quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O HOMEM DE MUNIQUE...

"O homem que falava sozinho
Na estação central de Munique
Que língua falava?
Que língua falam os que se perdem assim,
Nos corredores das estações de comboio, à noite,
Quando já nenhum quiosque vende jornais e cafés?
O homem de munique não me pediu nada,
Nem tinha o ar de quem precisasse de alguma coisa,
Isto é, tinha aquele ar de quem chegou ao último estado
Que é o de quem não precisa nem de si próprio.
No entanto, falou-me: numa língua sem correspondência
Com linguagem alguma de entre as possíveis
De exprimirem emoção ou sentimento,
Limitando-se a uma sequência de sons
Cuja lógica a noite contrariava.
Perguntar-me-ia se eu compreendia acaso a sua língua?
Ou queria dizer-me o seu nome e de onde vinha
-A àquela hora em que não estava nenhum comboio
Nem para chegar nem para partir?
Se me dissesse isto, ter-lhe-ia respondido
Que também eu não esperava ninguém,
Nem me despedia de alguém,
Naquele canto de uma estação alemã;
Mas poderia lembrar-lhe que há encontros
Que só dependem do acaso, e que não precisam
De uma combinação prévia para se realizarem.
-É então que os horóscopos adquirem sentido;
E a própria vida, para além deles, dá um destino
À solidão que empurra alguém para uma estação deserta,
À hora em que já não se compram jornais nem se tomam cafés,
Restituindo um resto de alma ao corpo ausente
-O suficiente para que se estabeleça um diálogo,
Embora ambos sejamos a sombra do outro.
É que, a certas horas da noite,
Ninguém pode garantir a sua própria realidade,
Nem quando outro como eu próprio,
Testemunhou toda a solidão do mundo
Arrastada num deambular de frases sem sentido
Numa estação morta..."
(Nuno Júdice)

Nenhum comentário: