quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

O RETORNO DO REAL

"No meio de frases destruídas,
de cortes de sentido e de falsas
imagens do mundo organizadas
por agressão e por delírio,
como vou saber se a diferença
não há de ser um pacto novo,
um regresso às histórias
e às árduas gramáticas da preservação.
Depois dos efeitos de recusa,
se dissermos não, a que diremos não?
Que cânones são hoje dominantes
contra que tem de refazer-se
a triunfante inovação?
Voltar junto dos outros,
voltar ao coração, voltar à ordem
das mágoas por uma linguagem
limpa, um equilíbrio do que se diz
ao que se sente, um ímpeto
ao ritmo da língua e dizer
a catástrofe pela articulada
afirmação das palavras comuns,
o abismo pela sujeição às formas
diretas do murmúrio, o terror
pela construída sintaxe sem compêndios.
Voltar ao real, a esse desencanto
que deixou de cantar,
vê-lo na figura sem espelho,
na perspectiva quase de ninguém,
de um corpo pronto a dizer
até as manchas a exata superfície
por que vai onde se perde.
Em perigo..."
(Joaquim Manuel Magalhães)

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