quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A SUA PARTIDA...

"Vou-me embora, disseste.
Pegaste na mala atulhada de roupa engelhada,
agarraste nas chaves e fingiste-te por momentos
desorientado com o paradeiro do celular,
a dares-me tempo para que te pedisse que ficasses.
Abriste devagar a porta da rua
e fechaste-a atrás de ti meigamente e a custo,
como que para não acordares
a tentação de me abraçares e te deixares ficar.
Só então me abalancei ao corredor,
onde quedei de pé num silêncio lívido,
como um espectro desnorteado
que já não tivesse mais por onde assombrar.
Quando o estalido da fechadura
antecipou a reticência dos teus passos na escada,
deixei-me cair de joelhos
sobre o queixume do soalho velho,
que rangeu e chorou comigo como uma carpideira paga.
Foi aí que desataste a correr
como se te perseguisse um exército de malditos...
Livrar-te-ias de tudo,
bastava-te chegares à garagem,
ao carro e pores-te a milhas, mato adentro.
Por momentos, fugiste de tudo e de todos e,
no remanso daquela noite de oráculo
que nos anunciava o verão mais triste,
foste alma primordial em vôo
pelos recantos da floresta
que então te acolheu o alívio...
Não conseguiste, no entanto,
enxotar-me da tua lembrança,
ali parada no corredor,
finalmente vencida,
finalmente fantasma..."
(Sofia Vieira)

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