quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ACREDITO...

"Acredito nos fins irreversíveis.
Acredito na impossibilidade real do encontro,
no poder afirmativo da ausência,
no esbatimento das lembranças,
hoje inteiras amanhã pela metade como frescos por restaurar,
pedaços de asas de anjo em tetos abobadados,
bocados de tinta e estuque que se soltam de nós
com o passar oxidante do tempo.
Acredito no dito que nunca será dado pelo não dito,
na vida que continua a esgalgar-se à nossa frente,
nos homens e nas mulheres que nos apagam
e apagarão de vez um do outro.
Acredito nos teus e nos meus amores maiores,
nas opções certas e na determinação da escolha.
Acredito que se pode jogar e ganhar,
mesmo quando se pensa que se perde,
e também creio no inverso: que às vezes se perde
mas se está convencido de que se ganhou.
No entanto, não acredito numa única palavra
do que me disseste para além daquilo que é a verdade,
mas aposto que ainda te lembras da minha tendência
para o drama quando aqui chego.
E as saudades -essas são reais- e não são só minhas.
As saudades têm a forma de mesas de esplanada,
refletem-se num copo alto com gelo derretido dentro,
num carro velho impregnado de vestígios do crime,
num café esquecido que arrefeceu na chávena
e no prato do dia partilhado numa tasca.
As saudades têm número de porta e nome de rua.
E contra isso não podes fazer nada..."
(Sofia Vieira)

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