sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

A QUEDA (resposta à "FRIO...")

"O Silêncio.
O tal silêncio que deixava todos envergonhados
quando se olhavam nos olhos.
Sobreviver à tragédia era, no fim de contas,
viver a humilhação da derrota.
Ao fim de tantos e tantos dias
os pesados portões da cidade continuavam abertos.
Não havia nada para defender
que justificasse a sua urgente reconstrução.
Começaram por limpar as ruas,
enterrando os mortos em fundas covas
nos limites das grandes muralhas,
no sítio mais longe da vista de todos.
Em vez de cruzes plantaram uma árvore
no lugar de cada morto:
pinheiros bravos para os homens
e árvores de fruto para as mulheres.
Passado este tempo recomeçaram a construção
das grandes portas da cidade.
Quando as fecharam respiraram de alívio
por se saberem separados do resto do mundo.
Escondiam a vergonha e a desilusão
dos olhares indiscretos de todos os que agora
se regozijavam com a queda
daquela cidade antes impenetrável.
Só depois, pedra a pedra,
levantaram as paredes das casas, uma a uma.
Sem luxos, sem sedas, sem ouro.
Apenas a crueza da pedra
e o aveludado da madeira.
O regresso às origens.
A austeridade humilde dos que precisam da simplicidade
para se fortalecerem.
O luto durou um tempo indeterminado.
Só quando se ouviu o choro da primeira criança
nascida depois do ataque,
a cidade voltou a respirar de alívio.
E nesse dia as árvores no cemitério floriram
pela primeira vez.
E nas janelas das austeras casas de pedra
começaram a aparecer pequenos vasos
com rosas de todas as cores.
A tristeza dera lugar à esperança.
A vida recomeçara.
E todo aquele sofrimento deu lugar à certeza
de que não voltariam
a ser humilhados daquela forma..."
(Pedro Rapoula)

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