quarta-feira, 21 de outubro de 2009

NA MESMA MARGEM...

"...Mas era nos olhos, só nos olhos,
que se fixava aquele mudo apelo, aquele grito.
Nem sei. Aquela clara maldição.
Saí, saiu. Não dissemos nada.
Eu só tenho esperas.
Ele traz a tranquilidade de nada mais esperar.
Um menino. Aquele ar espantado.
Um pouco trêmulo. Cigarro atrás de cigarro.
Tenho medo de tocá-lo. De quebrá-lo.
Eu disse: a lua está tão bonita que me dói por dentro.
Ele não entendeu.
É tudo tão bonito que me dói e pesa.
Fico pensando que nunca mais vai se repetir,
é só uma vez, a única, e vai me magoar sempre.
Ele está a meu lado.
Então me olha sério, por um instante abalado,
depois ri e diz: desista.
Positivamente o cinismo não fica bem em você.
E se com essa citação só quer mostrar que já leu Sartre,
eu também já li.
Por que feri? Por que feriu?
Por que estamos dizendo coisas que não sentimos nem queremos?
"Um menino assustado
querendo mascarar o medo com a agressividade.
Um menino. Curvo-me para ele.
Tão esguio que meus braços o rodeariam por completo.
Por um instante ele ficaria inteiro preso dentro dos meus limites."
O rosto dele próximo do meu.
Mais adivinho do que vejo o verde dos olhos deslizando pelas órbitas.
A sua mão toca no meu ombro, sobe pelo pescoço,
me alcança a face, brinca com a orelha, alcança os cabelos.
O seu corpo cola-se ao meu.
A sua boca vem baixando devagar, vencendo barreiras,
colando-se à minha, de leve, tão de leve que receio um movimento,
um suspiro, um gesto, mesmo um pensamento.
Estou em branco como a noite.
Ele me abraça. Ele está perto.
Ergue o braço lentamente, afunda as mãos nos cabelos de outro.
E de súbito um vento mais frio os faz encolherem-se juntos,
unidos no mesmo abraço, na mesma espera desfeita,
no mesmo medo.
Na mesma margem..."
(Caio Fernando Abreu)

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