quarta-feira, 18 de novembro de 2009

AUSÊNCIA...

"Eu deixarei que morra em mim
o desejo de amar os teus olhos que são doces,
porque nada te poderei dar,
senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
no entanto, a tua presença
é qualquer coisa como a luz e a vida
e eu sinto que em meu gesto existe
o teu gesto e em minha voz a tua voz.
não te quero ter porque
em meu ser tudo estaria terminado.
quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados,
para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
que ficou sobre a minha carne,
como nódoa do passado.
eu deixarei… tu irás e encostarás
a tua face em outra face.
teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa
suspensos no espaço.
e eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
eu ficarei só como os veleiros
nos portos silenciosos.
mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
e todas as lamentações do mar, do vento,
do céu, das aves, das estrelas.
serão a tua voz presente, a tua voz ausente,
a tua voz serenizada..."
(Vinícius de Moraes)

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