segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

TOCA-ME O SANGUE...

"Toca-me o sangue.
Peço-te que me toques o sangue.
Escuta este rumor dentro do meu peito,
esta palavra enlaçada
a uma pedra que arde dentro da terra.
Toca-me o sangue.
Ordeno que me toques o sangue.
Este rio que corre nos meus olhos,
a música silenciosa que o mar vem entregar
quando os homens regressam do crepúsculo.
Vê como estou vivo.
Vê como sabem a terra as minhas palavras.
Vê como tenho ensanguentadas as minhas palavras perdidas,
esses barcos que a tempestade teme e as aves anunciam.
Amo-te.
Toca-me o sangue.
Sente que venho da noite,
que é com angústia que chamo pelo teu nome,
sonho os teus sonhos,
espero as tuas mãos.
Toca-me o sangue.
Toca os fios de dor que me rasgam a boca.
Toca o fogo dos meus cabelos.
Toca-me o sangue,
a escuridão em chamas do meu peito.
Sou o que espera na noite.
Sou o que chora na sombra.
Sou o que espera a tua passagem silenciosa,
os teus quadris ardentes
navegando na noite impassível.
Espero-te. Espero-te.
Um perfume ergue-se das tuas mãos, um punhal.
Toca-me o sangue.
Sou o que espera na solidão inquieta
e toma a luz pela luz dos teus cabelos.
Espero um rio, é uma praia que espero,
o azul penetrante da tua tristeza secreta,
esse bosque rugindo um nome
e precipitando a fuga
dos que temem e estão intranquilos.
Toca-me o sangue.
Toca o arco de fogo que cai das minhas mãos,
as sílabas perdidas na terra
por que uma criança cresce para o sono
e toca a limpidez de uma lágrima.
A vida vem com a brisa.
Um astro aproxima-se do teu rosto.
Uma canção desprende-se
da árvore de espuma que a sombra engendra.
Toca-me o sangue.
O febril sangue do meu peito..."
(Amadeu Baptista)

Nenhum comentário: