domingo, 24 de janeiro de 2010

MINHAS ÚLTIMAS PALAVRAS

"Estas serão as minhas últimas palavras
aos teus sentidos,
serão o meu apelo derradeiro.
Tanto te disse, tanto te escrevi!
Como encontrar agora o período preciso,
a perfeita expressão,
para te revelar este silêncio estranho
que me começa a ungir o exausto coração?!
Vieste-me na hora dadivosa,
na hora imortal da frutificação:
dei-te toda a doçura dos meus pomos
e voltaste-me as costas com prazer...
Mas eu bendigo essa tua fome
que saboreou os frutos
que haviam de mais tarde apodrecer.
Foste a montanha azul que me atraiu os passos;
em cujas arestas agressivas
rasguei meus sonhos, despenhando-me...
Porém, daqui,
da alfombra deste vale de desfalecimento,
como teus longes me seduzem ainda,
como me apareces belo,
que saudade de ti, minha montanha azul!
Sou olhos e não tenho visão;
sou boca e tudo me parece insípido;
e meu tato não sente os espinhos que colhe
na solidão em que me deixaste;
e em vão as rosas da primavera
abrem os lábios ao meu olfato.
Só a tua lembrança
conserva vivo um pouco de meu ser.
Só a tua saudade
prende-me ainda à beleza da vida.
Onde estás?! Onde estou?!
Sou um corpo que espera a alma
para acabar de morrer..."
(Gilka Machado)

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