sexta-feira, 9 de outubro de 2009

EU NÃO SEI POR QUE TE AMO...

"Eu já parei para pensar por que a amo,
mas lamento, não sei.
Realmente não sei.
Talvez seja pelas sobrancelhas que falam antes dos olhos.
Ou pelo umbigo que inicia a mão.
Ou pelo copo que você balança antes de beber,
para convencer a água a partir?
Tantos homens têm um motivo certo para amar,
definido como um emprego,
e você foi escolher logo um que nada tem a dizer.
Será que é pelo modo como canta,
o modo como dança, com os braços acenando
em linhas sinuosas como fumaça de chá?
Será que é pelo toque em meu joelho enquanto dirijo?
Pela sua respiração suspensa na penumbra?
Ou pelas nossas saídas de madrugada
para encontrar sorvete em botecos?
Ou quando diz que está com frio no cinema?
Ou quando fica muda querendo voltar
ou quando fica ruidosa querendo passear?
Ou quando pede que eu fique em casa mordendo o lábio de cima?
Ou quando me enfrenta com raiva
e me diz todas as verdades sem ao menos pedir para sentar?
Ou quando sopra os machucados,
de quem herdou o costume de soprar machucados
mesmo quando não existem?
Será que a amo por que me irrita a viver mais?
Será que a amo por que não me deixa a sós comigo?
Eu juro que não sei por que a amo.
Todo dia você se acorda querendo ouvir, eu pressinto,
debruçada em meus ombros à espera do sinal, do cartão,
das flores, da segunda aliança que é um par de palavras.
Mas não descobri e não finjo.
Entenderá que faltam motivos, só que sobram motivos.
E dificulta-me pensar que se ama por motivos.
Ama-se por insinuações.
Será que é pelo seu medo de sangue?
Pelos seus joelhos esfolados nos móveis?
Pela sua insatisfação com as roupas na hora de sair?
Pela ânsia em atender o telefone
com a esperança de que seja eu a dizer por que a amo?
Eu não sei por que a amo.
Não me fale.
Quem sabe deixou de amar..."
(Fabrício Carpinejar)

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