sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

FRIO...

"Dei por mim sentado no chão do quarto
a contar as horas para que a noite caísse.
Sabia que a noite nos traria a cumplicidade dos corpos...
Era a cama o nosso território.
Quando se passou aquele par de horas
sem que aparecesses percebi
que algo de trágico teria acontecido.
Por isso quando o telefone tocou
e me disseram que tinhas tido um desastre
e estavas em coma,
a notícia não causou em mim qualquer surpresa.
Senti apenas o arrepio daqueles momentos
em que nos apercebemos
de que a vida não vai voltar a ser igual.
Cheguei ao hospital passado pouco tempo.
A tua mãe já estava sentada na sala de espera, hirta,
com uma expressão muito dura no rosto.
Deixei-me ficar ao seu lado, em silêncio,
sem perceber se devia pegar-lhe na mão
e desejando ardentemente
que ela me confortasse com umas festas.
E ficámos ali os dois, numa tensão surda,
as duas pessoas que mais te amavam
à espera da confirmação da tua morte
ou da tua salvação.
Quando o médico apareceu
levantámo-nos os dois em menos de nada.
A notícia de que a operação tinha corrido bem
não foi sequer festejada
porque a informação de que continuavas em coma
deixou-nos completamente transidos de terror.
Estavas agora num território só teu
e apenas tu poderias encontrar o caminho de volta.
Nunca como naqueles dez dias que durou o teu coma
eu senti tanto frio.
Por mais que me agasalhasse estava constantemente gelado.
Era o medo de te perder para sempre que me gelava a alma,
o corpo, o coração.
Era a certeza de que te amava
que me deixava esmagado de desespero.
E foram as recordações dos tempos felizes
que me fizeram ultrapassar a tua perda.
O fim é sempre mais trágico quando não o esperamos..."
(Pedro Rapoula)

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