quinta-feira, 29 de outubro de 2009

TODO MUNDO VAI EMBORA...

"Em algum momento, em vários deles ou definitivamente,
as pessoas sempre vão embora.
Talvez essa seja a pior coisa do mundo.
Ele vai embora, sempre,
quando eu preciso de quinze minutos de silêncio
complementar à minha entrega,
odeio o desespero dele por banhos
e a sua ansiedade curiosa pelo que vem depois.
Que se dane o depois, eu sou agora, ou pelo menos era.
Ele vai embora, sempre,
quando o parágrafo passa de três linhas,
o pensamento dele ultrapassa meus olhos,
o som se perde da minha boca
para qualquer outro canto do mundo
que não tenha seus ouvidos
e ele olha fixamente para qualquer outra coisa
que não seja a minha existência...
Sempre a mesma cara de tédio e de busca
pelo resto que não se repete ou não se prolonga.
Ele sempre vai embora
quando eu queria que ele se perdesse um pouco,
rasgasse a agenda, lançasse o celular no rio,
desligasse todos os toques,
luzes e sinais de que há todo o resto.
Esquecesse do sono, do livro, da planta, das lembranças.
Ele sempre vai embora do meu mundo
quando eu só queria que ele descansasse
um pouco de ser ele o tempo todo,
mas ele tem muito medo de não ser ele,
talvez porque ele não saiba o que ele é.
Ele sempre vai embora pra descobrir quem ele é,
ou para lembrar que ele é o mesmo de sempre
que não sabe quem é,
ele sempre vai embora
antes da gente ser alguma coisa juntos.
Vivo com essa sensação de abandono,
de falta, de pouco, de metade.
Mas nada disso é novidade.
Antes dele, teve o outro,
o outro que continua indo embora para sempre
porque nunca foi embora pra sempre.
Eu não sei deixar ninguém partir,
eu não sei escolher, excluir, deletar.
São as pessoas que resolvem me deixar,
melhor assim,
adoro não ser responsável por absolutamente nada,
odeio o peso que uma despedida eterna causa em mim.
Nada é eterno, não quero brincar de Deus.
O outro foi embora a primeira vez
porque estava bêbado demais,
foi embora a segunda porque ficou tarde,
foi embora a terceira porque teve medo de ficar pra sempre,
foi embora durante alguns longos anos
porque todo o resto do mundo precisava dele
e eu era apenas uma das demandas.
Ele me chamou de demanda
a última vez que foi embora pra sempre,
mas pra sempre pode durar duas horas,
dois anos ou duas encarnações.
A gente sempre se despede
lembrando da música do Chico que diz:
"O amor não tem pressa, ele sabe esperar em silêncio".
Antes dele teve ainda um outro
que sempre ia embora na espera
de que existisse algo melhor do que eu,
mas não ia definitivamente
porque não é todo dia que aparece alguém melhor do que eu.
Um dia apareceu, ela até que é bonita e tal,
não parece tão confusa e intensa
e talvez mediocridade seja
de que uma pessoa precise para ser feliz.
Mas a última vez que ele foi embora,
antes me deu um abraço de quem nunca saiu do mesmo lugar.
O abraço e o seu olhar
de quem nunca sabe direito porque vai embora
ficaram pra sempre comigo..."
(Tati Bernardi)

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