terça-feira, 22 de dezembro de 2009

O MEU QUARTINHO DE VIDRO

"Você me envolveu e me cercou por todos os lados.
Você insistiu tanto nisso
que a coisa toda ultrapassou a metáfora.
Hoje eu estou literalmente presa
nesse quartinho de vidro que você construiu pra mim.
Sem janelas, só com uma portinha de trancar,
que é pra você entrar e se servir de mim.
Também não tem luz, que é pra ninguém me ver
e eu não ver ninguém, além de você...
Você fez assim porque é só assim
que você se sente seguro e certo
de que nunca vai me perder,
por eu não ter como escapar.
Aqui você me trata como rainha,
e eu não tenho do quê reclamar.
Você me cuida, me alimenta e me lava todos os dias.
Você me entretém:
se finge palhaço quando é pra eu rir,
e se faz amante quando é pra eu chorar.
Eu só choro de amor, nunca de dor,
porque até hoje você foi muito bom pra mim.
Os meus minutos sozinhas eu gasto pensando em você,
de forma que você me consome inteira.
Na presença e na ausência.
Mesmo assim, ao chegar,
você pega a sua lupa de Sherlock
e fiscaliza cada cantinho do quarto
pra ver se algo mudou desde a sua última saída.
Mede a temperatura do ar, a pressão atmosférica,
passa a mão por todos os milímetros das paredes de vidro
e analisa todos os meus objetos.
Depois tateia o meu corpo todo,
pra ter certeza de que ninguém me tocou.
Isso tudo nos rouba um tempo enorme,
e essa é a minha única reclamação, perceba.
Não ligo pra sua fiscalização, seu método ou sua análise.
Entendo o seu cuidado, o seu zelo, a sua insegurança.
Interpreto tudo isso como amor.
Mas hoje, meu caro, eu preciso te contar
que durante todo esse tempo você foi enganado.
Se você parar de se preocupar tanto
com as pessoas que me olham ao redor, e olhar pra cima,
vai ver que sobre nós não há nenhum teto.
Na sua pressa de me ter só pra você,
esse detalhe escapou à sua arquitetura.
Perdoa por não ter te contado antes,
mas é que eu também estive mergulhada em você,
e o mundo sempre me foi menor do que nós dois,
por conta disso.
Agora que você já se deu conta, eu também devo contar
que se você perdesse esse medo de me expôr ao mundo, e viceversa,
e acendesse as luzes, e voltasse os seus olhos só pra mim,
como os meus olhos são só seus,
você veria que eu tenho asas.
Duas enormes asas de borboleta nas costas.
Você me pergunta então porque eu nunca fugi,
mas é tudo tão claro: Porque lá fora não tem você,
e a minha liberdade é bem mais plena junto à sua.
Mas principalmente porque você me ensinou
outra forma forma de voar..."
(Juliana Baeta)

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