segunda-feira, 15 de março de 2010

DESISTI...

"Desisti.
E isso é a coisa mais triste que tenho a dizer.
A coisa mais triste que já me aconteceu.
Eu simplesmente desisti.
Não brigo mais com a vida, não quero entender nada.
Eu espero chegar as nove da noite pra tomar meu Rivotril.
E desaparecer.
Vou nos lugares, vejo a opinião de todo mundo,
coisas que acho deprê, outras que quero somar,
mas as deixo lá. Deixo tudo lá. Não mexo em nada.
Não quero. Odeio as frases em inglês
mas o tempo todo penso “I don’t care”.
Caguei. Foda-se.
E eu seguia brigando.
Querendo o mundo do meu jeito. Na minha hora.
Não ligo se a faca tirar uma lasca do meu dedo
na hora de cortar a maça.
Não ligo pra dor. Pro sangue. Pro desfecho da novela.
Se o trânsito parou, não buzino.
Deixa assim. A vida é assim. Não brigo mais.
Eu quero, de verdade, do fundo do meu coração,
que chegue logo as nove da noite.
Hora do Rivotril. O remédio que me chapa.
Eu quero chapar. Eu quero não sentir.
Quero ver a vida em volta, sem sentir nada.
Quero ter uma emoção paralítica.
Só rir de leve e superficialmente.
Do que tiver muita graça.
E talvez escorrer uma lágrima para o que for insuportável.
Mas tudo meio que por osmose.
Nada pessoal. Algo tipo fantoche,
alguém que enfie a mão por dentro de mim, vez ou outra,
e me cause um movimento qualquer.
Quero não sentir mais porra nenhuma.
Só não sou uma suicida em potencial
porque ser fria me causa alguma curiosidade.
O mundo me viu descabelar, agora vai me ver dormir
e cagar pra ele. Eu quis tanto ser feliz. Tanto.
Chegava a ser arrogante.
O trator da felicidade.
Atropelei o mundo e eu mesma.
Tanta coisa dentro do peito. Tanta vida.
Tanta coisa que só afugenta a tudo e a todos.
Ninguém dá conta do saco sem fundo
de quem devora o mundo e ainda assim não basta.
Ninguém dá conta e… quer saber? Nem eu.
Chega. Não quero mais ser feliz. Nem triste. Nem nada.
Eu quis muito mandar na vida.
Agora, nem chego a ser mandada por ela.
Eu simplesmente me recuso a repassar a história,
seja ela qual for, pela milésima vez.
Deixa a vida ser como é.
Desde que eu continue dormindo.
Eu só espero chegar as nove da noite
pra tomar meu Rivotril e desaparecer.
Ser invisível, meu grande pavor,
ganhou finalmente uma grande desimportância.
Quase um alivio.
I don’t care."
(Tati Bernardi)

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