sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

DOCES FANTASMAS

"Doces fantasmas esvoaçam
os ares dentro de meu quarto.
Parecem pássaros, invisíveis voam.
Eles passeiam, bailam, mas não aparecem,
ou não os vejo, somem nas cortinas da noite,
mas me despertam, como no super-soneto de Pessoa:

-Súbita mão de algum fantasma oculto
Entre as dobras da noite e do meu sono
Sacode-me e eu acordo, e no abandono
Da noite não enxergo gesto ou vulto.-

E eu acendo luzes, ouço a madrinha da madrugada.
Medito. Ligo a TV, mas logo desisto, desligo.
No fim perco o sono, e...:

-Mas um terror antigo, que insepulto
Trago no coração, como de um trono
Desce e se afirma meu senhor e dono
Sem ordem, sem meneio e sem insulto.-

Acordo.
Tento entender o terror antigo, insepulto.
Resolvo ouvir música, assim baixinho, no headphone.
Afinal é tarde, muito tarde. Perco as horas.

-E eu sinto a minha vida de repente
Presa por uma corda de Inconsciente
A qualquer mão nocturna que me guia.
Sinto que sou ninguém salvo uma sombra
De um vulto que não vejo e que me assombra,
E em nada existo como a treva fria.-

Depois do concerto volto a dormir. Em êxtase.
Os doces fantasmas da música me conduzem
a um lugar de extraordinária e lúcida beleza,
embora onírica,
e «sinto que sou ninguém salvo uma sombra»,
que «em nada existo como a treva fria»."

(Rogel Samuel)

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