quinta-feira, 8 de outubro de 2009

PARA QUE NINGUÉM A QUIZESSE...

"Porque os homens olhavam demais para a sua mulher,
mandou que descesse a bainha dos vestidos e parasse de se pintar.
Apesar disso, sua beleza chamava a atenção,
e ele foi obrigado a exigir que eliminasse os decotes,
jogasse fora os sapatos de saltos altos.
Dos armários tirou as roupas de seda,
das gavetas tirou todas as jóias.
E vendo que, ainda assim,
um ou outro olhar viril se acendia à passagem dela,
pegou a tesoura e tosquiou-lhe os longos cabelos.
Agora podia viver descansado.
Ninguém a olhava duas vezes,
homem nenhum se interessava por ela.
Esquiva como um gato, não mais atravessava praças.
E evitava sair.
Tão esquiva se fez, que ele foi deixando de ocupar-se dela,
permitindo que fluísse em silêncio pelos cômodos,
mimetizada com os móveis e as sombras.
Uma fina saudade, porém, começou a alinhavar-se em seus dias.
Não saudade da mulher.
Mas do desejo inflamado que tivera por ela.
Então lhe trouxe um batom.
No outro dia um corte de seda.
À noite tirou do bolso uma rosa de cetim
para enfeitar-lhe o que restava dos cabelos.
Mas ela tinha desaprendido a gostar dessas coisas,
nem pensava mais em lhe agradar.
Largou o tecido numa gaveta, esqueceu o batom.
E continuou andando de vestido de chita,
enquanto a rosa desbotava sobre a cómoda..."
(Marina Colasanti)

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