sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

TEMPO DISTANTE...

"Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir,
quando sucede a noite esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente
teus pulsos se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado.
Quando, iniciado o campo,
o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
...Eu não sei como dizer-te que cem idéias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da melancolia arrefecem
com astros ao lado do espaço
e o coração é uma semente inventada
em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da minha solidão
como se toda a casa ardesse pousada na noite.
...E então não sei o que dizer
junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes se despenham no meio do tempo
—não sei como dizer-te que a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira aprendo os trevos,
a água sobrenatural,
o leve e abstracto correr do espaço—
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me faltam
um girassol, uma pedra, uma ave
—qualquer coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor, que te procuram..."
(Herberto Helder)

Nenhum comentário: