sábado, 2 de janeiro de 2010

NÃO SEI...

"Não sei o que se passa comigo:
cada vez me assusta mais a solidão.
Aos vinte anos, aos vinte cinco,
figurava o paraíso como um quarto vazio,
onde o silêncio de um livro ressoava
pela noite dentro.
Protegia dos amigos minhas horas,
dos irmãos, dos apelos do telefone.
Como um cego de nascença,
estudava a escuridão.
Sonhava-me recluso numa ilha de fragais,
rodeado de trincheiras, distante de pracetas,
acenos, convites pra jantar.
O lamento era o meu hobby preferido.
Não sei se são os trinta anos, a chuva,
o sabor de mais um dia derrubado
nos transportes coletivos,
a queda maligna das primeiras folhas;
não sei o que é, talvez o teu amor
comece, pouco a pouco, a civilizar-me.
Agora, se chego a casa e tu não estás,
corro a pôr música, abro janelas,
agarro-me ao telefone, como um náufrago,
incapaz de suportar por um segundo
o terror emboscado debaixo da cama,
atrás das estantes, dentro de mim."
(José Miguel Silva)

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