quinta-feira, 8 de outubro de 2009

OS AMIGOS QUE EU FIZ...

"Eu nunca fiz amigos tentando ser interessante.
Todos os amigos mais íntimos que fiz
foi porque me interessei verdadeiramente por eles.
Me interessei pelo que doía, pelo que o fazia gargalhar,
pela forma como banalizava histórias tristes,
pelo jeito com que dramatizava fatos aparentemente banais...
Todo mundo quando descobre certa receptividade no outro
abre seu coração com tamanha generosidade,
que fica difícil não fazer o mesmo.
Porque a escolha é sempre nossa.
A gente se abre, o outro percebe e se abre simultaneamente
sempre nessa expectativa do encontro.
E quando flui, tudo nos parece mágico.
Mas depois vem o que fazemos com tanta informação,
com aquela confissão, com aquele momento de entrega.
É isso que vai solidificar o que quer que tenha começado.
E quando isso não é um dom, é um exercício.
Sempre tenho a impressão
de que meus amigos têm talento para sê-los.
Que são pessoas que nasceram pra essa troca incrível,
com esse jeito maravilhoso
de encher de sagrado qualquer encontro.
Isso me faz acreditar mais em mim
e a ter vontade de me melhorar diariamente...
Com minhas amizades aprendo, inclusive,
a me relacionar afetivamente com pessoas mais saudáveis...
Tudo que eu sou eu devo ao que fui,
à minha criação, ao que me doeu longamente,
às alegrias que tive, às pessoas que conviveram comigo,
aos valores que me passaram e ao que transcendi.
Tenho tanta consciência da importância do outro na minha vida
que digo que sou viciado em gente:
com seus problemas, suas virtudes,
sua simplicidade, ou complexidade,
com sua disposição pro amor ou a sua dificuldade de.
Não sou uma pessoa fácil, embora quem me veja, ache que sim.
Às vezes me alimento das belezas que as pessoas me dão
ou me desprezo quando me rejeitam. Sou exagerado em tudo:
oscilo demais, fico melancólico demais, alegre demais,
agressivo demais, doce demais, carente ao extremo,
independente além da conta.
Mas sempre tento estar atento a minha responsabilidade,
a de ter o cuidado de dizer ao outro que o processo é meu,
o problema é meu ...
Que ele me trouxe à tona
e que às vezes no primeiro impacto isso pode ser assustador.
Porque a honestidade sempre salvou as minhas relações
e me permitiu ser amado sendo quem eu estava,
porque somos o que estamos.
Depois descobri que a gente se desilude com amigos sim,
mas que ninguém tem tanta força pra me ferir.
Só terá se eu der a ele esse poder.
E que quando abraço uma pessoa inteira
( porque eu, sinceramente, não consigo abraçar sem entrega),
sei que estou trazendo pra minha vida uma pessoa
com tudo o que ela tem dentro:
passado e tudo o mais que a formou além da essência.
E acredito tanto na minha intuição e na minha sensibilidade
que confio que sempre haverá a troca
de um jeito torto, truncado ou fluido...
Eu só dependo da minha criatividade:
com ela eu escolho se usarei meus vazios e minhas decepções
pra me lamentar ou como espaços que eu tenho pra crescer
ou, ainda, se saberei aceitar amor e confiar simplesmente.
É por isso que críticas podem até me baquear,
mas não me desnorteiam e que elogios me nutrem,
mas não me envaidecem mais..
Porque nunca fiz amigos tentando ser interessante..."
(Marla de Queiroz)

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