sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

SONO GELADO

"Pudesse eu morrer hoje
como tu me morreste nessa noite -
e deitar-me na terra;
e ter uma cama de pedra branca
e um cobertor de estrelas;
e não ouvir senão o rumor das ervas
que despontam de noite,
e os passos diminutos dos insetos,
e o canto do vento nos ciprestes;
e não ter medo das sombras,
nem das aves negras
nos meus braços de mármore,
nem de te ter perdido
-não ter medo de nada.
Pudesse eu fechar os olhos
neste instante e esquecer-me de tudo -
das tuas mãos tão frias
quando estendi as minhas nessa noite;
de não teres dito a única palavra
que me faria salvar-te,
mesmo deixando que eu perguntasse tudo;
de teres insultado a vida
e chamado pela morte para me mostrares
que o teu corpo já tinha desistido,
que ias matar-te em mim
e que era tarde para eu pensar
em devolver-te os dias que roubara.
Pudesse eu cair num sono gelado como o teu
e deixar de sentir a dor,
a dor incomparável de te ver acordado
em tudo o que escrevi
-porque foi pelo poema que me amaste,
o poema foi sempre o que valeu a pena
(o mais eram os gestos que não cabiam nas mãos,
os morangos a que o verão obrigou);
e pudesse eu deixar de escrever nesta manhã,
o dia treme na linha dos telhados,
a vida hesita tanto, e pudesse eu morrer,
mas ouço-te a respirar no meu poema..."
(Maria do Rosário Pedreira)

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