domingo, 2 de agosto de 2009

UM POUCO DE MIM...

"Não, não ofereço perigo algum:
sou quieto como folha de outono
esquecida entre as páginas de um livro,
definido e claro como o jarro
com a bacia de ágata no canto do quarto...
se tomada com cuidado, verto água límpida
sobre as mãos para que se possa refrescar o rosto,
mas se tocada por dedos bruscos
num segundo me estilhaço em cacos,
me esfarelo em poeira dourada.
Tenho pensado se não guardarei
indisfarçáveis remendos das muitas quedas,
dos muitos toques, embora sempre os tenha evitado
aprendi que minhas delicadezas nem sempre são suficientes
para despertar a suavidade alheia,
e mesmo assim insisto.
Meus gestos e palavras são magrinhos como eu,
e tão morenos que, esboçados à sombra,
mal se destacam do escuro,
quase imperceptível me movo,
meus passos são inaudíveis
feito pisasse sempre sobre tapetes,
impressentido, mãos tão leves que uma carícia minha,
se porventura a fizesse, seria mais branda
que a brisa da tardezinha..."
(Caio Fernando Abreu)

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