domingo, 24 de janeiro de 2010

VENTOS FAVORÁVEIS

"Vens de repente com a voracidade
de um pássaro noturno que não chamei
e a porta fecha-se sobre as minhas ancas
e a noite bebe o hálito que largas na minha pele
enquanto os espelhos escondem o rasto
de todos os segredos que guardavas.
Por momentos o amor desenha-se desta única maneira
mas eu sei que és apenas um inquilino temporário
habitando o meu corpo as horas que roubaste
em ondas de culpa e sombra...
E sei também que hás-de sair de mim
como de um povo inimigo
procurando um gesto de perdão que não existe
e o amor torna-se subitamente num lugar incómodo
tenho pressa,dirás, tenho pressa
e a noite fecha-se do lado dos dedos
que procuram ainda o lugar do sono.
Fica comigo, peço, mas tu não me ouves
e eu sei que vou voltar
a esperar por ti na vida que me resta
e em todas as vidas e em todas as mortes
até ao dia em que difinitivamente
despeças o teu corpo do meu
e eu repita: fica comigo
e tu, desapareças...
Como quem esteve só à espera
de ventos favoráveis..."
(Alice Vieira)

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