terça-feira, 18 de março de 2008

O AMOR ACABA...(fragmento)

"...Sou o próprio síndico de minha massa falida.
Não amei com suficiência o espaço e a cor.
Comi muita terra antes de abrir-me à flor.
Gosto dos peixes da Noruega,
do caviar russo, das uvas de outra terra;
meus amores pela minha são legião, mas vivem em guerra.
Fatigante é o ofício para quem oscila entre ferir e remir.
A onça montou em mim sem dizer aonde queria ir.
A burocracia e o barulho do mercado me exasperam num instante.
Decerto sou crucificado por ter amado mal meu semelhante.
Algum deus em mim persiste, mas não soube decidir
entre a lua que vemos e a lua que existe.
Lobisomem, sou arrogante às sextas-feiras,
menos quando é lua cheia.
Persistirá talvez também, ao rumor da tormenta,
algum canto da sereia.
Deixei de subir ao que me faz falta, mas não por virtude:
meu ouvido é fino e dói à menor mudança de altitude.
Não sei muito dos modernos
e tenho receios da caverna de Platão:
vivo num mundo de mentiras
captadas pela minha televisão.
Jamais compreendi os estatutos da mente.
O mundo não é divertido, afortunadamente.
E mesmo o desengano talvez seja um engano..."
(Paulo Mendes Campos)

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