dentro da carne
Sangro-me em cortes
Para que possa me amar novamente.
Corto-me em mim, somente por você..."
(Diogo E. de Castro)

ÁLGEBRA RETRAIDA

"E agora sua vida habita
um ontem que não existe mais...
E tudo isso, cores formas,
belezas, encontros e pessoas
Parece tudo junto num raio de distância
perto e longe das minhas mãos
Me sinto incapaz,
em tom grave pensando em como ponderei...
Repulsão poderia ser a palavra
para o sentimento que habita tem meus olhos hoje.
Quem sabe amanhã, os mesmos vão aguar isso,
e o mar volte a refletir o céu
Ou céu a refletir o mar,
fazendo bocas sorrir..."
(Diogo E. de castro)

SOMOS DEUSES TAMBÉM...

Refletimos aquilo que as pessoas esperam
e pensam sobre nós,
vamos estar sempre presos em um sistema
em que o nosso próprio nome nos engaiola,
pois já é automático,
somos educados desde crianças a sermos assim.
vai sempre refletir nos nossos olhos
aquilo que o nosso inconsciente
já programou para ser pensado.
Precisamos nos reeducar,
pois não viemos ao mundo para entender
e nem sermos entendidos,
viemos ao mundo simplesmente para viver,
aproveitar a natureza
que é apenas natureza e nada mais.
Se existe realmente o divino,
então o divino somos nós,
pois se Deus nos fez a sua imagem e semelhança
então somos deuses também..."
(Pedro Barbosa)

A SUPREMA INTELIGÊNCIA DO MUNDO...

"Dirijo minha luta
não contra as crenças religiosas dos homens,
mas contra os que exploram a crença.
Detestemos essas criaturas
que devoram o coração de sua mãe
e honremos aqueles que lutam contra elas.
Acredito na existência de Deus.
Em verdade, se Deus não existisse,
fora preciso inventá-lo.
Meu Deus não é um Rei exclusivo
de uma simples ordem eclesiástica.
É a suprema inteligência do mundo,
obreiro infinitamente capaz
e infinitamente imparcial.
Não tem povo predileto,
nem país predileto,
nem igreja predileta.
Pois para o verdadeiro crente há,
apenas, uma única fé,
justiça igual e igual tolerância
para toda a humanidade."
(Voltaire)

AS PALAVRAS QUE EU DIGO...

"Tenho medo de escrever, é perigoso.
Quem tentou, sabe.
Perigo de mexer no que está oculto
—e o mundo não está a tona,
está oculto em suas raízes submersas
em profundidades do mar.
Para escrever tenho que me colocar no vazio,
mas é um vazio terrivelmente perigoso,
dele arranco sangue.
Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras:
as palavras que digo escondem outras
-quais? Talvez as diga.
Escrever é uma pedra lançada no poço fundo..."
(Clarice Lispector)

DE CARA LAVADA...

"Hoje me desfiz dos meus bens
vendi o sofá cujo tecido desenhei
e a mesa de jantar onde fizemos planos.
O quadro que fica atrás do bar
rifei junto com algumas quinquilharias
da época em que nos juntamos...
A tevê e o aparelho de som
foram adquiridos pela vizinha
testemunha do quanto erramos.
A cama doei para um asilo
sem olhar pra trás e lembrar
do que ali inventamos.
Aquele cinzeiro de cobre
foi de brinde com os cristais
e as plantas que não regamos...
Coube tudo num caminhão de mudança
até a dor que não soubemos curar
mas que um dia vamos..."
(Martha Medeiros)

ENTENDER QUE NÃO ENTENDO...

“Não entendo.
Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais:
mas pelo menos entender que não entendo.”
(Clarice Lispector)

AGORA QUE SINTO...

"Agora que sinto amor
tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou
que uma flor tivesse cheiro.
Agora que sinto o perfume das flores
como se visse uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam,
como sei que existiam.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração
da parte de trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-se bem
num paladar que se cheira.
Hoje ás vezes acordo
e cheiro antes de ver.
Talvez quem vê bem não sirva
para sentir e não agrada por estar
muito antes das maneiras.
É preciso ter modos
para todas as coisas,
E cada coisa tem seu modo,
o amor também..."
(Fernando Pessoa)

ESPELHO EM ENIGMA

"Quando eu era menino,
falava como menino,
sentia como menino,
discorria como menino,
mas, logo que cheguei a ser homem,
acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos
por espelho em enigma,
mas então veremos face a face;
agora conheço em parte,
mas então conhecerei
como também sou conhecido."
(Corinteos -cap.13)

EU

"Eu sou a que no mundo anda perdida
Eu sou que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte,
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida.
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendido!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que alguém sonhou.
Alguém que veio ao mundo prá me ver.
E que na vida nunca me encontrou!"

(Florbela Espanca)

CORTAR O TEMPO

"Quem teve a idéia
de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de Ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar
no limite da exaustão.
Doze meses dão
para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
aí entra o milagre da renovação.
E tudo começa outra vez,
com outro número
e outra vontade de acreditar
que daqui pra diante vai ser diferente!"
(Carlos Drummond de Andrade)

HAVERÁ PARADEIRO PARA ISSO?

"Haverá paradeiro para o nosso desejo
Dentro ou fora de um vício
Uns preferem dinheiro
Outros querem um passeio perto do precipício
Haverá paraíso
Sem perder o juízo sem morrer
Haverá pára-raio
Para o nosso desmaio
Num momento preciso
Uns vão de pára-quedas
Outros juntam moedas antes do prejuízo
Num momento propício
Haverá paradeiro para isso?
Haverá paradeiro para o nosso desejo
Dentro ou fora de nós
Haverá paraíso?"
(Autor Desconhecido)

TUDO E NADA

"Quero ser enorme, quero ser grande.
Maior que o mundo, maior que o espaço
incompleto, infinito, incorruptível,
inconstante, interessante.
Quero ser grande.
Quero fazer um filme.
Quero escrever, atuar, produzir,
dirigir, determinar, destoar,
sentir, chorar.
Quero fazer chorar.
Quero fugir.
Quero uma ilha deserta, incoberta,
incólume, intocável, inatingível.
Quero ser inacessível.
Quero descobrir uma lei da Física.
Quero colar, descolar,
acelerar, desconcertar,
descompassar, descontrolar, frear.
Quero mudar.
E quero mais.
Quero ser tudo, sem ser nada.
Quero ser todos, sem ser ninguém.
Quero ir fundo, e mais além.
E não me chamem de Deus.
Amém..."
(Sofia Fada)

UM AMIGO ASSIM...

"Quero ter um amigo
que saiba ser bem vindo
que saiba ser normal,
que seja diferente
e nunca tão igual...
Que se perca em longas conversas.
Não tenha tanta pressa,
apareça nas horas certas.
Que saiba que saudades desperta
e que da alegria não se despeça...
Que chegue com seu jeitinho.
Tenha alma de menino,
sem temer o destino
Que pela vida se apaixone
e se faça apaixonar
Que saiba a hora certa de falar
e saiba o momento de silenciar...
Que me surpreenda
e saiba compreender.
Que tenha sensibilidade
e saiba sentir saudade...
No olhar tenha bondade,
no dia particidade.
Que saiba sorrir,
não goste de mentir
nem tenha receio de chorar...
Que com carinho me abraçe,
quando de mim precisar..."
(Majú Braga)

SEM NORTE

"Meu sossego saiu de férias nem me avisou!
Vasculhou meus armários.
Levou de mim a fantasia mais bonita
minhas alegorias, meus sapatos de algodão
colares de conchas do mar.
Meus brincos de estrelas
elos de proximidade que usava como pulseiras.
Me pintava de alegria e ele roubou meu sorriso
minhas vestes transparentes
meus sonhos e brilhos...foram todos!
Se vestiu de mim e foi embora
sem data de retorno por aí a fora
numa viagem inesperada.
Quase uma fuga.
Oh! sossego, não vá assim sem avisar!
Porque não me convidou para a festa no mar?
ou quem sabe numa cabana lá não sei onde...
onde se esconde a paz?
Sem você essa dor é tão doída,
se arrasta se embaralha, se espalha embrulha
traz de presente a dor!
Não me deixe assim tão sem mim
sem meus pertences tão sem norte
tão dormente, tão temente
tão de cara prá o nada
tão à mercê da vida..."
(Rosy Moreira)

DOIS E DOIS SÃO QUATRO

"Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena.
Como teus olhos são claros
e a tua pele, morena.
Como é azul o oceano
e a lagoa, serena.
Como um tempo de alegria
por trás do terror me acena
e a noite carrega o dia
no seu colo de açucena...
-Sei que dois e dois são quatro.
Sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena..."
(Ferreira Gullar)

DESCREVENDO-ME

"Passo a vida a limpo.
Com o lápis na mão,
me defino numa folha nova de papel branco.
Palavras foram feitas
para serem lidas, ou ditas.
Minhas palavras são desabafos,
terapeutas incondicionais, alimento.
Vou escrevendo e me descrevendo,
e me desfazendo do medo e das máscaras.
Crio minha imagem e recrio minha vida.
Interpreto minha peça, sem nexo.
Analiso personagens, desconectos.
Fantasio emoções, e o sexo.
Crio um amor, complexo.
Descrevo o amante, completo.
Sinto seu toque, por perto.
Se o mundo é noite escura,
pinto-o de cor-de-rosa,
e vivo meu conto de fadas,
escrito em forma de prosa..."
(Sofia Fada)

TEU CORPO FRIO...

"Não posso acreditar...
Não me faças acreditar,
Você não morreu!
Não me deixe sem notícias,
Não acredito que tenhas morrido.
Não adianta me enganar, fingir
E me assustar com essa maldade,
Essa tal conversa de recado chato.
Você não quer é dizer a verdade...
Não acredito que tenhas morrido!
Eu nem toquei teu corpo frio
E se quer vi teus olhos fechados,
Ou se quer debrucei meu corpo quente
Na tua sepultura fria...
Que dormirias teu corpo em sono eterno.
Na sepultura onde poderias eu te buscar
E despedir-me-ia com o último momento quente,
Último de vida minha, debruçar-me-ia
Pois no meu último suspiro de amor,
Esfriar meu corpo e jaz contigo ficar,
Não, eu não acredito!"
(Autor Desconhecido)

DOR

"Tenho medo da dor que sinto
E já me acostumei com essa dor;
Dor insana.
Mas não quero ter o gosto
Pelo sofrer assim...
No entanto, me atiro em mares
Com marés
Por isso vôo tanto como beija-flores
Por isso me atiro num mármore frio
De um canto qualquer
Pra me esconder em matizes
E esfriar-me da dor
Desse insano gosto..."
(Autor Desconhecido)

PENITÊNCIA...

"Aguardo que o Sol se ponha;
que o Céu então escurecendo
ganhe a cor da Lua cheia;
que estrelas pontilhem
em cada milímetro de meus olhos;
que renasçam as lembranças,
todas elas, de todos os dias;
que a saudade, ela sempre,
chegue de mansinho,
e na alma me faça um carinho;
no coração traga a dor,
a mesma a dor gostosa de sempre;
que eu chore, como choro
com o choro apaixonado de todos os dias,
mas que continue te sentindo
viva em mim, todas as noites,
em meus sonhos e suspiros;
pois só tua presença,
ainda que longe e ausente,
deixa pra mim a noite
com gosto de um amanhã
de manhãs claras, brilhantes...
enfim, com jeito de você!"
(Tadeu Paulo)

A BREVIDADE DO INFINITO....

"A eternidade de um segundo
A brevidade do infinito...
Um segundo um beijo
Um segundo, um toque
Um segundo sem você
Tempo demais pra que eu suporte.
Num segundo, te vejo
Em menos tempo me apaixono
Passa o tempo e não te vejo
Passa a vida e não te encontro...
Mas se te acho, muda tudo
Vida toda é pouco tempo
Eternidade é um só momento
Se te tenho do meu lado...
Nosso tempo é relativo
Nosso mundo é separado
Se lá fora o tempo voa
Nosso instante está parado..."
(Alexandro Sousa Costa)

PURA E SIMPLES

"Eu poderia vir aqui
e olhando dentro da tua inusitada alma
dizer que você é mais bonita
do que o avental pintado à mão
que minha mãe colocava aos domingos,
quando se preparava para fazer o nosso almoço,
em frente ao fogão à lenha.
Foi minha primeira visão de suavidade!

Eu poderia vir aqui
e olhando dentro de tuas meiguices raras
dizer que você é mais bonita
do que a gravata borboleta azul marinho
que meu pai, orgulhoso de sua fé
e orgulhoso da fé que imaginou que eu tivesse,
enfeitou meu pescoço quando fiz a primeira comunhão.
Foi minha primeira visão de santidade!

Eu poderia vir aqui
e olhando dentro de teus lugares ocultos
dizer que você é mais bonita
do que a doída canção “Santa Lucia”
que meu avô ouvia sua gente cantar nos casamentos
e chorava e soluçava e se lembrava da Itália
de onde tinha partido muito moço com o coração partido.
Foi minha primeira visão de saudade!

Eu poderia vir aqui
e olhando dentro de teus olhos rimados
dizer que você é mais bonita
do que o soneto de Vinícius de Moraes
com que minha primeira namorada,
equivocadamente apaixonada,
fez a dedicatória no livro que me deu de presente,
quando demos o nosso primeiro beijo.
Foi minha primeira visão de eternidade!

Mas escolhi dizer:
- Você é linda!
Puramente..."
(Oswaldo Antônio Begiato)

PROCRIAÇÃO

"Quero-te na tua mais livre profundidade
Palmilhando as minhas mais insensatas superfícies
Como se eu fosse um prato raso
Com o ventre repleto de desejos tenros.
Quero-te na tua mais fraterna lógica
Defendendo as minhas mais insensíveis demências
Como se eu fosse uma rua estreita
Com o ventre repleto de paralelepípedos turvos.
Quero-te na tua mais igual exatidão
Inventariando as minhas mais insanas incoerências
Como se eu fosse um ponto cego
Com o ventre repleto de brotos ternos.
Quero-te, sobretudo, na tua mais pródiga fecundidade
Alimentando as minhas mais inservíveis esterilidades
Como se eu fosse tua filha bastarda
Com o ventre repleto de promessas toscas..."
(Oswaldo Antônio Begiato)

PORTO SEGURO

"Recolho as velas
toda vez que aporto em teu corpo
vindo de uma noite
de palavras à deriva
No aconchego dos teus braços
refaço o mapa do poema..."
(Ademir Antonio Bacca)

DESTINO

"Sou apenas um homem que chora o seu destino
Não conhecia o impacto doloroso do meu fado.
Eu sou apenas retalho de um cretino e libertino.
Traste envelhecido que relembra o seu passado.

O destino é isso é presente olhando para frente.
O passado é somente uma névoa quase apagada.
É o hoje se projetando para amanhã impaciente.
Numa vida construída e construindo já passada.

O destino não tem espaço de tempo é vencido.
Vencedor dos sentidos é perverso e insensível.
Vence a paixão torpe amor que reluta perdido.

Assim se comporta o destino ele é inexorável.
O maior aliado da dor e sentimento sofredor.
Eu sou um eterno aprendiz do impronunciável."

(Lino Soares Quintas Neto)

BEBI AS ESTRELAS...

"Bebi as estrelas
e saí ébria a rabiscar o mundo.
Entornada em pranto líquido,
a minha face,o vento acariciava,
os meus cabelos de repente,
transformados
feriram as pontas de dedos.
Viajei na madrugada,
libertei os meus fantasmas,
e encontrei a magia das mandrágoras,
e quando cortei as dores pela raiz,
mais alto chorei.
Jogada em leitos de rios de quimeras,
sou afluente de tudo,
é aí que me encontro.
Devoro as flores antes dos frutos.
Sou ave, e aspiro o pólen,
e sorvo o néctar.
E dos gritos doridos
eu preencho os meus ouvidos internos.
E nas línguas de fogo do lirismo,
eu me queimo.
Bebi as estrelas..."
(Maria Flor)

O ORGULHO DE SER...

"alguns casam-se com a destruição
porque amam aniquilar
vivem na podridão moral
porque o mal é que os alucina
e os domina por inteiro
só sentem prazer na dor
que sua maldade -por inveja-
pode trazer ou criar...
Eu prefiro a dor da tristeza
porque ela purga, limpa
e nos torna leves como nossa alma
e não escondo meu rosto,
nem meu nome, nem meu passado
ou meu presente...
Orgulho-me de ser o que sempre fui
orgulho-me de amar
orgulha-me ser parte do amor..."
(Tadeu Paulo)

ESSE TIPO DE HOMEM

"Sou esse tipo de homem
que fica bonito quando vê você feliz
Que entende a tua dor quando você chora
Que te faz sorrir
só pra ganhar um beijo teu cheio de amor.
Que faz do nosso tempo
os melhores momentos pra gente viver.
Sou esse tipo de homem
que não gosta de sofrer porque entende
que a felicidade existe de verdade
e que somos nós
os responsáveis por nós mesmos.
Sou esse tipo de homem
que você me faz ser,
por acreditar que sou especial.
Dizem que do lado de um grande homem,
existe sempre uma mulher
maravilhosa e pra mim,
essa mulher maravilhosa é você.
Mesmo que eu
não seja tão grande assim..."
(Homenino Poeta)

EU SOU ASSIM...

"Tenho tanto o que dizer
desta mistura de mim mesma.
Sou o grito de liberdade
que muitos teimam em sufocar.
Sou a miscigenação de muitas vidas
A procura do recomeçar.
Sou a busca permanente
das profundezas do ser.
Sou alguém que vive o presente
e com o passado tenta aprender.
Sou o olhar crítico
das máscaras desnudas.
Sou alguém que se expande
e a timidez tenta esconder.
Sou o presente precioso
que os amigos gostam de ter.
Sou Eva longe do paraíso
a procura do seu Adão.
Sou gestos, sou coração
sou amizade, sou confraternização.
Sou um rosto na multidão
posso ser um rosto em teu coração.
Sou alguém que passa ao teu lado
Mas posso ser teu irmão.
Para muitos, sou o livro fechado
para poucos, a leitura das entrelinhas
Sou o ser humano na cidade
extraindo do cotidiano a felicidade.
Sou uma mulher na praia
em busca da liberdade.
Sou mistura,sou solidão
sou encontros, sou desencontros.
Sou gente, gente simplesmente
procurando desvendar os mistérios
de vidas passadas e presentes.
Buscando constantemente
a essência de cada ser.
Na cidade ou na praia
sou essencialmente uma mulher
bailando pelo mundo
ignorando o ter
e abraçando o ser..."
(Zul Camargo)

SEM LÁPIDE, SEM FLOR

"Sepultarei este sentimento
sem lápide , sem flor,
no mais profundo esquecimento
sepultando junto toda minha dor.
Sepultarei minhas lembranças
e toda saudade que sinto de ti...
no mais profundo esquecimento,
no lamento de cada dia que perdi.
Sepultarei este sentimento
e junto dele minha esperança ,
minha ilusão sangrando a alma...
feito lança fincando o coração.
Enterro-te , meu sentimento,
no poço fundo que me lançastes,
permaneça lá no fundo de onde saíste
e nunca mais me vem afligir.
Sepultando-te eu sobrevivo sem lamúrias...
sem sofrimentos, encontrando minha luz,
afugentando meu tormento.
Sepulto este amor
no mais profundo esquecimento,
sem ressentimento.
Sem lápide , sem flor..."
(Leni Martins)

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

PÁGINA FINAL

"Mais uma vez o tempo me assusta.
Passa afobado pelo meu dia,
Atropela minha hora,
Despreza minha agenda.
Corre prepotente
A disputar lugar com a ventania.
O tempo envelhece, não se emenda.
Deveria haver algum decreto
Que obrigasse o tempo a desacelerar
E a respeitar meu projeto.
Só assim, eu daria conta
Dos livros que vão se empilhando,
Das melodias que estão me aguardando,
Das saudades que venho sentindo,
Das verdades que ando mentindo,
Das promessas que venho esquecendo,
Dos impulsos que sigo contendo,
Dos prazeres que chegam partindo,
Dos receios que partem voltando.
Agora, que redijo a página final,
Percebo o tanto de caminho percorrido
Ao impulso da hora que vai me acelerando.
Apesar do tempo, e sua pressa desleal,
Agradeço a Deus por ter vivido,
Amanhecer e continuar teimando..."
(Flora Figueiredo)

CÍRCULO VICIOSO

"Pedi ao tempo
que parasse um momento
de frente para o mar.
Que tirasse o tênis,
a camiseta suada,
que respirasse fundo
apenas o segundo suficiente
pra se poder sonhar.
Mas o tempo é inclemente.
Insiste em correr
arrastando a hora,
que leva na coleira
como bichinho de estimação.
Parece brincadeira!
Há tantos anos estamos assim,
que já não sei agora
se sou eu que corro atrás do tempo,
ou se é o tempo que corre atrás de mim."
(Flora Figueiredo)

A PESSOA ERRADA

"Pensando bem
Em tudo o que a gente vê,
E vivencia, e ouve e pensa
Não existe uma pessoa certa pra gente
Existe uma pessoa
Que se você for parar pra pensar
É, na verdade, a pessoa errada.
Porque a pessoa certa
Faz tudo certinho, chega na hora certa,
Fala as coisas certas, faz as coisas certas,
Mas nem sempre a gente tá precisando das coisas certas.
Aí é a hora de procurar a pessoa errada.
A pessoa errada te faz perder a cabeça
Fazer loucuras, perder a hora
Morrer de amor...
A pessoa errada vai ficar um dia sem te procurar
Que é pra na hora que vocês se encontrarem
A entrega ser muito mais."
(Luis Fernando Veríssimo)

O QUE CHAMAM AMOR...

"Chorei muitas vezes
de dor-de-cotovelo
e de desentendimento,
mas não posso me queixar,
pois, além do que vivi,
vejo hoje que as memórias
são sólidas quanto as realidades,
que muitas vezes se esvaem
mais rápido que aquelas.
Você ficou
como uma primeira sensação
do que chamam -amor-.
E como diz o poeta:
-...as coisas findam,
muito mais que lindas,
essas ficarão...-"
(Arnaldo Jabor)

MEU MANIFESTO

"Protesto veementemente
contra nosso amor pendente
na corda-bamba da vida.
Rejeito a saudade escondida
no bolsinho de trás do coração.
Não abro mão da ternura
se cai do teto,
se a sala é escura,
se o caminho que era reto ficou torto.
Se o gato mia ou finge-se de morto.
E repudio o lamento que cai na sopa
a cada despedida a queima-roupa,
que acaba perdendo-se no vento.
Mas, sobretudo,
exijo um tapete de veludo
para os passos que eu ainda quero dar.
Se você não se julgar capacitado,
esqueça a cena do beijo apaixonado
devolva o tema,
desligue o som.
De tudo que foi bom, eu guardo o espanto
por tê-lo achado e me perdido tanto,
por ter fundido meu tempo em sua hora.
Acertadas assim as diferenças,
Guarda-se o sonho no canto da despensa,
escreve-se um adeus - e vai-se embora."
(Flora Figueiredo)

AMAR NÃO ACABA

"Sempre me restará amar.
Escrever é alguma coisa exatamente forte
mas que pode me trair e me abandonar:
posso um dia sentir que já escrevi
o que é o meu lote neste mundo
e que eu devo aprender também a parar.
Em escrever eu não tenho nenhuma garantia.
Ao passo que amar eu posso até a hora de morrer.
Amar não acaba.
É como se o mundo estivesse à minha espera.
E eu vou ao encontro do que me espera.
Espero em Deus não viver do passado.
Ter sempre o tempo presente
e, mesmo ilusório, ter algo no futuro."
(Clarice Lispector)

EU EXISTO

"Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada:
Como sou misteriosa.
Sou tão delicada e forte.
E a curva dos lábios manteve a inocência.
Não há homem ou mulher que por acaso
não se tenha olhado ao espelho
e se surpreendido consigo próprio.
Por uma fração de segundo a gente se vê
como a um objeto a ser olhado.
A isto se chamaria talvez de narcisismo,
mas eu chamaria de : alegria de ser.
Alegria de encontrar na figura exterior
os ecos da figura interna:
ah, então é verdade
que eu não me imaginei, eu existo..."
(Clarice Lispector)

MINHA LIBERDADE

"Adoro o sentimento de liberdade
quando tiro meu manto pesado da crítica,
do medo, da culpa, dos ressentimentos e da vergonha.
Posso então perdoar a mim mesma e aos outros.
Isso nos liberta a todos.
Tenho vontade de abrir mão das velhas disputas.
Recuso-me a viver no passado.
Perdôo a mim mesma
por ter carregado esses velhos fardos por tanto tempo.
Perdôo-me por não saber como amar a mim e aos outros.
Somos todos responsáveis por nosso comportamento,
e o que damos, a vida nos retornará.
Portanto, não tenho necessidade de punir ninguém.
Todos estamos sob as leis de nossas próprias consciências.
Continuo em meu próprio projeto de limpar as partes
não perdoadas em minha mente,
e permito que o amor penetre.
Então, estou curada e inteira..."
(Louise L. Hay)

SE EU PUDESSE....

"Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe uma paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja..."
(Fernando Pessoa/Alberto Caeiro)

QUEM ME DERA...

"Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena..."
(Alberto Caieiro)

ANTES DE AMAR-TE...

"Antes de amar-te, amor, nada era meu
Vacilei pelas ruas e as coisas:
Nada contava nem tinha nome:
O mundo era do ar que esperava.
E conheci salões cinzentos,
Túneis habitados pela lua,
Hangares cruéis que se despediam,
Perguntas que insistiam na areia.
Tudo estava vazio, morto e mudo,
Caído, abandonado e decaído,
Tudo era inalienavelmente alheio,
Tudo era dos outros e de ninguém,
Até que tua beleza e tua pobreza
De dádivas encheram o outono."
(Pablo Neruda)

AMO A MANSIDÃO

"A mansidão eu amo e sempre que entro
Pelos ermos umbrais da escuridão
Abro os olhos para enchê-los
Da doçura dessa paz.
A mansidão eu amo sobre todas
As coisas deste mundo.
Na quietude das coisas eu descubro
Em canto enorme e mudo.
E quando elevo os olhos para o céu
No estremecer das nuvens eu encontro,
Na ave que cruza o espaço e até no vento
A doçura que flui na mansidão."
(Pablo Neruda)

ESPERANÇA

"Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda.
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim: mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos."
(Vicente de Carvalho)

O MEU PRIMEIRO AMOR...

"O meu primeiro amor sentávamos numa pedra
Que havia num terreno baldio entre as nossas casas.
Falávamos de coisas bobas,
Isto é, que a gente grande achava bobas
Como qualquer troca de confidências
entre crianças de cinco anos.
Crianças...
Parecia que entre um e outro
nem havia separação de sexos
A não ser o azul imenso dos olhos dela,
Olhos que eu não encontrava em ninguém mais,
Nem no cachorro e no gato da casa,
Que apenas tinham a mesma fidelidade sem compromisso
E a mesma animal - ou celestial - inocência,
Porque o azul dos olhos dela tornava mais azul o céu:
Não, não importava as coisas bobas que disséssemos.
Éramos um desejo de estar perto
Que não havia ali apenas duas encantadas criaturas
Mas um único amor sentado sobre a tosca pedra,
Enquanto a gente grande passava,
caçoava, ria-se, não sabia
Que eles levariam procurando
uma coisa assim por toda a sua vida..."
(Mário Quintana)

UMA TRIBO QUE SONHA

"Há uma tribo que sonha
e nunca esqueceu as asas.
E acredita em coisas simples,
sol, pão, chuva, beijo, lua.
E mesmo quando o sangue
tinge as tardes e os rios,
e as palavras se transformam
em veneno, pedras e facas,
alimenta as sementes da esperança
com lágrimas e pequenos gestos limpos
para que virem árvore."
(Roseana Murray)

CORRENDO ATRÁS DO TEMPO

"Ando em crise, numa boa,
nada de grave.
Mas, ando em crise com o tempo.
Que estranho "presente"
é este que vivemos hoje,
correndo sempre por nada,
como se o tempo tivesse ficado
mais rápido do que a vida,
como se nossos músculos, ossos e sangue
estivessem correndo atrás
de um tempo mais rápido..."
(Arnaldo Jabor)

GOSTO DE PALAVRAR

"Gosto de dizer.
Direi melhor: gosto de palavrar.
As palavras sao para mim corpos tocáveis,
sereias visíveis, sensualidades incorporadas.
Talvez porque a sensualidade real
não tem para mim interesse de nenhuma espécie
-nem sequer mental ou de sonho-,
transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim
cria ritmos verbais, ou os escuta de outros...
...Como todos os grandes apaixonados,
gosto da delícia da perda de mim,
em que o gozo da entrega se sofre inteiramente.
E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar,
num devaneio externo,
deixando que as palavras me façam festas,
criança menina ao colo delas..."
(Fernando Pessoa)

MORRE QUEM NÃO COME...

"Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta,
para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legitima defesa.
Mas o mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E no entanto morre quem não come,
e quem não come o suficiente morre lentamente.
Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender..."
(Bertold Brecht)

QUANDO VOU EMBORA...

"Quando vou embora,
sempre olho nos olhos das pessoas a quem amei.
E, da mesma forma que me abri em pétalas,
recolho-as com gratidão por um dia ter desabrochado.
As pétalas deixo nos livros
onde meus poemas guardam o segredo das imaterialidades.
Alguém sabe a quem se destina o canto,
a pausa,
o movimento de delicadíssima despedida
como pluma de afeto que não se sustenta no ar?"
(Celia Musilli)

CONVITE

"Não sou a areia
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
Não sou apenas a pedra que rola
nas marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou mistério...
A quatro mãos escrevemos este roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos a sério."
(Lya Luft)

CHUVA: SINAL DE ANJOS MAGOADOS

"Um dia chorei minhas lágrimas
tal qual os anjos choram a chuva.
De nada adiantou...
Tudo permaneceu exatamente como antes
de ter meu corpo encharcado
e a alma mergulhada em mim.
Nem mesmo dos anjos,
com quem compartilhava o ritual,
vieram consolos.
Desisti. Segui o caminho.
E quando cheguei,
percebi que não me deixariam parar.
Devia chorar mais temporais
e se realmente a decência me acompanhasse,
teria de chorar por Eles.
Tudo o que queria era a certeza
de que Os esqueceria,
ou de que não deixariam eu me afogar..."
(A. D.)

EXAUSTO

"Eu quero uma licença de dormir,
perdão pra descansar horas a fio,
sem ao menos sonhar
a leve palha de um pequeno sonho.
Quero o que antes da vida
foi o sono profundo das espécies,
a graça de um estado.
Semente.
Muito mais que raízes."
(Adélia Prado)

DESENCANTO

"Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre."
(Manuel Bandeira)

EU

"Até agora eu não me conhecia,
julgava que era eu e eu não era.
Aquela que em meus versos descrevera
Tão clara como a fonte e como o dia.
Mas que eu não era
Eu não o sabia mesmo que o soubesse,
o não dissera…
Olhos fitos em rútila quimera
Andava atrás de mim… e não me via!
Andava a procurar-me
- pobre louca!
- E achei o meu olhar no teu olhar,
E a minha boca sobre a tua boca!
E esta ânsia de viver, que nada acalma,
E a chama da tua alma a esbrasear
As apagadas cinzas da minha alma!"
(Florbela Espanca)

TENHO A IDADE QUE TENHO

"Tenho a idade dos sonhos
das ilusões, dos empates,
perdas e vitórias.
Tenho a idade das flores
dos bosques e florestas.
Tenho a idade das aves
das pipas que se perdem
no espaço dos dias
chuvosos e ensolarados
das noites escuras
e de lua cheia.
Tenho a idade que quero ter,
a idade que deixo entrever,
a idade que nunca terei..."
(Diva Cardacci)

CANÇÃO PARA UM DESENCONTRO

"Deixa-me errar alguma vez,
porque também sou isso:
incerta e dura, e ansiosa de não te perder
agora que entrevejo um horizonte.
Deixa-me errar e me compreende porque
se faço mal é por querer-te desta maneira tola,
e tonta, eternamente recomeçando a cada dia
como num descobrimento
dos teus territórios de carne e sonho,
dos teus desvãos de música ou vôo,
teus sótãos e porões e dessa escadaria de tua alma.
Deixa-me errar mas não me soltes
para que eu não me perca deste tênue fio de alegria
dos sustos do amor que se repetem
enquanto houver entre nós essa magia..."
(Lya Luft)

COISAS DA TERRA

"Todas as coisas de que falo
estão na cidade entre o céu e a terra.
São todas elas coisas perecíveis
e eternas como o teu riso
a palavra solidária, minha mão aberta
ou este esquecido cheiro de cabelo
que volta e acende sua flama inesperada
no coração de maio.
Todas as coisas de que falo são de carne
como o verão e o salário.
Mortalmente inseridas no tempo,
estão dispersas como o ar, no mercado,
nas oficinas, nas ruas, nos hotéis de viagem.
São coisas, todas elas, cotidianas,
como bocas e mãos, sonhos, greves, denúncias,
acidentes do trabalho e do amor.
Coisas, de que falam os jornais
às vezes tão rudes, às vezes tão escuras
que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade.
Mas é nelas que te vejo pulsando, mundo novo,
ainda em estado de soluços e esperança..."
(Ferreira Gullar)

ROSTO COM DOIS PERFIS

"Renuncio às palavras
e às explicações.
Ando pelos contornos,
onde todos os significados
são sutis, são mortais.
Não quero perder o momento belo.
Quero vivê-lo mais,
com a intensidade que exige a vida:
desgarramento e fulguração.
Então me corto ao meio
e me solto de mim:
a que se prende e a que voa,
a que vive e a que se inventa.
Duplo coração:
a que se contempla
e a que nunca se entende,
a que viaja sem saber se chega
-mas não desiste jamais."
(Lya Luft)

NASCI ANTES DO TEMPO

"Tudo que criei e defendi nunca deu certo.
Nem foi aceito.
E eu perguntava a mim mesma.
Por quê?
Quando menina, ouvia dizer sem entender
quando coisa boa ou ruim acontecia a alguém:
fulano nasceu antes do tempo.
Guardei.
Tudo que criei,
imaginei e defendi nunca foi feito.
E eu dizia como ouvia a moda do consolo:
nasci antes do tempo.
Alguém me retrucou:
você nasceria sempre antes do seu tempo.
Não entendi e disse Amém..."
(Cora Coralina)

A RUA DOS CATAVENTOS

"Da vez primeira em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!"
(Mario Quintana)

CANÇÃO DA ESTRELA MURMURANTE

"Nós nos amaremos docemente,
Nesta luz, neste encanto, neste medo:
Nós nos amaremos livremente
No dia marcado pelos deuses.
Nós nos amaremos com verdade
Porque estas almas já se conheciam:
nós nos amaremos para sempre
Além da concreta realidade.
Nós nos amaremos lindamente,
nós nos amaremos como poucos.
no teu tempo..."
(Lya Luft )

SONETO DO AMOR COMO UM RIO

"Este infinito amor de um ano faz
Que é maior do que o tempo e do que tudo
Este amor que é real, e que, contudo
Eu já não cria que existisse mais.

Este amor que surgiu insuspeitado
E que dentro do drama fez-se em paz
Este amor que é o túmulo onde jaz
Meu corpo para sempre sepultado.

Este amor meu é como um rio; um rio
Noturno, interminável e tardio
A deslizar macio pelo ermo...

E que em seu curso sideral me leva
Iluminado de paixão na treva
Para o espaço sem fim de um mar sem termo."

(Mário Quintana)

SAUDADES

"Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades…
Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei…
Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, se Deus quiser…
Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado e apostando no futuro…
Sinto saudades do futuro,
que se idealizado, provavelmente
não será do jeito que eu penso que vai ser…
Sinto saudades de quem me deixou e de quem eu deixei!
De quem disse que viria e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a oportunidade de conhecer.
Sinto saudades dos que se foram
e de quem não me despedi direito!
Daqueles que não tiveram como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!
Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive mas quis muito ter!
Sinto saudades de coisas que nem sei se existiram.
Sinto saudades de coisas sérias, de coisas hilariantes,
de casos, de experiências…
Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente,
como só os cães são capazes de fazer!
Sinto saudades dos livros que li e que me fizeram viajar!
Sinto saudades dos discos que ouvi e que me fizeram sonhar,
Sinto saudades das coisas que vivi e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.
Quantas vezes tenho vontade de encontrar não sei o que…
não sei onde…
para resgatar alguma coisa
que nem sei o que é e nem onde perdi…
Vejo o mundo girando e penso que poderia estar
sentindo saudades em japonês, em russo,
em italiano, em inglês…
mas que minha saudade, por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, lá no fundo, possa ser poliglota.
Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando estamos desesperados…
para contar dinheiro… fazer amor…
declarar sentimentos fortes…
seja lá em que lugar do mundo estejamos.
Eu acredito que um simples “I miss you”
ou seja lá como possamos traduzir saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força e significado da nossa palavrinha.
Talvez não exprima corretamente a imensa falta
que sentimos de coisas ou pessoas queridas.
E é por isso que eu tenho mais saudades…
Porque encontrei uma palavra para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor do que um sinal vital
quando se quer falar de vida e de sentimentos.
Ela é a prova inequívoca de que somos sensíveis!
De que amamos muito o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência…"
(Clarice Lispector )

ESTOU CANSADO

"Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura,
A gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto:
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida."
(Fernando Pessoa/Álvaro de Campos)

A RUA

"Bem sei que, muitas vezes,
O único remédio é adiar tudo.
É adiar a sede, a fome, a viagem,
A dívida, o divertimento,
O pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
De continuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
Numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa
Luta e não, apenas, esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.
A esperança nunca é a forma burguesa,
Sentada e tranqüila da espera.
Nunca é figura de mulher do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos..."
(Cassiano Ricardo)

TUA CAMINHADA

"Tua caminhada ainda não terminou….
A realidade te acolhe
dizendo que pela frente
o horizonte da vida necessita
de tuas palavras e do teu silêncio.
Se amanhã sentires saudades,
lembra-te da fantasia e
sonha com tua próxima vitória.
Vitória que todas as armas do mundo
jamais conseguirão obter,
porque é uma vitória que surge da paz
e não do ressentimento.
É certo que irás encontrar situações
tempestuosas novamente,
mas haverá de ver sempre
o lado bom da chuva que cai
e não a faceta do raio que destrói.
Tu és jovem.
Atender a quem te chama é belo,
lutar por quem te rejeita
é quase chegar a perfeição.
A juventude precisa de sonhos
e se nutrir de lembranças,
assim como o leito dos rios
precisa da água que rola
e o coração necessita de afeto.
Não faças do amanhã
o sinônimo de nunca,
nem o ontem te seja o mesmo
que nunca mais.
Teus passos ficaram.
Olhes para trás…
mas vá em frente
pois há muitos que precisam
que chegues para poderem seguir-te."
(Charles Chaplin )

DOÇURA

"Nasci dura, heróica, solitária e em pé.
E encontrei meu contraponto na paisagem
sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte.
Eu - eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim
procura o bárbaro e cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas
que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui:
a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite."
(Clarice Lispector )

ANOITECER

"A luz desmaia num fulgor de aurora,
Diz-nos adeus religiosamente. ..
E eu que não creio em nada, sou mais crente
Do que em menina, um dia, o fui... outrora...
Não sei o que em mim ri, o que em mim chora,
Tenho bençãos de amor pra toda a gente!
E a minha alma, sombria e penitente,
Soluça no infinito desta hora...
Horas tristes que vão ao meu rosário...
Ó minha cruz de tão pesado lenho!
Ó meu áspero intérmino Calvário!
E a esta hora tudo em mim revive:
Saudades de saudades que não tenho...
Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...
anjo de luz..."
(Florbela Espanca)

É PROIBIDO...

"É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.
É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,
Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos
Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,
Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,
Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,
Esquecer seus olhos, seu sorriso,
só porque seus caminhos se desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,
Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,
Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,
Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual."
(Pablo Neruda)

ASSIM A VIDA NOS AFEIÇOA

"Se fosse dor tudo na vida,
Seria a morte o sumo bem.
Libertadora apetecida,
A alma dir-lhe-ia, ansiosa:
-Vem!
E a vida vai tecendo laços,
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos são pedaços
vivos de nosso próprio ser
A vida assim nos afeiçoa,
Prende. Antes fosse toda fel!
Que ao mostrar às vezes boa,
Ela requinta em ser cruel..."
(Manuel Bandeira)

LEGADO

"Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho."
(Carlos Drummond de Andrade)

EM SILÊNCIO AO TEU LADO...

"...Amor pede tempo, entrega, paciência,
conhecer e reconhecer, viver e estabelecer,
um grande amor se faz no dia a dia,
no respeito e na admiração.
Se me ama, me admira,
se me ama, reconhece minhas qualidades,
se me ama, vê minhas possibilidades,
se me ama, vê o teu futuro junto comigo,
se nos reconhecemos, nos amamos,
e se nos amamos, seguimos juntos,
não importa o peso da caminhada.
Por isso, quero ficar assim,
em silêncio ao teu lado,
descobrindo a profundeza do teu olhar,
sondando a sua alma,
vendo os reflexos do sol nos teus cabelos
e entre os meus dedos,
construir cachos e sonhos".
(Paulo Roberto Gaefke)

TRÍADES

"Três coisas divididas igualmente por todos:
o tempo, a vaidade, o medo.
Três coisas invisíveis e incompreensíveis:
gota d’água no mar, grito dentro da noite, dor no coração alheio.
Três coisas irrecuperáveis:
o vôo da calúnia, o tempo passado, o ato sexual adiado.
Três coisas irresistíveis:
dormir mais um pouco, o puxa-saquismo, a mulher do amigo.
Três coisas que aumentam com o passar dos anos:
a insegurança, o egoísmo, o ceticismo.
Três coisas que derrotam os computadores:
estrelas no céu, grão de areia na praia, idiotas no mundo.
Três coisas quentes e mutáveis:
a palavra do homem público, a chama da fogueira, a amizade sincera.
Três coisas sem fim e sem compensação:
a busca da verdade, a luta pela liberdade, a prática da fraternidade.
Três coisas absolutamente seguras:
o nascer do sol, a hora do sofrimento, a morte."
(Millôr Fernandes)

O CAPUZ

"Cá está o capuz sobre a grade.
Traz consigo uma segura promessa de dor.
Na boca do sentinela um meio riso.
Cá está uma parcela da noite cobrindo meu rosto.
A mão de meu inimigo determina o caminho.
Pelos corredores aprendi o jeito inseguro dos cegos.
As mãos tateando a parede.
Sob os pés a escada imprevista,
o degrau a mais, a queda, o riso dos soldados,
o gesto perdido buscando uma porta que não houve.
O passar dos dias e as cicatrizes no corpo
ensinaram-me esse caminho.
Nos dedos guardei as arestas,
o ferro das portas, o fio dos dínamos.
No dorso a marca desses dias de sombra.
O capuz repete a dor no corpo de cada combatente,
uma dor mercenária recrutada a serviço da noite."
(Pedro Tierra)

QUERO ESCREVER O BORRÃO VERMELHO DE SANGUE

"Quero escrever o borrão vermelho de sangue
com as gotas e coágulos pingando
de dentro para dentro.
Quero escrever amarelo-ouro
com raios de translucidez.
Que não me entendam
pouco-se-me-dá.
Nada tenho a perder.
Jogo tudo na violência
que sempre me povoou,
o grito áspero e agudo e prolongado,
o grito que eu,
por falso respeito humano,
não dei.
Mas aqui vai o meu berro
me rasgando as profundas entranhas
de onde brota o estertor ambicionado.
Quero abarcar o mundo
com o terremoto causado pelo grito.
O clímax de minha vida será a morte.
Quero escrever noções
sem o uso abusivo da palavra.
Só me resta ficar nua:
nada tenho mais a perder..."
(Clarice Lispector)

50 ANOS

"Eu vim aqui prestar contas
de poucos acertos, de erros sem fim
eu tropecei tanto às tontas
que acabei chegando ao fundo de mim
O filme da vida não quer despedida
e me indica, acha, a saída e pede socorro
onde a lua encanta o alto do morro
e gane que nem cachorro
correndo atrás do momento que foi vivido
Venha de onde vier
ninguém lembra porque quer
eu beijo na boca de hoje
as lágrimas de outra mulher
Cinqüenta anos são bodas de sangue
casei com a inconstância e o prazer
Perdôo a todos não peço desculpas
foi isso que eu quis viver
Acolho o futuro de braços abertos
citando Cartola eu fiz o que pude
aos cinqüenta anos insisto na juventude..."
(Aldir Blanc)

AUSÊNCIA...

"Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces,
porque nada te poderei dar,
senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
no entanto, a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
e eu sinto que em meu gesto existe
o teu gesto e em minha voz a tua voz.
não te quero ter porque
em meu ser tudo estaria terminado.
quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados,
para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
que ficou sobre a minha carne,
como nódoa do passado.
eu deixarei… tu irás e encostarás
a tua face em outra face.
teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
e eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
eu ficarei só como os veleiros
nos portos silenciosos.
mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
e todas as lamentações do mar, do vento,
do céu, das aves, das estrelas.
serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz serenizada..."
(Vinícius de Moraes)

AMAR É SER FELIZ

"Quanto mais envelhecia,
quanto mais insípidas me pareciam
as pequenas satisfações que a vida me dava,
tanto mais claramente compreendia
onde eu deveria procurar a fonte
das alegrias da vida.
Aprendi que ser amado não é nada,
enquanto amar é tudo.
O dinheiro não era nada,
o poder não era nada.
Vi tanta gente que tinha dinheiro e poder,
e mesmo assim era infeliz.
A beleza não era nada.
Vi homens e mulheres belos,
infelizes, apesar de sua beleza.
Também a saúde não contava tanto assim.
Cada um tem a saúde que sente.
Havia doentes cheios de vontade de viver
e havia sadios que definhavam angustiados
pelo medo de sofrer.
A felicidade é amor, só isto.
Feliz é quem sabe amar.
Feliz é quem pode amar muito.
Mas amar e desejar não é a mesma coisa.
O amor é o desejo que atingiu a sabedoria.
O amor não quer possuir.
O amor quer somente amar..."
(Hermann Hesse)

ATUALIDADE NACIONAL

"Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência
e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos,
as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção
a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.
Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.
Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.
A classe média abate-se progressivamente
na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados
a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua ação fiscal
como um ladrão e tratado como um inimigo.
A certeza deste rebaixamento
invadiu todas as consciências.
Diz-se por toda a parte, o país está perdido!
Algum opositor do atual governo?
Não!"
(Eça de Queiroz, em 1871)

EU NUNCA VOU ENTENDER...

"Eu nunca vou entender.
Eu nunca vou saber porque a vida é assim.
Eu nunca vou entender porque a gente
continua voltando pra casa querendo ser de alguém,
ainda que a gente esteja um ao lado do outro.
Eu nunca vou entender porque você
é exatamente o que eu quero,
eu sou exatamente o que você quer,
mas as nossas exatidões
não funcionam numa conta de mais."
(Tati Bernardi)

JUNTOS...

"Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos,
a alegria como quando se sente
a garganta um pouco seca
e se vê que por admiração
se estava de boca entreaberta:
eles respiravam de antemão
o ar que estava à frente,
e ter esta sede era a própria água deles.
Andavam por ruas e ruas falando e rindo,
falavam e riam para dar matéria e peso
à levíssima embriaguez
que era a alegria da sede deles.
Por causa de carros e pessoas,
às vezes eles se tocavam, e ao toque
-a sede é a graça,
mas as águas são uma beleza de escuras -
e ao toque brilhava o brilho da água deles,
a boca ficando um pouco mais seca de admiração.
Como eles admiravam estarem juntos!"
(Clarice Lispector)

UMA SÓ PORTA FECHADA...

"De noite, amada, amarra teu coração ao meu
e que eles no sonho derrotem as trevas
como um duplo tambor combatendo no bosque
contra o espesso muro das folhas molhadas.
Noturna travessia, brasa negra do sonho.
Interceptando o fio das uvas terrestres
com pontualidade de um trem descabelado
que sombra e pedras frias sem cessar arrastasse.
Por isso, amor, amarra-me ao movimento puro,
à tenacidade que em teu peito bate
Com as asas de um cisne submergido,
para que às perguntas estreladas do céu
responda nosso sonho com uma só chave,
com uma só porta fechada pela sombra."
(Pablo Neruda)

O VELHO E O NOVO

"Deixa o velho em paz
Com as suas histórias de um tempo bom
Quanto bem lhe faz
Murmurar memórias num mesmo tom
A sua cantiga, revive a vida
Que já se esvai
Uma velha amiga, outra velha intriga
E um dia a mais...
Vão nascendo as rugas
Morrendo as fugas a as ilusões
Tateando as pregas
Se deixa entregue às recordações...
Em seu dorso farto
Carrega o fardo de caracol
Mas espera atento
Que o céu cinzento lhe traga o sol.
Ele sabe o mundo
O saber profundo de quem se vai
O que não faria
Pudesse um dia voltar atrás...
Range o velho barco
Lamento amargo do que não fez
E o futuro espelha
Esse mesmo velho que são vocês..."
(Taiguara)

O FIO

"No fio da respiração,
rola a minha vida monótona,
rola o peso do meu coração.
Tu não vês o jogo perdendo-se
como as palavras de uma canção.
Passas longe, entre nuvens rápidas,
com tantas estrelas na mão...
Para que serve o fio trêmulo
em que rola o meu coração?"
(Cecília Meireles)

AS PROFECIAS

"Tem dias que a gente se sente
Um pouco talvez menos gente
Um dia daqueles sem graça
De chuva cair na vidraça
Um dia qualquer sem pensar
Sentindo o futuro no ar
O ar carregado, sutil
Um dia de maio ou abril
Sem qualquer amigo do lado
Sozinho em silêncio calado
Com uma pergunta na alma
Por que nesta tarde tão calma?
O tempo parece parado?
Está em qualquer profecia
Dos sábios que viram o futuro
Dos loucos que escrevem no muro
Das teias, do sonho remoto
Estouro, explosão, maremoto
A chama da guerra acesa
A fome sentada na mesa
O copo com álcool no bar
O anjo surgindo no mar
Os selos de fogo, o eclipse
Os símbolos do Apocalipse
Os séculos de Nostradamus
A fuga geral dos ciganos
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia
Um gosto azedo na boca
A moça que sonha, a louca
O homem que quer mas esquece
O mundo do dá ou do desce
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia
Sem fogo, sem sangue, sem ais
O mundo dos nossos ancestrais
Acaba sem guerra, os mortais
Sem glórias de mártir ferido
Sem o estrondo mas com gemido
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia
Um dia..."
(Raul Seixas)

É ASSIM QUE TE QUERO...

"...É assim que te quero,
amor, assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes e como arranjas os cabelos
e como a tua boca sorri,
ágil como a água da fonte
sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amado...
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz e sombra és.
Chegastes à minha vida com o que trazias,
feito de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti, assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir o que não lhes direi,
que o leiam aqui e retrocedam hoje
porque é cedo para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor,
uma folha que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro..."
(Pablo Neruda)

VEM!

"Vem, que eu canto pra você as nossas chuvas
porque entendo esse nosso pacto com o vento.
Se nossos corações palpitarem
em outras curvas e a gente se for,
é porque ainda nos nutrimos das possibilidades
de outros caminhos.
-Mas, vem, que minha proposta
é de um perpétuo movimento:
deste que nos faz vivos, confusos,
certeiros, intensos, inteiros.-
Eu entendo essa roupa feita de jornadas.
Eu entendo essa alma impulsionada pela eterna busca.
Mas quando teu corpo inteiro
só precisar de um aconchego,
te faço uma cama entre os meus seios
só pra você me contar sobre o fim do tempo da espera.
-Vem!
Pra nos anteciparmos todas estas primaveras.-"
(Marla de Queiroz)

VIVER NÃO DÓI...

"Viver não dói.
O que dói é a vida que se não vive.
Tanto mais bela sonhada,
quanto mais triste perdida.
Viver não dói.
O que dói é o tempo, essa força onírica
em que se criam os mitos
que o proprio tempo devora.
Viver não dói.
O que dói é essa estranha lucidez,
misto de fome e de sede
com que tudo devoramos.
Viver não dói.
O que dói, ferindo fundo, ferindo,
é a distância infinita
entre a vida que se pensa
e o pensamento vivido.
Que tudo o mais é perdido..."
(Emilio Moura)

ASSIM SOU EU...

"Sou de poucos amigos
Grandes partidas
Partes rompidas
Sou de não falar demais
Despedidas no cais
Sou da cor lilás
Sou feita de névoas
Nódulos e néctares
Sou de aparecer de repente
De repetir sentimentos
Forçar certos momentos
Sou do tamanho de mim
Molécula carmim
Malévola no fim."
(Paula Tailtebaum)

SE VOCÊ O PERMITIR...

"Não importa o que esteja acontecendo
a você na sua vida.
Não importa quão jovem ou quão velho
você ache que você seja,
quando você passar a pensar
apropriadamente,
esse poder interior,
que é maior que qualquer coisa no mundo,
começará a emergir
e tomará conta da sua vida.
Irá lhe alimentar, lhe vestir,
lhe guiar, lhe proteger,
lhe direcionar...
Sustentará a sua existência.
Se você o permitir..."
(Extraído do filme O Segredo)

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

NÃO CREIO NA ETERNIDADE

"Gosto do céu porque não creio que ele seja infinito.
Que pode ter comigo o que não começa nem acaba?
Não creio no infinito, não creio na eternidade.
Creio que o espaço começa numa parte e numa parte acaba
E que agora e antes d'isso há absolutamente nada.
Creio que o tempo tem um princípio e tem um fim,
E que antes e depois d'isso não havia tempo.
Porque há-se ser isto falso?
Falso é falar de infinitos
Como se soubéssemos o que são de os podermos entender.
Não: tudo é um quantidade de coisas.
Tudo é definido, tudo é limitado, tudo é coisas..."
(Fernando Pessoa/Alberto Caeiro)

SOU ASSIM...

Sou assim:
Duas de mim, às vezes três
Quatro... cinco... seis.
Sou uma por mês, me diversifico
Tem horas que grito, vivo num conflito
Mostro ao mundo minha dor
Outras horas, só sei falar de amor
A mais romântica, melodramática
Estática, chorosa e nervosa
Carente e decadente
Vingativa e inconseqüente
Aí quando menos me percebo
Me transformo em mulher cheia de medo
Cheia de reservas, coberta de sutilezas
Séria e sem defesa
No minuto seguinte, no papel de mulher fatal
Viro logo a tal
Aí sou dona do mundo, segura e destemida
Altiva e atrevida
Rasgo meus segredos ao meio
E exponho num roteiro de poesia ou texto
Agrido, inflamo
Conto o que ninguém tem coragem de contar
Explico detalhes que é bom nem lembrar
Sou assim:
Várias de mim, sorriso por fora
Angústia toda hora, por dentro um tormento
No rosto nenhum sofrimento
No corpo uma explosão de prazer
Nos olhos, meu desejo deixo perceber
Melhor nem me conhecer
Fique com minhas letras, com as minhas palavras
Na vida real sou bem mais complicada
Sou mil, e quem tentou, descobriu
Que viver ao meu lado
É viver dentro de um campo minado
Prestes a explodir
Mas quem esteve nele, nunca quis fugir..."
(Silvana Duboc)

AQUI NÃO CABE A POESIA

"Aqui não cabe a poesia.
Aqui ficam à mostra as tripas
da angústia secular.
Aqui fala-se de desencontro e impossibilidade,
de onipotência e utopia.
Aqui se cantam as verdadeiras feridas do amor.
Todos os filhos de todos os pais do mundo
estão nas trincheiras cotidianas,
mas temos os braços amputados,
e não podemos apertá-los ao peito
como quando eram pequenos
e tínhamos a ilusão de que eram nossos."
(Lya Luft)

UMA HORA FELIZ

"Só a leve esperança em toda a vida
Disfarça a pena de viver, mais nada
Não e mais a existência resumida
Que uma breve esperança malograda
O eterno sonho dalma desterrada
Que a traz ansiosa e embevecida
E uma hora feliz sempre adiada
E que não chega nunca em toda vida
Essa felicidade que supomos
Arvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos
Existe sim, mas nunca a encontramos
Porque ela esta sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nos estamos."
(Fernando Pessoa)

AINDA EM DESAMOR...

"Ainda em desamor, tempo de amor será.
Seu tempo e contratempo.
Nascendo espesso como um arvoredo
E como tudo que nasce, morrendo
à medida que o tempo nos desgasta.
Amor, o que renasce.
Voltando sempre. Docilmente sábio
Porque na suavidade nos convence
A perdoar e esperar.
Em vida.
Em paz."
(Hilda Hilst)

DESCOBRINDO VALES

"Desperta-me de noite o teu desejo
na vaga dos teus dedos com que vergas
o sono em que me deito
É rede a tua língua em sua teia
é vício as palavras com que falas
A trégua a entrega o disfarce
E lembras os meus ombros docemente
na dobra do lençol que desfazes
Desperta-me de noite com o teu corpo
tiras-me do sono onde resvalo
E eu pouco a pouco vou repelindo a noite
e tu dentro de mim vais descobrindo vales."
(Maria Tereza Horta)

QUANDO...

"Quando pensei que tinha chegado
era outra surpresa,
era mais uma curva no rio.
Quando calculei que tudo estava pago
havia ainda os juros
do tempo do esforço do amor.
Quando achei que estava acabado
os caminhos se espalmaram
como dedos da mão de um deus,
na torrente no vento
no sopro do universo..."
(Lya Luft)

BASTA UMA ESTRELA

"Fazer o céu, com pouco a gente faz
Basta uma estrela
Uma estrela e nada mais
Pra ter nas mãos o mundo
Basta uma ilusão
Um grão de areia
É o mundo em nossa mão
Sonhar é dar à vida nova cor
Dar gosto bom às lágrimas de dor
O sol pode apagar, o mar perder a voz
Mas nunca morre um sonho bom dentro de nós."
(Mario Lago)

EU ANDO SOZINHA...

"Caminho do campo verde
estrada depois de estrada.
Cerca de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.
Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha.
Meus pés vão pisando a terra
Que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!
Eu ando sozinha
por cima de pedras.
Mas a tarde é minha.
Os meus passos no caminho
são como os passos da lua;
vou chegando, vai fugindo,
minha alma é a sombra da tua.
Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.
De tanto olhar para longe,
não vejo o que passa perto,
meu peito é puro deserto.
Subo monte, desço monte.
Eu ando sozinha
ao longo da noite.
Mas a estrela é minha."
(Cecília Meireles)

MORO NA POSSIBILIDADE

"Moro na possibilidade
Casa mais bela que a prosa,
Com muito mais janelas
E bem melhor, pelas portas
De aposentos inacessíveis
Como são, para o olhar, os cedros,
E tendo por forro perene
Os telhados do céu
Visitantes, só os melhores;
Por ocupação, só isto:
Abrir amplamente minhas mãos estreitas
Para agarrar o paraíso..."
(Emily Dickinson)

FRAGMENTOS

"A vida inteira busquei
Explicações e deciframentos:
Encontrei silêncio e segredo,
às vezes o conforto de um ombro,
outras vezes dor.
No último lapso
de um tempo sem limites
- embora a gente o queira compor
em fragmentos -,
abriram-se as águas
e entrei onde sempre estivera.
Tudo compreendido e absolvido,
absorta eu me tornei
luz sem sombra: assombro."
(Lya Luft)

SOU INQUIETA...

"Sou inquieta, áspera e desesperançada
Embora amor dentro de mim eu tenha
Só que eu não sei usar amor
Às vezes arranha feito farpa
Se tanto amor dentro de mim
Eu tenho, mas no entanto continuo inquieta
É que eu preciso que o Deus venha
Antes que seja tarde demais.
Corro perigo
Como toda pessoa que vive
E a única coisa que me espera
É exatamete o inesperado...
Mas eu sei
Que vou ter paz antes da morte
Que vou experimentar um dia
O delicado da vida
Vou aprender como se come e vive
O gosto da comida..."
(Clarice Lispector)

CONTIGO APRENDI

"Contigo aprendi
que o amor reparte
mas sobretudo acrescenta,
e a cada instante mais aprendo
com o teu jeito de andar pela cidade
como se caminhasses
de mãos dadas com o ar,
com o teu gosto de erva molhada,
com a luz dos teus dentes,
tuas delicadezas secretas,
a alegria do teu amor maravilhado,
e com a tua voz radiosa
que sai da tua boca
inesperada como um arco-íris
partindo ao meio
e unindo os extremos da vida,
e mostrando a verdade
como uma fruta aberta..."
(Thiago de Mello)

CENAS DA VIDA

"Não. Não escrevo o que sou.
Escrevo o que não sou.
Sou pedra. Escrevo pássaro.
Sou tristeza. Escrevo alegria.
A poesia é sempre o reverso das coisas.
Não se trata de mentira.
É que nós somos corpos dilacerados
–oh, pedaço arrancado de mim!-
O corpo é o lugar onde moram as coisas amadas
que nos foram tomadas, presença de ausências,
daí a saudade, que é quando o corpo não está onde está...
O poeta escreve para invocar essa coisa ausente.
Toda poesia é um ato de feitiçaria
cujo objetivo é tornar presente e real
aquilo que está ausente e não tem realidade."
(Rubem Alves)

AS COISA QUE AMAMOS

"As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra -maior- realidade.
Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nos cansamos,
por um ou outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser
e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.
Do sonho do eterno fica esse gozo acre
na boca ou na mente,
sei lá, talvez no ar..."
(Carlos Drummond de Andrade )

SE VENS...

"Se vens, perco a razão
E digo o que não quero.
Se não vens, desespero
E gasto o coração a desejar-te.
Ah, como é difícil a arte
De te ser fiel!
E como é cruel a tua tirania!
Noite e dia pregado
A um madeiro sagrado de amargura.
Duramente sujeito,
Ou então contrafeito
Na minha liberdade sem loucura..."
(Miguel Torga)

O PRESENTE NÃO É IMUTÁVEL

"Nós vos pedimos com insistência:
Não digam nunca: -Isso é natural!-
Diante dos acontecimentos de cada dia
Numa época em que reina a confusão
Em que corre sangue
Em que o arbitrário tem força de lei
Em que a humanidade se desumaniza,
Não diga nunca: -Isso é natural!-
Para que nada passe a ser imutável!"
(Bertolt Brecht)

ENCOSTO-ME À JANELA

"Às vezes, quando a noite vem caindo,
Tranquilamente, sossegadamente,
Encosto-me à janela e vou seguindo
A curva melancólica do Poente.
Não quero a luz acesa. Na penumbra,
Pensa-se mais e pensa-se melhor.
A luz magoa os olhos e deslumbra,
E eu quero ver em mim, ó meu amor!
Para fazer exame de consciência
Quero silêncio, paz, recolhimento
Pois só assim, durante a tua ausência,
Consigo libertar o pensamento.
Procuro então aniquilar em mim,
A nefasta influência que domina
Os meus nervos cansados; mas por fim,
Reconheço que amar-te é minha sina.
Longe de ti atrevo-me a pensar
Nesse estranho rigor que me acorrenta:
E tenho a sensação do alto mar,
Numa noite selvagem de tormenta.
Tens no olhar magias de profeta
Que sabe ler no céu, no mar, nas brasas…
Adivinhas… Serei a borboleta
Que vendo a luz deixa queimar as asas.
No entanto — vê lá tu!— Eu não lamento
Esta vontade que se impõe à minha…
Nem me revolto… cedo ao encantamento…
— Escrava que não soube ser Rainha!"
(Fernanda de Castro)

A PALAVRA VIVA É QUE EU TENHO AMOR...

"A palavra viva é que eu tenho amor:
Salta tão jovial ao nosso encontro,
Saúda com gesto gracioso,
É bela mesmo sem jeito,
Tem sangue,é capaz de esbravejar com brio,
E então entra até nas orelhas de um surdo,
Encaracola-se e põe-se a voar,
E em tudo o que faz – a palavra encanta.
Mas a palavra é um ser delicado,
Ora doente,ora outra vez sadia.
Se lhe queres poupar a pequenina vida,
Tens de lhe pegar com leveza e graça,
Sem a apalpares nem a apertares à bruta,
Que ela morre por vezes já de um mau olhar
E aí fica ela,tão desfigurada,
Tão sem alma,tão pobre e fria,
O seu corpinho a tal ponto transformado,
Da morte e da agonia mal-tratado.
Uma palavra morta – feia coisa,
Um chocalhante e seco cling-ling-ling.
Fora esses ofícios hediondos
Que fazem morrer as palavrinhas!"
(F. Nietzsche)

DAS RESPOSTAS

"Seja paciente com tudo
que não há solucionado em seu coração
E procure amar as próprias perguntas.
Não procure as respostas
que não lhe podem ser dadas
Porque não poderia vivê-las
E o que importa é viver tudo
Viva as perguntas agora
Talvez gradativamente e sem perceber
Chegue a viver algum dia
distante as respostas."
(Rainer Maria Rilke)

AS PALAVRAS

"Amo tanto as palavras.
As inesperadas…
As que avidamente a gente espera,
espreita até que de repente caem, vocábulos amados…
Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata,
são espuma, fio, metal, orvalho…
Persigo algumas palavras.
São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema.
Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as,
limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato,
sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais,
oleosas, como frutas, como algas,
como ágatas, como azeitonas.
E então as revolvo, agito-as, bebo-as,
sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as…
Deixo-as como estalactites em meu poema;
como pedacinhos de madeira polida, como carvão,
como restos de naufrágio, presentes da onda…
Tudo está na palavra.
Uma idéia inteira muda porque uma palavra
mudou de lugar ou porque outra se sentou
como uma rainha dentro de uma frase
que não a esperava e que a obedeceu…
Têm sombra, transparência, peso, plumas, pêlos...
Que bom idioma o meu,
que boa língua herdamos dos conquistadores torvos…
Por onde passavam a terra ficava arrasada…
Mas caíam das botas dos bárbaros,
das barbas, dos elmos, das ferraduras.
Como pedrinhas, as palavras luminosas
que permaneceram aqui resplandecentes… o idioma.
Saímos perdendo…
Saímos ganhando…
Levaram o ouro e nos deixaram o ouro…
Levaram tudo e nos deixaram tudo…
Deixaram-nos as palavras."
(Pablo Neruda)

ÀS VEZES DE UM CORAÇÃO PARTIDO

"Olhando para mim, perdendo o sono, sozinha,
caminhando por ruas vazias.
Eu daria tudo para reconquistar você.
Quero ser consciente, ouvir meu coração
e não cometer o mesmo erro.
Eu estou no meio de pessoas que passam por mim
e descem ruas vivendo suas preocupações.
No meio delas tenho vontade correr,
gritar e fugir daqui.
Preciso de uma segunda chance para esquecer
os limites que tracei entre céu e vida,
tristeza e alegria.
Quero acordar,
ouvir minha voz e despertar meu coração.
Tenho que sair dessas ruas e procurar outras.
Quero sentir o vento, respirar
e esquecer meus enganos..."
(Amanda Barreto)

LIVRAI-ME SENHOR...

"Livrai-me, Senhor
De tudo o que for vazio de amor
Que nunca me espere quem bem não me quer
-homem ou mulher-.
Livrai-me também de quem me detém
E graça não tem
e mais de quem não possui nem um grão
De imaginação..."
(Carlos Queiroz)

DESCULPA...

"Te olho nos olhos e você reclama
que te olho muito profundamente.
Desculpa, tudo que vivi foi muito profundamente...
Eu te ensinei quem sou e você
foi me tirando os espaços entre os abraços,
Guarda-me apenas uma fresta.
Eu que sempre fui livre,
Não importava o que os outros dissessem.
Até onde posso ir para te resgatar?
Reclama de mim,
como se houvesse possibilidade de me inventar de novo.
Desculpa...
Desculpa se te olho profundamente, rente à pele...
A ponto de ver seus ancestrais nos seus traços.
A ponto de ver a estrada onde ficam seus passos.
Eu não vou separar minhas vitórias dos meus fracassos!
Eu não vou renunciar a mim.
Nenhuma parte, nenhum pedaço do meu ser
Vibrante, errante, sujo, livre, quente.
Eu quero estar viva e permanecer
te olhando profundamente..."
(Fabrício Carpinejar)

ANGÚSTIA...

"Neste momento de angústia
coração a palpitar
nada a pensar, sem ar,
Fria...
Ponteiros do relógio não se movem
Inércia igual não se compara
vento, obra rara, o tempo pára
Ouvem?
O resultado esperado a me consumir
Para todos pára sem mesmo parar
Adrenalina, pulso a pulsar
alma a desconcertar
Ruir...
Quero logo que isso tudo se acabe
movimentos, que vem e não vão
encerre de vez essa pressão
pensamentos em vão
Não cabe...
Nessa angústia a me destruir
cordões de sangue na veia
Aranhas tecem teia, chama incendeia
Cair...
E agora que chegou o tão esperado
e se tudo tiver se esgotado...
valeu a pena essa angústia?"
(Wesley Hott Soares)

FUGINDO PARA SER FELIZ

"Corri para fora de mim em busca da felicidade.
Uma nuvem brilhava, ao sol da manhã.
Chamei-a para iluminar o meu caminho,
e a nuvem apagou-se...
Os pássaros cantavamnas ramagens da floresta.
Convidei-os para um concerto no meu coração
e os pássaros emudeceram.
A montanha dormia na solidão das folhas.
Dirigi para lá os meus passos.
E o calcar de meus pés irritou o silêncio...
Desesperado, corri para mim.
E fui encontrar, dentro do meu coração,
a nuvem vestida de sol,
os pássaros entoando uma sinfonia de amor,
o silêncio transfigurando meus sonhos,
e a Felicidade, à minha espera,
para me dar um abraço!"
(Euclides Carneiro da Silva)

DIZEM QUE O DIABO MORA NOS DETALHES

"Dizem que o diabo mora nos detalhes.
M-e-n-t-i-r-a! Deus mora nos detalhes.
O diabo mora é no vazio.
A casa do diabo é aquele vazio
que ocupa todo o espaço que a gente dá
e ainda nos toma o restinho que sobrou,
o que a gente não daria, se pudesse.
É o vácuo que responde pelo nome que chamarmos
e que se alimenta basicamente
do que a gente pensa que é bom,
alheio a verdade indigesta de que a vida real
quase nunca é tão boa quanto a imaginação.
As vezes estar junto é - diabolicamente -
uma forma de solidão.
Não é um bom álibi se esconder de si mesmo no outro!?
Isso não é comunhão.
Entendo melhor agora o que se passa com a gente...
e comigo, perto demais e sempre tão longe de tudo...
(inspirado numa crônica de Rubens Alves)

VIDA NO RASCUNHO

"Pairam no ar,
os acordes de meus pensamentos.
Cada sinapse como notas perdidas
que ás vezes, se encontram no ar.
Desorientadas talvez, devido á meia luz
relembrando tempos de penas e papéis.
No rasbicar de cada letra,
os vocábulos se organizam, saem do controle.
E da ponta dos dedos,
parágrafos que insistem em me revelar.
Talvez meus momentos coincidem
com os de outros atores.
Num mundo cheio de histórias sem rostos,
apenas evidencio os pequenos raios solares
que furtivamente se esgueiram
e escapam pela persiana.
E as datas escorrem por minhas mãos
e deslizam como bolinhas de papel pelo chão.
Deixo a vida romantizada
para meus grandes notáveis
que possuem o dom de me agredirem com as palavras.
De mim, apenas minhas simplicidades.
E para aqueles que tiverem o dom
de juntar as palavras rabiscadas.
Minhas notas perdidas dentre esboços
e entre linhas rasuradas...
...minha vida, no rascunho."
(Ronaldo Ichi)

ESSA MULHER...

"Perceba que aquela mulher
não fica mais chorando pelos cantos, sentada no escuro,
ouvindo músicas comoventes para acelerar o pranto.
Ela provou a si mesma
que era capaz de converter sonho em realidade.
Ela viu que poderia alcançar o amor e retê-lo.
Depois de retê-lo, cozinhá-lo para que devagar,
pudesse degustá-lo em seus lábios sedentos por açúcar.
Note que essa mulher já correu florestas, escalou montanhas,
percorreu vales e sombras, nadou por oceanos inteiros,
atravessou desertos e engoliu um rio caudaloso,
até deitar na sombra de uma árvore.
Lá ela pôde, enfim, descansar seu corpo da boa batalha
enquanto gerava sua semente delicadamente escolhida.
Saiba que aquela mulher
já teve vida suficiente para decifrar as esfinges das pessoas.
Enxerga o coração nos olhos, a mente na boca,
as intenções no movimento das mãos
e a alma na cadência da respiração.
Hoje já não perde tanto tempo com isso.
Desfruta o ouro dos poucos.
Atente para o fato de que essa mulher
já tem a carne batida pelo tempo
e a pele um pouco ressecada do sol que ela tenta evitar.
O sorriso ingênuo e aberto de outrora
começa a perder um pouco a espontaneidade.
Os olhos dela já não dançam naquele ritmo alucinado.
Eles param de tempos em tempos quando querem ficar à deriva.
Veja que aquela mulher nem sempre sabe o que quer.
Acha que nunca soube, e tem certeza que o que sabe, conquista.
Ela aprendeu que pode mudar de desejo conforme o vento.
Entendeu que alguns desejos não são fortes o bastante
que a façam desistir do mais importante para alcançá-los.
Enxuga as lágrimas e segue.
Escute que ela sabe do peso que carrega nos ombros
e da magnitude daquilo que precisa empurrar
no percurso dessa estrada, que ela espera ser longa de seguir.
Não sabe quantos atalhos terá que pegar,
ou quantas curvas derrapantes vai encontrar.
Só está certa de que o amor escorrerá
em tudo aquilo que construir..."
(Carolina Godoi)

ORAÇÃO DOS ATORMENTADOS

"Meu Deus, não sou muito forte,
não tenho muito além de uma certa fé —não sei se em mim,
se numa coisa que chamaria de justiça-cósmica
ou a-coerência-final-de-todas-as-coisas.
Preciso agora da tua mão sobre a minha cabeça.
Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir.
Que eu continue alerta.
Que, se necessário, eu possa ter novamente
o impulso do vôo no momento exato.
Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam,
que eu não fira ninguém.
Livra-me dos poços e dos becos de mim, Senhor.
Que meus olhos saibam continuar se alargando sempre..."
(Caio Fernando Abreu)

HUMANA, DEMASIADA HUMANA

"Sou simples e complicada,
Amorosa e direta
Às vezes acho que nasci no lugar errado
No tempo errado, na vida de outra pessoa
Às vezes acho que não pertenço a este lugar
Acho que penso demais, sorrio demais,
Choro demais...
Sempre prevejo o futuro, sSofro por antecedência
E acho por "bem" adivinhar pensamentos alheios
Tenho mil informações em minha cabeça
Tenho boa memória
Mas muitas vezes estas informações não valem nada
Às vezes gostava de ser mais simples
Contentar-me com pouco.
Acho que sei muito, mas ao fim não sei nada
Tudo que sei não me ajuda a ter soluções.
Não sei fingir simpatia,
Ser agradável a quem não gosto,
Dizer coisas que não sinto...
Amo, mas não sei se amo certo
Porque dizem que existe um modo certo de amar.
Será?
Todos os dias acordo
E todos os dias acho que recomeço a viver...
Todos os dias..."
(Ana D)

ESSA MOÇA...

"Essa moça? Ela expressa muita coisa pelas fotos que tira,
pelas palavras que escreve, por tudo que gosta,
por aquilo que confessa, pelo muito que anseia,
pelo sorriso ofegante de alegria quando abraça quem ama,
pelo cabelo curto, pelos óculos escuros, pelos livros que lê,
pelos filmes que vê, pelo mundo que enxerga dentro de si,
pela multiplicidade de idéias, pelo desejo de viver muitas vidas
que admira e que não sendo suas, ainda assim a fascina....
Essa moça parece ser do tipo que se "joga" na vida, intensidade,
orgulho, felicidade genuína e merecida quando recebe um elogio
-coisa que como boa leonina adora!-
olhos de gazela e espírito de leão
-não se enganem com a fragilidade...-.
Essa moça é afetuosa e por enquanto tá buscando coisas na vida...
Como aliás, todos nós estamos...
Uns já sabem o que, outros vão tentando descobrir.
Essa moça é o que transparece ser.
Se eu a conheço? Desta vida acho que não!
Mas entre seres sensíveis
percepções são sempre possíveis!"
(Ana D)

DAS UTOPIAS DO MEU QUERER

"Se tudo que eu preciso se parece,
Por que é que não se junta tudo numa coisa só?
Quando juntarmos você comigo...
Cordão umbilical e umbigo
A gente vai ser só um
E até lá eu não vou caminhar mais sozinho
O distante será meu vizinho
E o tempo será a hora que eu quiser!!!"
(Fernando Anitelli)

MÁQUINA DE ESCREVER

"Mãe, se eu morrer de um repentino mal
Vende meus bens à bem dos meus credores
A fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro carnaval
Vende esse rádio que ganhei de prêmio
por um concurso num jornal do povo
E aquele terno novo ou quase novo,
com poucas manchas de café boêmio
Vende também meus óculos antigos
que me davam ares inocentes...
não precisarei de suas lentes
pra enxergar os corações amigos
Sem ruído é mais provável que eu alcance o céu
Vou penetrar e então provar seu mel
No paraíso só preciso de um olhar
Sem teu sorriso, outro sorriso pra me enganar
Mas poupa minha amiga de horas mortas,
com teclas bambas, minha máquina de peças tortas
Vende todas as grandes pequenezas
que eram o meu íntimo tesouro
Mas não! Ainda que ofereçam ouro
Não vendas o meu filtro de tristezas..."
(Roberto Frejat)

SOBRE O AMOR DA MINHA VIDA...

"Pois é, encontrei o amor da minha vida.
Tem nome, é de carne e osso, cheiro e toque.
Não sei se devia acreditar,
e as vezes eu desacredito total, mas me ama também.
Agora só falta encontrar alguém com quem eu possa viver.
É que o amor da minha vida não cabe em mim
e eu não caibo nele.
Não basta que a gente se queira,
se entenda e se goste há todo esse tempo.
Não basta essa gastura em que a gente vive,
os surtos de não-vou-mais-te-ver que eu tenho
e a teimosia de esperar mais daquilo que não há de ser.
Não presta que ele mova céus e terras pra me ver
e que depois eu fique aqui,
com vontade de que volte logo e pra sempre.
Não importa que eu esqueça até o meu nome depois,
que os sentimentos corram de ambos os lados,
intensos e desarvorados.
Não é suficiente que haja amor para se viver um amor.
Eu e ele somos o sol e a lua daquele .pps velhíssimo
que tenho certeza que vc já recebeu pelo menos 2 vezes.
Seus mistérios me instigam e minha clareza o ofusca.
Tenho fascínio pelo mundo plácido
e descomplicado que ele habita,
e ele vive intrigado pelo que supõe inalcançável em mim,
mas quando enfim eu digo "venha", ele entende "vá".
Quando um se sente em paz o outro quer a guerra.
É preciso me traduzir a cada centímetro do caminho
enquanto ele explica que eu também não entendi nada.
Discordamos sobre alguns conceitos
- particularmente o de facilidade -
sobre o que fazer com o dinheiro,
sobre como criar filhas aborrecentes, sobre nossos limites
e sobre o que queremos um do outro e um para o outro...
O desacerto é imenso, impossível abstrair..."
(Maité Proença)

DEVOLVE...

"Ah, se não for pedir demais
Já que pra você tanto faz
Faz a gentileza, segue o meu conselho
Devolve a imagem que eu via no espelho!
Sabe os velhos planos? Hoje eu improviso.
Sabe a minha aposta? Eu tô no prejuízo.
Sabe aquele riso de criança?
Sabe a minha autoconfiança?
Sabe a minha calma? Olha como eu fico.
Sabe os meus poemas, as canções do Chico?
Sabe aquele pingo de consideração?
Sabe o meu tesão? Eu te suplico!
Pois é…
Devolve!
Porque pensando bem eu mereço
Devolve!
No mesmo velho endereço
Tudo o que eu era no começo
O que você me tirou não tem preço
Sabe aquela calma, aquele controle?
Lembra a minha pele, o meu phisicque du role?
Tanto investimento, tanto tempo, tanto sonho?
Sabe a fé que eu tinha em Santo Antonio?
Sabe o meu pudor? Eu ando em carne viva!
Lembra aquele humor? Eu tinha esportiva…
Sabe a minha cara à tapa,
A mão que eu pus no fogo?
Sabe aquele antigo azar no jogo?
Pois é
Devolve…"
(Angela Brandão)

DAS MENTIRAS QUE EU NÃO VOU MAIS CONTAR

"Eu cansei das minhas mentiras.
Dai que hoje quero fazer um anti-primeiro de abril:
um dia de falar verdades,
que de tão esquecidas que estavam,
de repente chocam mais do que mentiras...
Eu vivo dizendo que acho bacana
esse povo animado que cuida do corpo
e gasta horas suando sobre um aparelho.
É mentira.
Não acho bacana, acho perda de tempo
e na maioria das vezes acho fútil.
Pra mim academias viraram mais um lugar
pra socializar do que pra malhar.
O povo vai lá pra fazer exposição da sua figura,
medir as outras mulheres e olhar os outros homens.
Digo que não tenho mais disposição
de passar a noite toda na rua.
É verdade que ambientes enfumaçados e barulhentos
não me apetecem, mas o motivo-mor é falta de companhia.
Infelizmente posso contar nos dedos de uma mão
as pessoas que sustentariam uma noite toda me divertindo.
Adoro dizer que deixo de fazer as coisas por preguiça.
É meio verdade, e meia verdade = mentira!
Não vou àquele barzinho que inaugurou
porque não tenho carro
e odeio ter que pedir pra alguém vir me buscar.
Digo que fico no MSN quando não tenho nada pra fazer
e é uma mentira descarada.
As vezes eu até tenho,
mas acho bem mais divertido sentar pra bater papo.
A verdade é que lá eu encontro mais pessoas
que querem me ver, do que aqui do lado de cá,
das pessoas de carne e osso.
Do lado de lá nunca falta assunto
e nem precisa de catalisadores alcoólicos.
Não lembro se já falei, mas oficialmente tive 2 namorados.
Desses que a gente apresenta pra família
e anda de mãos dadas qdo sai.
Mas a verdade verdadeira é que não tive nenhum.
Não era um conceito verbalizado,
mas eu só considero namoro quando além de beijo na boca,
há inteireza e reciprocidade.
E até agora não tive a benção de tal simultaneidade:
as vezes é inteiro mas não recíproco;
algumas vezes eu achei que era inteiro e recíproco,
mas era só solidão a dois; as vezes até é beeeem recíproco,
mas qualquer cego enxerga que não seria inteiro
nem no dia de São Nunca...
Todas essas variações cedo ou tarde doem em alguém,
mas passam como tudo nessa vida.
Tomando chá ou cachaça, tomando champanhe ou não...
As dores que ficam - e que um dia doerão em paz, certeza!
-São as causadas pelas impertinências da vida,
os impedimentos, os desencontros leves de Lispector:
-... Bem sei que há um desencontro leve entre as coisas,
elas quase se chocam...
há desencontros entre os seres que se perdem uns dos outros,
entre palavras que quase não dizem mais nada.
Mas quase nos entendemos nesse leve desencontro,
nesse quase que é a única forma de suportar a vida em cheio,
pois um encontro brusco face a face com ela nos assustaria...-

Pois é, encontros bruscos, face a face, foram apenas 3 até agora.
-Três mesmo. É verdade dessa vez.-
Dois já doem em paz e último falta pouco.
E como errar é aprender, espero da vida, confesso,
um cadim de delicadeza no próximo encontro,
que ando muito sensível.
Pra ser sincera,
nem quero mais minha fantasia de mulher maravilha.
Quero de volta todas as prerrogativas mulherzinhas
das quais abri mão - nem Deus sabe em função de que
- durante esse tempo todo, inclusive pedir colo.
Pronto. Falei!"
(Luciana Reis -inspirado num texto de Cleo Araújo)

O AMOR ESQUECE DE COMEÇAR...

"Você tem medo de se apaixonar.
Medo de sofrer o que não está acostumada.
Medo de se conhecer e esquecer outra vez.
Medo de sacrificar a amizade.
Medo de perder a vontade de trabalhar,
de aguardar que alguma coisa mude de repente,
de alterar o trajeto para apressar encontros.
Medo se o telefone toca, se o telefone não toca.
Medo da curiosidade,
de ouvir o nome dele em qualquer conversa.
Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo.
Medo de se sentir observada em excesso,
de descobrir que a nudez ainda é pouca
perto de um olhar insistente.
Não suportar ser olhada com esmero e devoção.
Nem os anjos, nem Deus
agüentam uma reza por mais de duas horas.
Medo de ser engolida como se fosse líquido,
de ser beijada como se fosse líquen,
de ser tragada como se fosse leve.
Você tem medo de se apaixonar por si mesma
logo agora que tinha desistido de sua vida.
Medo de enfrentar a infância,
o seio que criou para aquecer as mãos quando criança,
medo de ser a última a vir para a mesa,
a última a voltar da rua, a última a chorar.
Você tem medo de se apaixonar
e não prever o que pode sumir,
o que pode desaparecer.
Medo de se roubar para dar a ele,
de ser roubada e pedir de volta.
Medo de que ele seja um canalha,
medo de que seja um poeta,
medo de que seja amoroso,
medo de que seja um pilantra,
incerta do que realmente quer,
talvez todos em um único homem,
todos um pouco por dia.
Medo do imprevisível que foi planejado.
Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue.
Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo.
O corpo mais lado da fraqueza.
Medo de que ele seja o homem certo na hora errada,
a hora certa para o homem errado.
Medo de se ultrapassar e se esperar por anos,
até que você antes disso e você depois disso
possam se coincidir novamente.
Medo de largar o tédio,
afinal você e o tédio enfim se entendiam.
Medo de que ele inspire a violência da posse,
a violência do egoísmo,
que não queira repartir ele com mais ninguém,
nem com seu passado.
Medo de que não queira se repartir com mais ninguém,
além dele.
Medo de que ele seja melhor do que suas respostas,
pior do que as suas dúvidas.
Medo de que ele não seja vulgar
para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar,
que ele se vire para não dormir,
que ele se acorde ao escutar sua voz.
Medo de ser sugada como se fosse pólen,
soprada como se fosse brasa, recolhida como se fosse paz.
Medo de ser destruída, aniquilada, devastada
e não reclamar da beleza das ruínas.
Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer.
Medo de não ser interessante o suficiente
para prender sua atenção.
Medo da independência dele, de sua algazarra,
de sua facilidade em fazer amigas.
Medo de que ele não precise de você.
Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério
ou que banque o sério quando faz uma brincadeira.
Medo do cheiro dos travesseiros.
Medo do cheiro das roupas.
Medo do cheiro nos cabelos.
Medo de não respirar sem recuar.
Medo de que o medo de entrar no medo
seja maior do que o medo de sair do medo.
Medo de não ser convincente na cama,
persuasiva no silêncio, carente no fôlego.
Medo de que a alegria seja apreensão,
de que o contentamento seja ansiedade.
Medo de não soltar as pernas das pernas dele.
Medo de soltar as pernas das pernas dele.
Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir.
Medo da vergonha que vem junto da sinceridade.
Medo da perfeição que não interessa.
Medo de machucar, ferir,
agredir para não ser machucada, ferida, agredida.
Medo de estragar a felicidade por não merecê-la.
Medo de não mastigar a felicidade por respeito.
Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la.
Medo do cansaço de parecer inteligente
quando não há o que opinar.
Medo de interromper o que recém iniciou,
de começar o que terminou.
Medo de faltar as aulas e mentir como foram.
Medo do aniversário sem ele por perto,
dos bares e das baladas sem ele por perto,
do convívio sem alguém para se mostrar.
Medo de enlouquecer sozinha.
Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha.
Você tem medo de já estar apaixonada..."
(Fabrício Carpinejar)