sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

O QUE HÁ DE SER DE MIM?

"Seja o que for,
Era melhor não ter nascido,
Porque, de tão interessante que é
A todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar,
A cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos,
De dar pulos, de ficar no chão,
De sair para fora de todas as casas,
De todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte
Entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa
Mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto,
Que eu nem sei qual é, ó vida.
Cruzo os braços sobre a mesa,
Ponho a cabeça sobre os braços,
É preciso querer chorar,
Mas não sei ir buscar as lágrimas...
Por mais que me esforce
Por ter uma grande pena de mim, não choro,
Tenho a alma rachada
Sob o indicador curvo que lhe toca...
Que há de ser de mim?"
(Fernado Pessoa/Álvaro de Campos)

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