domingo, 24 de janeiro de 2010

PARA ENFEITAR O CÉU ESTRELADO...

"A minha solidão não é uma invenção
para enfeitar noites estreladas...
...Mas este querer arrancar a própria sombra do chão
e ir com ela pelas ruas de mãos dadas.
...Mas este sufocar entre coisas mortas
e pedras de frio onde nem sequer
há portas para o calafrio.
...Mas este rir-me de repente
no poço das noites amarelas...
- única chama consciente
com boca nas estrelas.
...Mas este eterno Só-Um
-mesmo quando me queima a pele o teu suor-
sem carne em comum com o mundo em redor.
...Mas este haver entre mim e a vida
sempre uma sombra que me impede
de gozar na boca ressequida
o sabor da própria sede.
...Mas este sonho indeciso
de querer salvar o mundo
-e descobrir afinal que não piso
o mesmo chão do pobre e do vagabundo.
...Mas este saber que tudo me repele
no vento vestido de areia.
E até, quando a toco,
a própria pele me parece alheia.
Não. A minha solidão não é uma invenção
para enfeitar o céu estrelado.
...Mas este deitar-me de súbito a chorar no chão
e agarrar a terra
para sentir um Corpo Vivo a meu lado..."
(José Gomes Ferreira)

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