sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

SE NÃO ESTIVESSES

"Se não estivesses,
se a concha dos teus dedos
não fizesse vibrar em mim,
gota a gota, a tua voz,
se não esticasses os braços
sobre um qualquer espaço
que nunca será nosso,
se o teu sorriso
agora distendido
não se mostrasse todo
nos gestos do amor,
se a tua mão não procurasse
a minha, ou os meus dedos
não pudessem, ainda que ao de leve,
tocar a ponta frágil
dos teus cabelos escuros,
se eu não encontrasse
em ti o meu olhar,
às vezes,
quando finjo que não vejo
o teu olhar em mim,
se os dias não fossem confortados
com a idéia de que existes
sensivelmente existes,
e que, por isso, de alguma forma,
eu sou em ti
a minha forma de existir
-estas palavras, as frases
que as expõem, o poema
em que tudo se articula, no íntimo
sentido que só existe
dentro do poema, tudo o que
é
e, ainda, o que possa caber em nós,
secretamente,
seria uma triste passagem
pelo que resta e nem os meus olhos,
e nem as minhas lágrimas
diriam o que dizem;
porque a mão que escreve,
o seu último argumento,
está na concha dos teus dedos
e no gemido que atraiçoa a tua voz..."
(António Mega Ferreira)

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