segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

SOU COMPOSTA...

"Sou composta por cubos e por esferas
donde brotam meigos decaedros.
Sou composta por trapos,
manchas de tinta sem plano
e dedos rupestres a castanho,
o ocre na vizinhança do rosado,
o pó de lápis-lazúli
na clara de ovo, o vermelhão nos seios,
sou composta de diálogos.
Frouxos, de troncos de árvores em pleno verão,
das ternuras de um gato preto e branco,
de insetos de níquel a voar brilhando...
Sou composta de pêlos que caem no outono
e águas duras.
Sou composta por mãos que doem nos braços
e por regaços com olhos sempre à superfície,
sou composta de estrelas na tapeçaria do palácio,
de gritos na rua –quem me chama?–,
de nuvens de hélio e náiades em gaiolas,
facilitam a visão, as trocas,
o comércio com os homens...
Sou composta pela morte que de vez em quando acorda,
por isso desconfio, sou composta pelo desejo
que grita de tal modo que não se ouve ao perto,
sou composta pela água que oscila com as marés,
pelo vapor da submissão, pelo destino obstinado.
Ou eu não fosse uma mulher..."
(Isabel Cristina Pires)

Nenhum comentário: